Memory Card: minha história com Final Fantasy VII

16 de maio de 2020
Memory Card: minha história com Final Fantasy VII

Recentemente, como milhões de players ao redor do mundo, eu joguei Final Fantasy VII Remake. E quem leu meu review sabe que adorei o jogo. Ele me fez ter vontade de revisitar o bom e velho Final Fantasy VII original, de 1997, um dos maiores clássicos da história dos games.

Embora eu esteja (re)jogando o jogo original pela Steam, resolvi revirar o baú atrás de alguns tesouros dos tempos do PS1… e isso trouxe à tona um turbilhão de memórias, que me fizeram lembrar como este jogo foi marcante na minha vida.

A Memory Card é uma nova coluna especial da Arkade, que visa revisitar não apenas jogos especiais, mas os momentos de nossas vidas dos quais eles fizeram parte. Final Fantasy VII foi meu primeiro JRPG, e foi o jogo que fez eu me apaixonar por esta franquia… mas o começo do nosso “relacionamento” não foi nada fácil, como você logo vai descobrir, se decidir me acompanhar nessa viagem de volta aos anos 90. E aí, topa?

Final Fantasy VII – A Preparação

Ali pelo final da década de 90, ainda existiam as chamadas locadoras. Quem é jovem nem deve saber o que é isso, mas as locadoras eram lugares onde a gente ia para alugar filmes e games. Era tipo a Netflix de hoje, com a diferença que você precisava devolver o filme/game depois — e no tempo das fitas VHS, ainda tinha que entregar a fita rebobinada, senão pagava multa (se você não sabe o que é uma fita VHS, melhor nem entrarmos nesse mérito).

Memory Card: minha história com Final Fantasy VII
Exemplo do visual de uma típica locadora

Pois bem, quando estes estabelecimentos estavam para fechar suas portas (a pirataria, a popularização da internet e os serviços de streaming foram fatais para as locadoras), eles costumavam se livrar de seus catálogos de filmes e games vendendo tudo por um precinho muito atrativo — especialmente para pré-adolescentes como eu, que ainda não ganhavam seu próprio dinheiro.

Lembro que, quando uma locadora perto de casa estava para fechar suas portas, eu comecei a guardar qualquer trocado para gastar em jogos de Playstation 1. Eram jogos usados (e piratas, afinal, a pirataria dominava o país nos tempos do PS1), mas o fato de ser perto da minha casa facilitava as coisas, pois eu não precisava ir ao centro da cidade comprar jogos.

O dono da locadora estava vendendo cada jogo por 10 reais. Vendo em retrospecto, talvez isso fosse meio caro para um jogo usado (e pirata), mas na época, isso pareceu uma pechincha. Eu tentava conseguir os 10 reais ao longo da semana para ir até lá no sábado comprar — e ter para sempre — jogos que até então eu pagava uns 2 ou 3 reais para ter só pelo fim de semana.

Memory Card: minha história com Final Fantasy VII
Quanto mais jogos, melhor!

Comprei alguns bons jogos naquela locadora: Tekken 3, Silent Hill, Soul Reaver… E o Final Fantasy VII sempre esteve ali, na prateleira, me olhando. Mas eu nunca tinha sequer alugado ele. Não sei bem o porquê. Acho que a capa, desbotada e sem graça, nunca me chamou realmente a atenção. Ou talvez nem tenha ido isso. Sinceramente, não me lembro do motivo que me levou a não dar bola para o jogo.

Enfim, o fato é que chegou uma hora em que os jogos que realmente me interessavam acabaram. Aí, em um fim de semana, lá estava eu, com meus 10 reais no bolso, sem muitas opções. E o Final Fantasy VII ainda na prateleira. Eu olhei pra ele. Ele olhou pra mim. Era chegada a hora de eu descobrir o que aquele jogo de um cara com uma espada gigante tinha para me oferecer.

Ou não.

Cheguei no balcão, com o jogo que eu queria em uma mão, e o dinheiro na outra. O moço da locadora abriu o estojo onde guardava os discos (na prateleira só ficavam as capinhas vazias, para ninguém roubar nada), olhou para o meu dinheiro no balcão e sacudiu a cabeça. Aquele dinheiro não era o bastante. O jogo ocupava 3 CDs, então o preço era 30 reais — 10 por disco, basicamente.

Memory Card: minha história com Final Fantasy VII
Em minha defesa, a borda da prateleira ocultava a informação “3 discos” da capa 😛

Oi? Como assim 3 CDs? Fiquei indignado, p#to, confuso… e curioso. Como assim um jogo podia ocupar tantos discos assim? Eu já havia tido contato com Phantasmagoria e seus absurdos 7 CDs na casa de um amigo (mesmo sem termos idade para isso), mas era diferente: era um jogo de PC, e ele mais parecia um filme! PCs eram uma coisa, videogames eram outra! Um jogo de console precisar de tanto espaço me parecia absurdo (ai ai, que ingênuo eu era).

