Heróis do Mundo Nerd Especial – Hideo Kojima, o gênio que criou Metal Gear
Metal Gear é uma das franquias japonesas mais famosas que existem nos videogames. É impossível pensar no gênero stealth sem que venham à mente imagens de Solid Snake se escondendo em caixas de papelão ou se esgueirando por dutos de ventilação. Vocês pediram e a Arkade atendeu: nosso herói de hoje é ninguém menos que Hideo Kojima, um dos maiores game-designers da história!
Hideo Kojima nasceu em 24 de agosto de 1963 em Tóquio, Japão. Ainda pequeno, se mudou diversas vezes com sua família por conta do trabalho dos pais, que eram executivos farmacêuticos. Passando por cidades como Shirasaki e Kawanishi, a família Kojima se situou em Osaka, onde começaram a surgir as influências que Kojima levaria para toda a vida.
Enquanto criança, Kojima voltava para casa depois do colégio e tinha que passar o dia inteiro sozinho. A solidão que sentia lhe traz problemas até hoje: quando viaja a trabalho e tem que se hospedar em hotéis, ele entra no quarto e imediatamente liga a TV, uma companheira tagarela que o ajuda a lidar com a sensação de solidão.
Apesar do pouco tempo que os pais de Kojima tinham para passar com ele e os dois irmãos, eles tinham um ritual familiar que se seguia fielmente por todas as noites: seus pais eram fãs de cinema ocidental e de filmes europeus. Assim, toda noite a família Kojima assistia a um filme.
O detalhe é que era proibido para eles irem dormir antes do filme acabar e seus pais assistiam a todo tipo de filme, até mesmo alguns pornôs (?!), costume bem pouco convencional para outras crianças do mundo inteiro.
Os pais de Kojima também o encorajavam a ir ao cinema, onde ele poderia assistir o filme que quisesse sempre que tivesse vontade. No entanto, esta liberdade tinha uma condição: ele tinha que arranjar um panfleto do filme e, quando chegava em casa, tinha que debater com os pais o que havia assistido, tendo que esmiuçar o tema, a fotografia, a direção e as impressões que ele tinha quanto à qualidade do filme.
Por mais estranhas que fossem as tradições e a paixão por cinema que os pais de Kojima tinham, esta obsessão foi a maior responsável por ele ter desenvolvido tanto a sua criatividade. Acostumado a dissertar sobre os filmes com os pais, Kojima passou a observar as coisas ao seu redor e se distraia imaginando histórias para elas.
Enquanto viajava em suas histórias, Kojima vez ou outra acabava caindo em alguns dos vários canais de escoamento de água que o Japão utiliza para evitar enchentes durante as tempestades. Daí pode ter vindo sua obsessão por esconderijos em encanamentos e dutos de ventilação.
A mente de Kojima é tão fértil que até mesmo dirigir para ele é perigoso: as histórias que imagina roubam completamente sua atenção, e em mais de uma vez ele já bateu o carro no portão de sua própria casa por estar divagando.
Nesta época, algumas revistas japonesas publicavam histórias produzidas por leitores. O jovem Kojima viu que essa seria a primeira oportunidade de uma obra sua ser publicada. O problema é que as revistas davam preferência a historias de no máximo 100 paginas, enquanto Kojima enchia mais de 400 páginas com suas tramas mirabolantes, ou seja, nenhuma de suas histórias foi publicada nestas revistas.
Curiosamente, uma das histórias que mandou falava de um grupo de pessoas que estava participando de um jogo onde eram obrigados a lutar uns contra os outros para sobreviver. Isso não te lembra um certo romance, que virou um mangá bem famoso?
Durante a época de escola, um dos colegas de Kojima tinha uma câmera 8 mm. Junto com ele e mais outros colegas, Kojima começou a fazer seus primeiros filmes, que eram curtas-metragens de zumbis. A escola em que estudavam tinha um concurso anual de cinema, e ele pensava em inscrever seus filmes para participar da competição.
Kojima buscava usar seus filmes para fazer pequenas seções de cinema e cobrar ingressos para arrecadar dinheiro e comprar ainda mais filmes. Porém, ainda não era hora de seus planos darem certo: seus filmes não tinham público, de modo que ele jamais conseguiu comprar um filme sequer com os “lucros”.
Um dos filmes mais ambiciosos que ele fez na época contava a história de alguns alunos do ensino médio que haviam sofrido um acidente de avião e caíram em uma ilha deserta, onde deviam usar os recursos do lugar para construir uma embarcação que os levaria de volta para casa.
