Heróis do Mundo Nerd – Bob Kane, o “verdadeiro pai” do Batman
É provável que o Batman seja o super-herói mais aclamado dos últimos anos. Seus últimos filmes, com suas tramas sombrias, aliados aos ótimos games feitos com extremo respeito a sua mitologia, colocaram o Homem Morcego no topo. Porém, não devemos esquecer o mundo dos quadrinhos, onde o Cavaleiro das Trevas surgiu. E hoje estamos aqui para homenagear Bob Kane, o homem que co-criou o Batman e todo o universo de Gotham City.
Robert Khan nasceu em 24 de outubro de 1915. Seus pais, Augusta e Herman Khan, eram descendentes de judeus da Europa Oriental. Bob era fanático pela arte do desenho desde muito pequeno, e sempre andava com um lápis na mão, desenhando em todo lugar que pudesse: panfletos, cartazes de propaganda, paredes… nada escapava do lápis e da criatividade de Bob.
Aos dez anos de idade, Bob já tinha certeza que queria ser cartunista. Nesta época, seu pai trazia para casa as seções de quadrinhos da edição de domingo do New York Daily News, jornal onde trabalhava como tipógrafo. Bob então copiava os desenhos praticamente iguais ao que estava no jornal. o que mostrava seu talento para a arte.
Os pais de Bob tinham amplo conhecimento do que era o trabalho de cartunista, então ele foi muito encorajado em casa. O pai de Bob até levava eventualmente os desenhos do filho para os cartunistas do jornal avaliarem. Os artistas davam suas opiniões, sempre pedindo para que Herman não deixasse de incentivar o talento do filho.
Aos 15 anos, Bob tirou segundo lugar em um campeonato de desenho. O objetivo do torneio era descobrir quem desenhava melhor as tiras dos quadrinhos da HQ Just Kids, que haviam sido originalmente assinadas por Gene Byrne.
Um ano depois, Bob começou a vender suas próprias HQs: certa vez ele conseguiu ganhar 5 dólares por um de seus trabalhos, o que era um bom dinheiro naquela época. Ao concluir o ensino médio, ele foi trabalhar na Max Fleischer Studios, estúdio que era dono de personagens famosos como Betty Boop e Popeye. Foi lá que Bob ganhou uma bolsa de estudos e estudou arte por mais ou menos 9 meses.
Pensando em reforçar sua imagem como artista, quando tinha 18 anos, Bob contratou um advogado e entrou na justiça para mudar seu nome. A partir daí ele deixaria de ser Robert Khan e seria chamado oficialmente de Bob Kane.
Bob também passou por outras escolas de arte: primeiro ele ingressou na Commercial Art Studios, depois passou para a Copper Union e então finalizou seus estudos na Art Students League.
Seu primeiro trabalho oficial na área foi como artista de elenco na Fiction House. A primeira vez que sua arte foi publicada foi em Wow, What a Magazine! #3, em 1936. Ele também desenhou muitas outras HQs e tiras de personagens como Peter Pupp, Hiram Hick e Pluto.
Por volta de 1938, Bob saiu da Fiction e foi procurar emprego na DC Comics, onde foi contratado em 1939. O Superman fazia muito sucesso na época, mas como Bob não trabalhava com o herói, ganhava muito menos dinheiro que os outros artistas da casa. Ele então decidiu criar seu próprio herói: o Batman.
Ao todo, Batman teve três grandes influências em sua criação. A primeira foi o Zorro, personagem que de dia vivenciava uma rotina chata como filho de uma das famílias mais ricas do México, enquanto a noite vestia roupas pretas, máscara e capa, montava em seu cavalo e saía de sua caverna para proteger seu povo (o cavalo evoluiu para o Batmóvel e a caverna se tornou a Batcaverna).
A segunda influência na criação do Batman foi a imagem do Ornitóptero, uma das primeiras máquinas voadoras projetadas pelo gênio Leonardo da Vinci, que tinha o desenho parecido com asas de morcego (imagem logo abaixo).