(Sim, hoje eu sei que Final Fantasy VII não foi o primeiro jogo de PS1 a ocupar mais de um CD, mas até 1997, poucos jogos tinham feito isso. E eu não havia tido oportunidade de jogar nenhum deles).

Saí da locadora frustrado (ainda com o dinheiro, mas sem um jogo novo), mas com uma missão: eu ia guardar dinheiro por mais um tempo, até poder comprar aquele bendito game que ocupava 3 discos. Eu precisava saber o que ele tinha de tão especial para precisar de tanto espaço.

Final Fantasy VII – A Aquisição

Eu não tenho certeza em que ano tudo isso se passou, mas provavelmente foi ali por 1998, 1999. Eu tinha 12 ou 13 anos na época, e conseguir juntar 30 reais quando se está nessa idade é um suplício. Não nasci em berço de ouro, fui criado por uma mãe divorciada que dava duro para colocar comida na mesa, então nem mesada eu ganhava. Juntar essa grana significava não comprar guloseimas no colégio, não jogar fliperama, não alugar nenhum filme ou game… e se você não fazia essas coisas, estava se privando das melhores coisas da vida!

Memory Card: minha história com Final Fantasy VII
Nos anos 90, 10 reais era muita grana quando você tinha 12 ou 13 anos

Eu passava na locadora ocasionalmente para me certificar de que o tal Final Fantasy VII continuava lá, me esperando. Não posso garantir, mas imagino que meu eu mais jovem tenha colocado a caixinha dele em algum canto escondido, para que ninguém ousasse comprá-lo antes de mim. Eu estava determinado a ter aquele jogo assim que conseguisse as 30 pratas!

Algumas semanas depois, com o dinheiro devidamente arrecadado, voltei até a locadora e comprei-o: o jogo do cara com a espada gigante, pelo qual eu estivera obcecado, finalmente era meu! Experimente um sentimento agridoce: estava feliz por ter o jogo, mas havia gasto o equivalente a 3 jogos para comprar apenas um. E o pior: eu nem sabia se o jogo era bom!

Aqui cabe um enorme parêntese: estamos falando de uma época em que internet era artigo de luxo no Brasil. Acho que eu ainda nem tinha computador em casa, nesse tempo. Um PC era algo complexo e misterioso, que a gente mexia, com certa reverência, na biblioteca ou na aula de informática no colégio. Então eu não podia simplesmente “dar um Google” pra saber mais sobre o jogo, muito menos ver gameplays no YouTube — pois é crianças, antigamente não existia YouTube. Falando assim parece loucura, mas acredite, até que era legal.

Memory Card: minha história com Final Fantasy VII
Um computador nos anos 90 geralmente era uma coisa enorme, lerda e amarelada

Além disso, eu vinha de uma orgulhosa infância dominada por consoles da Sega. Tive um Mega Drive, então passei batido por todos os jogos anteriores da saga Final Fantasy — aquele VII na capa muito me intrigava, aliás: que eu soubesse, ainda não havia nenhuma franquia tão longa naquele tempo, e eu nunca ter ouvido falar dela só aumentava minha curiosidade. Também passei batido por Chrono Trigger, outro RPG clássico da Square (e sim, hoje eu sei que o Mega Drive teve seus próprios RPGs, mas eu nunca havia jogado nenhum deles).

Quando eu jogava Super Nintendo, era na casa de algum amigo. E era sempre Mario Kart ou Donkey Kong, coisas fáceis de se divertir com a galera. Ninguém me apresentou a Final Fantasy simplesmente porque, creio, ninguém dava bola para Final Fantasy. Pelo menos não na minha vizinhança desse lado do mundo.

Talvez se eu tivesse sido uma criança com um Nintendo, eu teria conhecido RPGs mais cedo, com The Legend of Zelda. Mas minha infância não foi assim: antes de Final Fantasy VII, eu nunca havia tido contato com um RPG. Na real, sequer passava pela minha cabeça que existiam jogos assim.

Até aquele momento, videogame para mim era um brinquedo, uma diversão. Era sinônimo de “tiro, porrada e bomba”: jogar videogame era dar tiros em aliens malvados em Alien Storm. Era surrar malfeitores e comer comida do chão nas ruas sujas de Streets of Rage. Era arrancar a cabeça do amiguinho em Mortal Kombat, correr por loopings coletando argolas com o Sonic. Era sofrer de cinetose explodindo monstros em Doom (que eu só jogava na casa dos outros) ou participar de corridas explosivas ao som de clássicos do rock em Rock n’ Roll Racing.