Sempre audacioso, Kojima e seus amigos fizeram os pais darem dinheiro para que eles viajassem por quatro dias para uma ilha exótica na costa leste do Japão, onde o filme seria rodado.
Infelizmente, porém, os amigos ficaram os três primeiros dias nadando no mar, e só no último dia se deram conta do curto tempo que tinham para gravar. Tendo que fazer o filme as pressas, Kojima teve que adaptar a história, transformando-a em uma trama onde os jovens que sofriam um acidente de avião, nadavam até uma ilha e descobriam que ela era infestada de zumbis.
Apesar desta folia, nem tudo era felicidade na vida de Kojima durante sua juventude: seu pai faleceu quando ele tinha apenas 13 anos e seguir por uma vida artística muitas vezes era um caminho incerto. Ele era desencorajado pelos hábitos japoneses de encontrar um trabalho tradicional com salário fixo, e um tio artista que vivia na pior não era lá algo muito inspirador.
Hideo Kojima sempre sonhou em ser cineasta, mas algo mudou em sua vida enquanto ele cursava a faculdade de economia: ele teve acesso ao NES durante seu tempo livre.
Os jogos encantaram Kojima de imediato pela sua possibilidade de contar histórias interativas, e ele passou a pensar que desenvolver os games seria mais gratificante do que fazer filmes.
Então, na decisão que mudaria toda sua vida, Kojima desistiu do cinema e – inspirado pelo Super Mario Bros. de Shigeru Miyamoto (que já foi homenageado em nossa coluna Heróis do Mundo Nerd) e por The Portopia: Serial Murder Case de Yuji Horii – decidiu ingressar na indústria dos videogames.
Os amigos ficaram estarrecidos com a escolha que ele havia feito, e muitos imploraram para que Kojima reconsiderasse. Eram os anos 80, e a quebra econômica dos videogames em 1984 era uma realidade palpável no Japão, então trabalhar desenvolvendo jogos era algo arriscado e socialmente questionável.
Apesar de ter fé que um dia a indústria dos videogames seria grande, Kojima chegava a ter vergonha da escolha que havia feito. Muitas vezes ele falava que estava trabalhando na área de finanças. A mãe foi a única pessoa que o encorajou, falando que ele poderia fazer da vida tudo o que quisesse.
Kojima entrou para a Konami em 1986, onde se juntou como planejador e game designer da divisão que fazia jogos para o MSX. Inicialmente ele ficou bem insatisfeito com isso, dadas as desvantagens gráficas que o computador tinha em relação ao NES.
Para piorar, os primeiros anos de Kojima foram difíceis na indústria dos games: várias de suas ideias foram rejeitadas, e como ele tinha dificuldade com os códigos de programação, cogitou até sair do emprego. Algo que, felizmentem ele não fez.
O primeiro jogo em que Kojima trabalhou foi Penguin Adventure, sequência de Antartic Adventure. Apesar de ser um jogo simples, Kojima evoluiu consideravelmente o gameplay da série, pois suas melhorias incluíam fases mais variadas, equipamentos que podiam ser evoluídos e até mesmo múltiplos finais.
Ainda em 1986, Kojima desenvolveu seu primeiro jogo. Tratava-se de Lost World, um título de plataforma em que a protagonista era uma lutadora de luta livre mascarada. No entanto, o jogo não chegou a ser lançado, uma vez que os chefes da Konami desaprovaram o titulo.
Porém, vendo o potencial criativo de Kojima, um associado sênior entrou em cena na Konami e solicitou que Kojima assumisse o desenvolvimento do primeiro Metal Gear, jogo que chegaria para mudar os rumos de sua carreira.
Por ironia do destino, a desvantagem de hardware do MSX que anteriormente havia incomodado Kojima acabou sendo a principal influência para definir o gênero do game.
Vejamos: o MSX 2 não tinha potência gráfica para se desenvolver um modo de combate decente. Então, inspirado no filme The Great Escape, Kojima criou um jogo onde a ideia era evitar confrontos diretos e se manter oculto, enquanto investigava bases secretas para deter uma arma nuclear ambulante chamada Metal Gear.
Seu considerável sucesso garantiu uma versão do título portada para o NES pelas mãos da Ultra Games, subsidiária da Konami. Kojima não esteve envolvido nesta conversão, e fez várias críticas para as mudanças feitas no jogo.