A última referência foi um filme mudo chamado O Morcego, onde o protagonista, ao contrário do Batman, era o vilão. Neste filme, havia um holofote de busca com um morcego no meio, o que inspirou o icônico Bat-Sinal.
Bob Kane era fascinado por morcegos: ao mesmo tempo em que eles o deixavam apavorado, ele também gostava da imagem icônica e “malvada” que os mamíferos representam. Bob pensou no medo que as pessoas sentem quando um morcego entra pela janela de suas casas, daí veio a inspiração para a roupa do Batman, que intimida os criminosos com sua silhueta ameaçadora.
Assim como muitos personagens em estágios iniciais de desenvolvimento porém, Batman ainda era uma pedra bruta, esperando para se lapidada. Inicialmente as asas atrás de seus ombros eram duras, ele se balançava em uma corda e não usava luvas.
Mesmo cm seu personagem ainda cru, Bob apresentou o personagem para Vincent Sullivan, lendário editor de quadrinhos, que amou o personagem e publicou a primeira história do herói na revista Detective Comics #27, que foi um grande sucesso e hoje virou peça de colecionador.
Nesta época, surgiu em cena o outro co-criador do Batman, Bill Finger, que recomendou uma nova caracterização física para o personagem: as asas foram substituídas por uma capa com o acabamento que lembra asas de morcego, a máscara ganhou olhos brancos (que denotava certo mistério ao super-herói), seu uniforme ganhou luvas e as seções vermelhas da roupa foram retiradas, dando a paleta e cores preta e cinza que se tornou padrão.
Bill Finger ainda ajudou na construção na identidade secreta de Bruce Wayne, além de ter escrito grande parte das histórias dele na época. Essas histórias ajudaram Batman a passar de um simples vigilante para um detetive científico, que utiliza seus gadgets incríveis para solucionar crimes.
Ainda no primeiro ano de vida de Batman, Bob contratou dois colaboradores para produzirem histórias do Batman: Jerry Robinson e George Roussos. O sucesso foi instantâneo, e a DC Comics começou a exigir mais histórias do Batman que o estúdio podia produzir.
Bob então contratou Dick Sprang e outros artistas de estúdios menores, que trabalharam em diversas histórias sob a supervisão dele. Gardner Fox foi um dos artistas que trabalhou para Bob na época, e introduziu na clássica história “The Monk” os equipamentos denominados com o prefixo “bat”, como o Batarangue e o (agora oficialmente batizado) Batmóvel.
Em 1940, Bob e Bill Finger tiveram a ideia de criar um sidekick para o Batman. Eles achavam que era muito chato o Batman ter que pensar o tempo todo enquanto está em ação, então chegaram à conclusão que ele precisava de alguém para conversar: aí nasceu Robin, que foi inspirado no Robin Hood, com um uniforme inspirado em uma ilustração de N.C. Wyeth.
Outra razão para a criação de Robin foi a tentativa de criar um personagens que as crianças pudessem se identificar mais facilmente, visto que Batman era bem mais sisudo e sombrio que a maioria dos super-heróis da época.
No entanto, o patrão de Bob, Jack Liebowitz, não gostou do Robin, mas foi convencido por seus criadores a lançar uma história com o parceiro do Batman na Detective Comics #38 (capa abaixo), revista que, por ter vendido o dobro das demais revistas de super-heróis, mostrou que Robin chegou para ficar e inspirou a criação da maioria dos parceiros de heróis durante os anos 40.
Esta mesma época marca a criação do Coringa, o maior vilão do Homem Morcego, que passou por uma grande disputa sobre os créditos do personagem. té hoje não se sabe realmente se o artista Jerry Robinson colaborou com os desenhos, mas o fato é que Bob foi inspirado em uma carta coringa que Jerry havia mostrado para ele.
Esta carta fez Bob se lembrar do ator alemão Conrad Veidt. Ele então desenhou o Coringa (com a suposta ajuda de Jerry Robinson), que estreou na primeira revista própria do Batman junto com a Mulher Gato, que ele criou se inspirando em sua prima (?!), Ruth Steel. Originalmente, a personagem não usava nenhum tipo disfarce ou uniforme.