Memory Card: minha história com Final Fantasy VII
Sonic 2 foi um dos jogos que mais joguei quando era moleque <3

Mesmo antes disso tudo, eu já havia caçado com Duck Hunt no Nintendinho do meu primo, acelerado com Enduro e voado com River Raid no Atari do meu pai… mas nunca havia me deparado com um jogo que realmente queria me contar uma história densa, ou fazer eu me importar com seus personagens. O mais perto de um RPG que eu havia chegado era Guardian Heroes, no saudoso Sega Saturn (que era de um tio meu), e ele é muito mais focado em pancadaria do que em narrativa.

É verdade que talvez eu pudesse ter ouvido falar de Final Fantasy VII em revistas de videogame, mas me parece que demorou um bocado para elas darem atenção ao jogo por aqui. Tenho uma variada coleção de revistas guardadas com muito carinho, e folheando-as hoje em dia, é fato que a esmagadora maioria das publicações preferia dar atenção para franquias que eram mais populares no ocidente. A única revista que se deu ao trabalho de falar sobre Final Fantasy VII foi a Gamers (logo falaremos mais sobre isso).

Memory Card: minha história com Final Fantasy VII
Uma das horrorosas capas da Gamers sobre FF VII

Eita, esse parêntese acabou ficando realmente enorme. Bom, mas contexto histórico feito, voltemos à nossa história, que agora começa a ficar triste…

Final Fantasy VII – A Decepção

Por essa soma de ignorância + falta de internet que descrevi acima, eu coloquei o disco 1 de Final Fantasy VII para rodar sem ter a menor ideia do que esperar. Estava ansioso, empolgado, mas também com medo: investir meus suados 30 reais naquele jogo desconhecido foi um tiro no escuro, e eu só esperava que tivesse valido a pena.

Não valeu.

Memory Card: minha história com Final Fantasy VII
Ainda tenho meus discos (piratas) de Final Fantasy VII para PS1

Ok, teve uma introdução em CG bastante elaborada para os padrões da época, mas… pera, tá me zoando que os personagens do jogo são feios desse jeito? Ok, jogos como Virtua Fighter e Street Fighter Ex também eram horrorosos, mas os bonecos tinham mais polígonos, pareciam mais humanos. E nessa época já tínhamos jogos poligonais relativamente bonitos, como Crash Bandicoot, Virtua Cop e Tomb Raider — acredite, nesta época pré XVideos internet, os peitos triangulares da Lara Croft pareciam maravilhosamente perfeitos para os adolescentes.

Memory Card: minha história com Final Fantasy VII
Essa imagem é da versão Steam. No PS1 era ainda pior e muito mais serrilhado…

Em FF VII, os cenários pré-renderizados (não que eu realmente soubesse o que isso significava na época, mas né, evoluímos) até que eram bonitos, mas os personagens… que tristeza! Os polígonos eram enormes, desajeitados, e os bonecos eram cabeçudos, desproporcionais. Pareciam feitos de caixas de papelão amassado!

 A cada novo elemento que surgia na tela, mais confuso e desapontado eu ficava. Que quadrados azuis cheios de texto são esses? Os personagens falam tanto assim? O jogo espera que eu leia tudo isso? Mas eu nem sei inglês direito! Como diabos vou entender tudo o que eles estão dizendo?

Memory Card: minha história com Final Fantasy VII
Menos papo e mais ação, grandalhão!

Abro um pequeno parêntese aqui só para lembrar: a grana era apertada lá em casa, então eu nunca havia feito nenhum cursinho pago de inglês, que já era caro há 2 décadas. O pouco que eu sabia do idioma vinha das aulas do colégio (público), e como elas só aparecia ali pela quinta série — que hoje não é mais a quinta série –, naquela época eu estava engatinhando no conhecimento da língua estrangeira. Me preocupava em saber a tradução de algumas músicas que eu gostava, e só. Nenhum jogo havia me motivado a aprender inglês para “entender a história”. Jogos com histórias interessantes?! Que absurdo!

Voltando ao jogo: quanto papo furado, quantas caixas de texto! Caramba, eu só queria usar a espadona do cara de cabelo espetado pra cortar umas cabeças! Opa, ali vem uns caras armados, agora vai começar a ação… efeito borrado na tela… ei, olha só, até que nas batalhas o jogo fica menos feio, hein?! Os personagens até que ficam proporcionais! Acho que agora vai! Espero que dê para fazer uns combos irados e rolem uns desmembramentos, muito sangue espirrando pela tela e…

Que p*#a é essa?! Que barrinhas são essas que ficam se enchendo ali embaixo?! Eu não posso atacar eles de verdade?! Tenho que ficar escolhendo comandinhos em um menuzinho?! E o ataque que posso aplicar com a espada é só esse golpezinho, sempre igual?! Aff, tá de sacanagem comigo que o combate do jogo é todo assim?!