O próximo título desenvolvido por Kojima foi o clássico Snatcher, lançado para o NEC PC e para o MSX 2 em 1988. O jogo – sobre um detetive amnésico que devia encarar uma raça de ciborgues que matavam pessoas e copiavam sua aparência para assumir seus lugares – recebeu inúmeros elogios pela história densa, cutscenes bacanas, gráficos realistas, trilha sonora caprichada, dublagem boa (para os padrões da época) e diversos outros elementos inovadores.
Snatcher foi portado para diversas plataformas, como Sega Saturn e Playstation, mas a única conversão criada por Kojima foi a do PC Engine Super CD ROM em 1992, pois a possibilidade de tornar as dublagens mais realistas na mídia de CD o inspiraram a portar o jogo.
Snatcher teve ainda uma sequência, SD Snatcher, um RPG com gráficos SD em primeira pessoa onde o jogador podia atacar partes específicas do corpo dos inimigos, assim como acontece em Fallout 3.
Devido ao grande sucesso de Metal Gear, a Konami começou a trabalhar na sequência para o titulo, Snake’s Revenge, sem a participação de Kojima. Porém, durante uma viagem de trem para casa, Kojima se encontrou com um dos funcionários envolvidos no projeto e este lhe perguntou se ele faria uma sequência definitiva para o título.
Ele começou a trabalhar no título Metal Gear 2 – Solid Snake, um dos últimos títulos que a Konami desenvolveu para o MSX 2 e que foi lançado apenas no Japão. O jogo trouxe algumas melhorias significativas: agora Snake poderia se abaixar e se esgueirar por dutos de ventilação, além de poder bater em elementos do cenário para chamar atenção dos guardas.
Em 1994, Hideo Kojima lançou Policenauts, um jogo de aventura com elementos de filme noir e ficção científica para o NEC PC. O jogo também recebeu várias conversões, mas desta vez Kojima supervisionou os ports lançados para o 3DO, Saturn e PSX.
Uma versão em inglês chegou a ser anunciada, mas os problemas na hora de sincronizar o áudio das cutscenes interromperam a produção. Muito mais tarde, um patch de tradução não-oficial foi lançado – em 24 de agosto de 2009 – em comemoração ao aniversário de 46 anos de Kojima.
Em 1997, Kojima lançou o primeiro titulo da trilogia Tomikimeki Memorial Drama Series, série que, embora não tenha grande apelo no Ocidente, fez muito sucesso no Japão, onde seguiu firme até 1999.
O ano de 1998 chegou para fazer justiça a Hideo Kojima: o lançamento de Metal Gear Solid para Playstation o transformou em uma verdadeira celebridade da indústria dos videogames. O jogo recebeu inúmeras críticas positivas por seu roteiro intrincado, gráficos 3D e dublagem excepcional, tudo para dar um ar mais cinematográfico ao título.
Audacioso, Metal Gear Solid abordou temas como engenharia genética e ameaça de ataques nucleares. Para abordar este tema delicado, Kojima teve como referência seus pais, que quando viviam em Tóquio na década de 30, sofriam com a contínua ameaça de ataques de aviões bombardeiros.
Metal Gear Solid foi um divisor de águas no gênero stealth, figura até hoje entre os melhores jogos de todos os tempos, e foi o game que realmente permitiu a Kojima unir suas duas paixões: cinema e videogames.
Anos depois, o Playstation 2 chegou, e junto dele Kojima lançou Metal Gear Solid 2 – Sons of Liberty. O jogo teve ótima recepção da crítica por conta das evoluções técnicas e seu gameplay melhorado, além de ser elogiado por abordar assuntos como censura e as falhas da democracia. No entanto, o título aborreceu os mais fanáticos por não trazer Snake como protagonista.
Em 2001, Kojima também lançou a franquia de games e animes Zone of the Enders, que apesar de não ter feito tanto sucesso quanto Metal Gear, possui uma legião de fãs devotos, conta com um ótimo roteiro de Kojima, e recentemente recebeu uma conversão em HD para a atual geração.
Dois anos depois, Kojima lançou Botkai – The Sun Is in Your Hand, título para o Game Boy Advance que contava a história de um caçador de vampiros que usava uma arma de luz solar que trazia um recurso curioso: a arma devia ser recarregada com um sensor de luz presente no cartucho, ou sejam o jogador só podia jogar durante o dia.