Outra curiosidade sobre a história do Coringa está no filme que tornou Conrad Veidt famoso. The Man Who Laughs era um filme que falava dos conflitos das gangues francesas. Essas gangues chegavam aos acampamentos umas das outras e cortavam a boca das crianças de orelha a orelha.
Quando cresciam, estas crianças ficavam com um branco acinzentado ao redor da cicatriz por conta da destruição dos vasos sanguíneos, o que provavelmente inspirou a cor da maquiagem do personagem, e serve como explicação para as emblemáticas cicatrizes que o Coringa de Heath Ledger tanto destacava no filme Batman – O Cavaleiro das Trevas.
Pode se dizer que os outros grandes vilões do Batman surgiram na mesma época: Duas Caras, o Espantalho e Cara de Barro foram criações individuais de Bob Kane. Já o icônico personagem Pinguim também passou por discussões, pois outra vez o desenhista Jerry Robinson alega ter parte na criação do personagem.
No caso deste último, Bob diz que se inspirou na mascote de uma marca de cigarros, que era um pinguim vestindo cartola e usando uma bengala. Já Jerry diz que se inspirou no jeito que a aristocracia inglesa se vestia, parecendo pinguins imperadores.
Em 1943, Bob Kane deixou de desenhar as HQs do Batman para trabalhar em tiras que eram publicadas em jornais. Nesta época, os artistas que estavam publicando histórias do Batman eram os funcionários que Bob havia contratado anteriormente.
Em 1946, quando as tiras pararam, Bob voltou a desenhar para as HQs. Sete anos depois, ele contratou mais dois artistas novos, Lew Schwartz e Sheldon Moldoff, que permaneceram na equipe até 1967.
Em 1965, Bob foi chamado por Hollywood para colaborar com a série de TV do Batman. Este não era um seriado de ação, mas sim um show de comédia. Bob gostava bastante do show e esta empreitada marcou o início de sua carreira na televisão.
Ele ainda criou em 1969 o desenho animado Legal MCLegal. Nos anos 70, seu ritmo criativo já não era mais o mesmo, mas ele passou a pintar e a expor seus quadros em galerias de arte. Muitas vezes ele também agenciava outros artistas para expor seus trabalhos junto com ele. Nesta época Bob se mudou e foi viver em Hollywood.
Bob teve seu esforço e talento reconhecidos e foi honrado na publicação comemorativa de 50 anos da DC, intitulada de “Fifty Who Made DC Great”. Em 1989, Bob lançou sua autobiografia, a qual sagazmente nomeou Batman and Me (capa abaixo), que teve um segundo volume (Batman And Me – The Saga Continues), publicado em 1996.
Ainda no ano de 1989, ele fez uma pequena ponta no filme Batman, de Tim Burton, e trabalhou como consultor nos dois filmes seguintes do herói (foto logo abaixo).
Durante os anos 90, Bob levou uma vida calma no sul da Califórnia ao lado da esposa, Elizabeth Sanders (atriz que “curiosamente” apareceu em três filmes do Batman), e da filha, Deborah Majeski. Infelizmente, este herói da vida real ele acabou falecendo no dia 3 de novembro de 1998, de causas naturais, e foi sepultado no Forest Lawn – Hollywood Hills Cemitery, em Los Angeles.
Batman pode ser considerado dentre todos os super-heróis aquele que melhor concilia histórias de ação e mistério, e isto é total mérito da mente de Bob Kane e de suas inspirações para o personagem. Se hoje os quadrinhos são considerados uma mídia tão forte dentro da cultura pop, muito se deve ao trabalho dele e de sua talentosa equipe.
Em uma época em que não se acreditava muito nas histórias em quadrinhos, Bob Kane entrou de cabeça nesta arte para, com muita criatividade, fazer com que seu Cavaleiro das Trevas fizesse justiça a todo o povo de Gotham. Pelo ícone da cultura pop que o Batman se tornou, é totalmente justo aclamarmos Bob Kane como um dos maiores (super) heróis do mundo nerd!