E era mesmo.

Memory Card: minha história com Final Fantasy VII
A primeira batalha do jogo marcou o início da minha frustração

Joguei os primeiros 40 ou 50 minutos de Final Fantasy VII cada vez mais decepcionado, ignorando todos os diálogos (eu mal sabia inglês, então que diferença fazia?) e amaldiçoando cada batalha com seus menus e seu ritmo lento. E me amaldiçoando também: ao invés de gastar 30 reais em 3 jogos legais, eu havia comprado só um jogo, e ele era um saco. Tinha uma ou outra cena em CG legal, mas no geral era um porre.

Não sabia direito o que estava acontecendo, mas aparentemente o grupo que eu controlava estava invadindo uma instalação para fazer alguma coisa. Eu corria por caminhos delimitados, sem saber o que estava fazendo, e a cada poucos segundos, a tela do jogo se distorcia e “girava”, e eu entrava em combate com aqueles mesmos soldadinhos genéricos, ou com coisinhas que pareciam flores flutuantes. De onde eles tinham surgido? Eu ainda não era míope naquela época, não era possível que não tivesse visto eles no cenário — lembre que batalhas aleatórias eram um conceito inédito para mim.

Para piorar, cada batalha era igual à anterior: eu tinha que ficar vendo barrinhas se encherem para usar os mesmos ataquezinhos de novo e de novo. Percebi que havia itens e magias, mas nada daquilo me parecia minimamente interessante. Depender daquelas barrinhas idiotas para realizar minhas ações em combate estava acabando comigo. Aquilo ia contra todos os conceitos de diversão e interatividade que os videogames tinham me proporcionado até então. Era a burocratização da pancadaria! Era inconcebível para o meu eu de 12 ou 13 anos que alguém pudesse achar aquilo legal.

Depois do que pareceu uma eternidade, enfrentei algo que era como um escorpião cibernético gigante, mas não tive nenhuma satisfação com aquela batalha chata, cheia de menus e barrinhas. Quando uma dessas barrinhas ficava cheia, rolava um ataque especial “Limit Break”, mas mesmo ele era insosso, repetitivo, automático. Eu não sentia que estava jogando de fato, só estava delegando ordens através de menus.

Memory Card: minha história com Final Fantasy VII
A nem tão empolgante primeira batalha do jogo

O escorpião invariavelmente caiu (nem isso, na real ele só piscou em vermelho e desapareceu), sirenes dispararam e uma contagem regressiva começou. Eu tinha 10 minutos para fugir dali, o que dava bem mais trabalho com um monte de inimigos “invisíveis” me atacando a cada 10 passos, para mais uma dose de enfadonhas batalhas com menus e barrinhas. Depois de algum tempo, eu saí. Rolou uma grande explosão, e meu grupo de heróis cabeçudos e feios escapou com vida.

Aquilo provavelmente era uma vitória, mas não para mim. Tirei o disco 1 de Final Fantasy VII do meu Playstation 1 odiando-o. Naquele momento, estava convencido de que havia feito um péssimo investimento. Achei que nunca mais jogaria aquilo novamente.

Meu amigo… às vezes é muito bom estar errado.

Continua…

E aqui chegamos ao fim da parte 1 desse texto, deixando um cliffhanger que, espero, faça você querer voltar aqui para ler a parte 2. Aliás, deixo aqui um disclaimer: pode ser que eu tenha romantizado algumas partes em prol da narrativa, mas juro para você que os acontecimentos e sentimentos retratados correspondem à realidade.

Memory Card: minha história com Final Fantasy VII
Foi nesse ponto que eu larguei o jogo pela primeira vez

Ah, e se gostou da pegada desse texto, mais com cara de crônica do que de “artigo jornalístico” volte no próximo sábado, para conferir a parte 2 desta minha jornada pelo passado! Em breve, outros membros da equipe devem compartilhar histórias dos jogos que marcaram suas vidas.

E, por favor, se você leu tudo e curtiu, deixa um comentário aí embaixo: estamos nos esforçando para trazer conteúdo diferenciado (e de qualidade) para você, e isso dá trabalho. Seu feedback nos encoraja a seguir tentando inovar! 😉

Rodrigo Pscheidt

Jornalista, baterista, gamer, trilheiro e fotógrafo digital (não necessariamente nesta ordem). Apaixonado por videogames desde os tempos do Atari 2600.

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