Esta curiosa novidade rendeu a Botkai uma sequência lançada em 2004, Botkai 2 – Solar Boy Django, que fazia melhor uso do sensor (novamente presente no cartucho) e possibilitava combinações entre várias armas solares.
Em 2004, a Konami lançou Metal Gear Solid 3 – Snake Eater. O jogo se passava em uma floresta russa do ano de 1964 e introduzia temáticas de camuflagem e sobrevivência na selva, obrigando o jogador a caçar e comer animais para se manter vivo. O titulo ainda fez a alegria de milhões de fãs ao redor do mundo por trazer Solid Snake (na época chamado Naked Snake) de volta como protagonista.
Nesta época, a série Super Smash Bros. era muito querido pelos filhos de Kojima, que pediram ao pai para colocar Snake no game. Infelizmente, por conta de alguns problemas com a Nintendo, a participação do espião em Super Smash Bros. Melee foi impossível.
Porém, quando Super Smash Bros. Brawl estava em desenvolvimento, o produtor Masahiro Sakurai contatou Kojima para que ele desenvolvesse Snake para o jogo. Kojima e sua equipe ainda produziram um ringue próprio temático para o espião.
Em 2008, Kojima lançou Metal Gear Solid 4 – Guns of the Patriots, co-produzido por Shyuo Murata. O título, que foi anunciado como último Metal Gear, trouxe um Solid Snake bastante envelhecido em plenos 43 anos por conta de sua degeneração celular.
O jogo foi sucesso no mundo inteiro por trazer enredo, gameplay e gráficos incríveis, servindo até hoje de referência para mostrar o poder de processamento do Playstation 3.
Em 2010, Kojima firmou parceria com a produtora ocidental MercurySteam ao trabalhar como supervisor de criatividade no desenvolvimento de Castlevania – Lords of Shadow, sendo o primeiro trabalho dele com a série.
Embora o Castlevania supervisionado por ele não tenha convencido os fãs mais ardorosos da série, a nova parceria possibilitou o lançamento de Metal Gear Solid – Peace Walker, título para PSP que fez enorme sucesso.
Kojima também investiu em remakes da série Metal Gear Solid: entre eles está Twin Snakes – que é basicamente um remake do primeiro Metal Gear Solid com o gameplay de Sons of Liberty – lançado para Game Cube. Anos depois, chegou Metal Gear Solid 3 – Snake Eater 3D, um remake com recursos 3D do game de Playstation 2 que aproveita os recursos do Nintendo 3DS.
No dia primeiro de abril de 2005, Kojima inaugurou sua própria softhouse, a Kojima Productions, que atua como subsidiária da Konami. O sucesso de Metal Gear Solid 4 garantiu a Kojima o prêmio de conquista vitalícia no MTV Game Awards em 2008. No dia primeiro de abril de 2011, ele foi promovido à vice-presidente da Konami.
Além de ser um contador de histórias de talento inigualável, Kojima sempre demonstrou criatividade para inserir easter eggs em seus trabalhos: quem não lembra do macete de plugar o controller para o player 2 para evitar que Psycho Mantis lê-se sua mente em Metal Gear Solid 1, ou a possibilidade de matar o sniper The End de velhice em Metal Gear Solid 3? Estas são apenas algumas demonstrações da genialidade de Kojima em surpreender o jogador.
Para o futuro, Kojima está planejando muitas novidades: o novo Metal Gear Solid: Ground Zeroes está sendo produzido em cima de sua própria Fox Engine, e o coadjuvante Raiden irá protagonizar o spin off Metal Gear Rising: Revengeance, que ficou à cargo da Platinum Games.
Além disso, o recente anúncio de The Phanton Pain, do misterioso Moby Dick Studios, deixou os fãs de Metal Gear Solid com a pulga atrás da orelha. Já existem inúmeras teorias sobre o game – isso que até agora temos apenas um trailer! – , demonstrando outro talento nato de Kojima e sua equipe: gerar expectativa em seus fãs.
Hideo Kojima não é apenas a representação de um gênio, ele é um dos maiores exemplos do profissional que ouviu muitos “nãos“, mas que se agarrou ao primeiro “sim” e mudou sua vida.
Sua obra é constituída por algumas das mais caprichadas tramas da história dos games, frutos de um dom especial que lhe concede uma linha de raciocínio única e uma forma muito distinta de encarar a vida.
O talento de Kojima é uma verdadeira dádiva, e a boa utilização que ele faz deste dom é o que faz de Kojima um dos maiores ícones do mundo dos games, e um verdadeiro herói do mundo nerd!