A invasão dos games em CD na Ação Games de novembro de 1991
O mundo dos videogames sempre fica alvoroçado quando surge uma grande novidade. Se hoje, iniciativas como o streaming nos games, que dispensam um videogame, geram comentários dos mais diversos tipos, no passado, era o CD quem garantia assunto nas rodas de conversa. Será que esse negócio de “disquinho” poderia dar certo? Deu. E muito.
A Revista Ação Games #7, de novembro de 1991, deu destaque para a “invasão do laser”. Nesta época, já se falava em consoles de 32-bits, como o “Mega Drive/32“, que é o 32X que conhecemos. Mas, o que “assustava”, de fato, era os CD-ROMs.
Naqueles dias, os games vinham quase que unicamente em cartucho. Haviam games em disquetes, para PCs, ou mesmo iniciativas como os cartões do PC Engine / TurboGraphx-16. Mas todos os consoles populares da época, entre eles, o Mega Drive, o Master System, ou mesmo o Atari, que teve sobrevida por estes lados, usavam as famosas “fitas”.
E a própria matéria se inicia dizendo que “este reinado está ameaçado”. “A onda já contagiou os japoneses e promete espalhar-se pelo mundo todo”, dizia Angelo Ishi, correspondente japonês para a revista, e responsável pela matéria.
O que é um CD-ROM?
Temos que levar em consideração que a matéria é de 1991, e o abismo tecnológico entre Brasil e Japão já era imenso. Tanto que a revista precisou explicar o que era o CD-ROM. De acordo com a revista, a memória dos CDs, em comparação com os cartuchos da época, era o mesmo que comparar um elefante com uma formiga.
Usando os bits de referência, um game considerado excelente para a época, possuía 8 Megabits. Streets of Rage, lançado em agosto daquele ano, tinha 4 MBits. Os “2.400 Megabits” de um CD, de fato, assustava tanto quanto a promessa do Google de levar jogos a 8K e 120 FPS com seu Stadia.
Assim, foi explicado que os discos, que eram mais conhecidos como dispositivos de música, também serviam para guardar dados, incluindo games. A revista atribui o sucesso dos CDs ao sucesso dos Laser Discs, aqueles discos do tamanho de discos de vinil que continham, em sua maioria, filmes. E que os fabricantes desejavam aparelhos “4 em 1”, com toca-fitas, videocassete, disc player, e videogames.
E, apesar de não ter se transformado em padrão na indústria, em 1993 a Pionner, junto com a Sega e a NEC, lançou o LaserActive. O aparelho lia filmes em Laser Disc, tocava músicas, tinha Karaokê, e aceitava óculos 3D. E, através de módulos, também aceitava jogos de Mega Drive, PC Engine, e SEGA CD.
Os videogames em CD acabaram se transformando em centrais multimídia. Os consoles 32-bits tocavam música e até aceitavam, com acessórios, CDs de filmes e música. E o Playstation 2 fez sucesso, entre outros fatores, justamente por ser um player de DVD mais barato do que os disponíveis em sua época de lançamento.
“Videogame com CD? Existe isso?”
Primeiramente, foi citado o acessório de CD para o PC Engine. Assim como seu primeiro game, o Tengai Mario Giraya, lançado em 1989. E a segunda versão do aparelho, além da empolgação dos desenvolvedores, que, segundo a matéria, estavam animados em produzirem games melhores, ou colocar vários games em um disco só.
O Mega CD (Sega CD para nós) também foi mencionado. O acessório foi lançado naquele ano no Japão. E chegaria dois anos depois nos EUA, e Europa. E até no Brasil, através da Tec Toy. Mas, apesar de ser considerado já naqueles dias mais sofisticado do que o concorrente da NEC (e de fato, era), o preço inicial assustou. O aparelho era vendido a US$ 450, em média, algo como R$ 3 mil hoje em dia, atualizando os valores da época e fazendo a conversão.
E os novos jogos traziam previsões para o futuro. Os games em CD, de acordo com especialistas na época, poderiam evoluir a ponto de atores reais representarem os personagens. Seria como assistir a um filme, só que mudando seu rumo. Não foi exatamente com pessoas de carne e osso, mas Ellen Page e Willem Dafoe viveram exatamente isso em Beyond: Two Souls, de 2013.
De fato, esta coisa de “ter pessoas reais nos games” era uma obsessão da época. Mortal Kombat levou atores reais para seu game, enquanto FMVs faziam o papel de “filme interativo”. Mas, com a melhora dos polígonos, e a climatização cinematográfica, usada em games como Resident Evil ou Metal Gear Solid, acabaram deixando os atores na dublagem, uma vez que os polígonos poderiam “atuar” sem nenhum problema.
