O Gamer Pensador – Uma análise do jogo Turma do Chico Bento
Pois nem só de violência vive o ser humano…
Lembrando disso, e também sabendo que desde Setembro deste ano está no ar o Turma do Chico Bento – jogo nacional que traz os personagens do Maurício de Sousa de volta do ostracismo digital – resolvi me aventurar nos mistérios da vida rural digital brasileira, tentando entender como tal título funciona como jogo, se há algo além do carisma dos personagens do Maurício e se a Turma do Chico terá mais sorte no mercado de jogos digitais do que a Mônica e amigos, que não parecem ter conseguido sair do Castelo do Dragão.
Nada melhor do que várias horas de jogo para se fundamentar a análise, que, imagino, interessa a todos que um dia gostaram – ou ainda gostam – do mundo criado pelo Maurício de Sousa, em um esforço que é, se não outra coisa, válido pelos pioneirismo e nacionalidade.
O Turma do Chico Bento é um aplicativo para Facebook publicado pela Level Up! e produzido pela paulista Insolita. O jogo, um simulador de vida rural como os velhos Farmville e Fazenda Feliz, aparenta buscar a exploração de um conceito de interação digital já estabelecido sob uma roupagem mais familiar – o universo dos personagens do Maurício de Sousa – ao público brasileiro.
E, apesar dos muitos e irritantes bugs que assolaram o jogo nos seus primeiros meses, a iniciativa tem dado certo.
O que esperar de um jogo desse tipo? Bem, seria redundante mencionar as práticas de agricultura, sendo mais interessante ressaltar que o jogo tenta – com moderado sucesso – reproduzir vivências típicas de pessoas que moram no campo: encontra-se, ao longo das missões do título, mini-games (cuja mecânica é a mesma, infelizmente) que simbolizam o sucesso em situações como a pescaria, a dança ou o conserto de um carro quebrado.
Isso é um elemento narrativo curioso, configurando-se – aliado à singular estética cartunesca do Maurício de Sousa – como uma tentativa de mostrar uma realidade possível e distinta à vida urbana contemporânea. No Turma do Chico Bento, sagazmente, ganha-se níveis ficando-se mais feliz. Esse detalhe, particularmente, me chamou à atenção ao ressignificar o aumento de níveis – elemento totalmente familiar aos gamers – de uma maneira singela.
Não apenas me atrai a tentativa do jogo de mostrar uma alternativa viável ao nosso cotidiano opressivo, mas também o título mostra-se dotado de um bucolismo – sem dúvidas em parte à singeleza do desenho de muitos dos elementos gráficos – que é reconfortante. Quando jogo o Turma do Chico Bento, nada relacionado à sua jogabilidade me espanta ou atrai.
Tudo bem. Definitivamente vale pela paisagem.
Mesmo com a bela vista, uma certa sensação de tédio se instaura ao se perceber que, mesmo com energia, há muito pouco a se fazer no jogo, e que essa pequena diversidade de atividades – demandantes de energia ou não – tende a tornar as sessões de jogo curtas. Isso, creio, prejudica a imersão do jogador.
Além das simulações simplistas de pescaria e outras atividades corriqueiras, o jogo possui uma política particularmente pouco agressiva com relação às limitações de jogabilidade. Mesmo havendo o limitador de ações sob a forma de energia, o TCB aprendeu a lição com as incômodas interações anteriores de simuladores de fazenda, não perturbando o jogador a cada momento em que a energia acaba. Isso é, no mínimo, gratificante.
Entretanto, existe uma pegadinha: apesar do título não pressionar o jogador para comprar objetos com dinheiro real, os adquiríveis com essa moeda são muito caros. Mesmo tratando-se em sua maioria de itens de decoração, me parece pouco comercialmente viável cobrar tanto pelos objetos que, por uma questão de equidade, não têm influência no gameplay.
Os poucos itens que de produção que custam dinheiro real, mesmo sendo tão caros quanto os de decoração, ao menos produzem moeda virtual, que permite que o jogador eventualmente recupere o dinheiro que investiu ao colher os frutos do próprio trabalho.
Existe, claro, a possibilidade de que a Insolita me informe que os orquidários que custam 35 reais e os lagos decorativos por 38 reais estão vendendo muito bem, obrigado. Em caso positivo, esqueçam o que disse sobre inviabilidade comercial devido a preços altos.
Outro elemento que precisa ser elogiado é a narrativa do título. Dividida em estorinhas, exatamente como nos gibis, incentiva o jogador a influenciar várias situações do cotidiano da Vila Abobrinha e adjacências, como preparar uma sopa para o chico ou reunir-se no Ribeirão para ouvir estórias sobre mitos brasileiros. Aliás, a adaptação do jogo ao evento do Halloween foi de muito bom gosto.
Afirmo com segurança que são a estética única da Turma da Mônica e a narrativa dividida em capítulos em forma de estórias os grandes atrativos desse jogo, sugerindo um exercício criativo de design por parte da Insolita. Infelizmente, os bons elementos do jogo e todas as suas singeleza e inocência, pois essas me parecerem ser a palavras que melhor descrevem a ambientação do título, são atacados por um desempenho terrível, mesmo em bons computadores, causado pelo abençoado desenvolvimento em Flash.
Adoraria ter visto esse jogo em HTML 5, sério.
Como isso nunca vai acontecer, vou me contentar com os longos períodos de carregamento para que eu possa cuidar da Genoveva, a minha galinha. Os nomes dos animais são espirituosos: como pude esquecê-los?
No mais, o Turma do Chico Bento é uma recomendável inserção do desenvolvimento de jogos nacional nos jogos para Facebook; um título feito com aparente zelo, apesar de seus vários problemas. Charmoso, nacional, com alguns defeitos e promissor.
*Escrito ao vivo do Mocó da Lagartixa.*