Nintendo Playstation
A matéria conta sobre a tentativa de um projeto de CD da Nintendo com a Sony. E, a história voltou aos holofotes recentemente, quando um exemplar do Nintendo Playstation foi apresentado, e funcionando. E é interessante ver como as duas empresas, hoje gigantes do videogame, lidavam com a novidade que era o CD. Como todos sabemos, o Nintendo Playstation teria o know-how da Nintendo mais as novas tecnologias da Sony.
Mas, de acordo com a matéria, a Sony queria o mesmo padrão dos CDs de áudio. Enquanto a Nintendo, com medo da pirataria, defendia um padrão próprio. Como todos sabemos, a Phillips também tentou a parceria, não vingou. E a Sony lançou sozinha seu Playstation. Enquanto a Nintendo foi usar discos em seus consoles apenas em 2001, com o GameCube. Além disso, GameCube e Dreamcast provaram que, mesmo usando mídias próprias, não eram capazes de evitar pirataria.
Assim, a Sony acertou e muito, ao manter o padrão de CDs como já conhecemos. É claro que a previsão da Nintendo quanto a pirataria estava completamente correta. Mas não tem como negar que foi justamente a pirataria que fez com que muitos consoles Playstation fossem vendidos. Incluindo no Brasil. Pensando apenas no lado financeiro, as perdas com jogos piratas acabavam compensando com a chegada de consoles em locais os quais a Sony não investia nada, seja com propaganda, ou com assistência técnica.
A Nintendo, por sua vez, demorou para entrar no mundo dos discos. Surpreendentemente, não lançou nada de CD para o Super Nintendo. Insistiu nos cartuchos no Nintendo 64 e viu desenvolvedoras de seus dias de glória se mudando para a rival Sony. E, quanto a aquele “formato próprio” que a matéria disse, é muito fácil associar isso a bomba que a Big N lançou, anos mais tarde: o 64DD.
É interessante ver que, mesmo em 1991, ano em que o Super Nintendo chegou e se transformou em um fenômeno, a Nintendo já tomava decisões que atrapalhariam, e muito, o seu futuro. E, ao pular a “febre do CD”, deu espaço para que a sua antiga parceira se transformasse no próximo sucesso dos videogames.
E os games?
Voltando para a matéria, o piloto Christian Zaharic (lembra de quando as revistas tinham “pilotos” para testar os jogos?) trouxe alguns dos games que eram sucesso no Japão. Foi apresentado aos leitores o PC Engine com o kit em CD-ROM e alguns de seus games. “Parece até que está se assistindo a um desenho animado”, diz o texto.
Vallis 3, chamou atenção pelos diálogos em momentos chave do jogo. Final Zone 2 se destacou pelas suas animações incríveis para a época. Fighting Street é o primeiro Street Fighter, mas com outro nome. Mas pelo visto, ninguém na revista se deu conta disso. Mesmo citando que o game te “fazia se sentir em uma luta de O Grande Dragão Branco”.
Também foram mostrados jogos de esporte, como um de baseball, e outro de golfe. Ambos chamaram a atenção por somar narração às partidas. E também por trazer uma ambientação mais próxima das TVs. E Download 2, um jogo de ação que também trazia uma apresentação muito mais sofisticada do que o normal.
Todos estes games, somados a outros que viriam, como Sonic CD, ou Earnest Evans, mostravam muito dos games daquela época. Os desenvolvedores não sabiam o que fazer com o espaço extra. Então acabavam apresentando jogos no padrão 16-bits, mas com trilha sonora mais caprichada, e animações de introdução.
Foi apenas com a chegada de 3DO, Playstation e Saturn que os games foram, de fato, se aproximando mais com o que temos hoje. Seja pelos games em 2D, que contavam com mais detalhes, ou nos games em 3D e seus polígonos, demorou um pouco para que os CDs tivessem, de fato, seu espaço bem utilizado.
Os CDs invadiram a sua tela
Assim como dizia na capa, a previsão foi acertada na mosca. Mesmo com aparelhos caros e games que só contavam com animações extras e músicas melhores no começo, com o passar do tempo, a maior capacidade dos discos, somado a preços muito menores de produção, garantiram o CD como mídia padrão dos consoles no futuro.
Mas, não contente, os CDs abriram portas para o DVD, que abriu portas para o Blu-Ray. Que é a mídia de Playstation 4 e Xbox One. Com uma Internet melhor, também é muito comum o game digital, que é transferido para uma unidade de armazenamento. Quer seja um HD, ou um cartão microSD. Em um momento que a indústria estava se recuperando de uma grande crise, a chegada do CD como mídia foi um incentivo enorme para que a indústria caminhasse para a forma atual.
Assim, o CD foi uma das grandes revoluções que deram certo nos videogames. Junto com os cartuchos programáveis do Atari. Ou as redes de games, que tem o Xbox Live na vanguarda. Mas agora, a bola da vez é o streaming de games, com projetos que já existem, como o Playstation Now. E outros que virão, como o da Xbox, e o Stadia, do Google. Será que este será a “próxima invasão”? O que o streaming e o CD tem em comum? Vem conversar com a gente sobre isso.