Memory Card: minha história com Final Fantasy VII (e a Gamers Book nº 1)
Seja muito bem-vindo à segunda parte da Memory Card, nova coluna especial da Arkade, que visa revisitar não apenas jogos especiais, mas os momentos de nossas vidas dos quais eles fizeram parte! Hoje, vou concluir minha jornada rumo à paixão por Final Fantasy VII!
Recapitulando…
Eu recomendo fortemente que você leia a parte 1 do meu texto, que está neste link. Mas, só para relembrar rapidamente: no final da década de 90, eu comprei Final Fantasy VII (pirata) de uma locadora que estava fechando. Paguei “caro” por ele (30 reais) sem saber absolutamente nada sobre o game. Coloquei ele para rodar e me decepcionei: odiei as batalhas por turnos, achei os personagens feios e boiei completamente na história.
Joguei os primeiros 40 ou 50 minutos, e foi só decepção. Tirei o disco 1 de Final Fantasy VII do meu Playstation 1 odiando-o, achando que nunca mais jogaria aquilo novamente.
Agora sim, a parte 2!
Eu gostaria de começar esse texto dizendo como Final Fantasy VII mexeu comigo, em como eu continuei pensando nele depois de desligar o videogame, e como dei uma segunda chance ao jogo no dia seguinte e me apaixonei… mas não foi assim que aconteceu. Depois daquele primeiro contato desastroso com ele, eu praguejei muito por ter gasto todo aquele dinheiro nele, mas só coloquei-o lá no fundo da gaveta… e deixei-o lá, abandonado.
O jogo não me despertou nenhuma emoção póstuma, nem nada. Eu era um pré-adolescente espinhento, que estava a fim de jogos mais rápidos e violentos. Devo ter ido atrás de tudo o que não encontrei em Final Fantasy VII em algum outro jogo — como bem sabemos, a biblioteca do Playstation 1 é vasta, e em tempos de colégio e pirataria, “fazer rolos” e emprestar jogos dos amigos é algo normal.
Lembro que no começo até tentei trocar meu “super jogo de 3 discos” por algo mais legal, mas ninguém queria fazer rolo nele — como eu disse no texto anterior, parecia que ninguém conhecia aquela franquia que já estava em sua sétima iteração. A galera se interessava por Crash Bandicoot, Tekken, Resident Evil e Tony Hawk, ninguém queria saber daquele RPG japonês “obscuro”.
(Pois é… vendo em retrospecto eu realmente acho que deveria ter feito amigos melhores no colégio. Nunca fui daqueles que tem um grupinho para jogar RPG de mesa nem jogo de tabuleiro. Eu havia descoberto o rock n roll, estava aprendendo a tocar bateria e deixando o cabelo crescer. Os amigos que fiz na época eram a turma rockeira, dos moletons pretos com capuz, não os nerds).
O tempo passou, e Final Fantasy VII simplesmente continuou lá, esquecido no fundo da gaveta… até o dia em que eu fui a uma feira de livros em passeio com o colégio.
Final Fantasy VII – O Reencontro
Eu amo ler — de fato, este artigo que você está lendo agora é fruto dessa paixão — então se para muita gente ir a uma feira de livros é uma tortura, para mim era uma oportunidade de comprar alguns livros bacanas e revistas em quadrinhos por um precinho mais em conta. Alguma coisa da saudosa Série Vaga-Lume, talvez, que reunia clássicos da literatura infantojuvenil.
Nestas feiras, era normal haver livros grandes e bonitos em destaque, revistas novas com suas capas lisas e brilhantes esperando para serem folheadas…e alguns balaios enormes cheios de produtos de segunda mão, usados mais ainda em bom estado, na esperança de que novos leitores os levassem para casa.
Eu já havia revirando alguns destes cestos de “saldão” sem encontrar nada que me interessasse. Já estava quase desistindo quando de repente a vi: aquela capa emblemática que mostrava um sujeito com longos cabelos prateados segurando uma espada de forma ameaçadora às costas de uma garota de grandes olhos verdes. Era a Gamers Book nº 1.
Não reconheci tudo isso de imediato (nem mesmo o BAITA SPOILER que a revista estampava na capa, sem a menor vergonha, e que, na época, não fazia muito sentido para mim), e não tinha ideia da importância daquela publicação… mas reconheci o logotipo de Final Fantasy VII, com seu famoso “cometinha” ao fundo. A manchete prometia revelar “absolutamente todos os segredos desta obra-prima da Square“.
Como eu não considerava Final Fantasy VII nenhuma obra-prima, confesso que, se fosse só por ele, talvez eu tivesse largado a revista ali mesmo. Mas havia outro jogo em destaque na capa, e foi ele quem chamou a minha atenção. Era o jogo dos Homens de Preto.
Eu tinha esse jogo no PC (pois é, nessa altura eu já tinha um PC em casa!), e estava desesperadamente empacado em uma parte dele. Em tempos onde internet era artigo de luxo, a gente precisava de revistas com detonados para “desempacar”. Se aquela revista ia me ajudar com os MIB, já era um baita negócio — Final Fantasy VII seria só um extra.
A revista tinha algumas “orelhas” e marcas de uso, mas no geral estava em ótimo estado. Levei-a até um atendente e perguntei quanto ela custava. O rapaz deu uma olhada meio desinteressada no preço de capa (R$ 5,90) e me cobrou R$ 2 por ela.
Sim, meu caro: eu paguei apenas 2 reais nesta que é, sem dúvida, uma das maiores joias do jornalismo de games nacional. Uma revista que virou item de colecionador, e não se acha nem no Mercado Livre. Convenhamos que R$ 5,90 já é um preço ridiculamente baixo para um tesouro desses (hoje as revistas de games custam uns 20 reais e não têm ⅓ do conteúdo), mas 2 reais chega a ser uma afronta! Hoje em dia a gente não pega nem um ônibus com 2 reais!
Lembro que no mesmo dia comprei um livro de “Onde Está Wally?“, mas acho que acabei não achando nada muito literário, para ler “de verdade”, por um preço legal. Por conta disso, acabei enfiando a cara na Gamers Book. Ela dedicava um número absurdo de páginas para Final Fantasy VII, e só trazia um detonadinho bem menos aprofundado do jogo dos Homens de Preto lá nas últimas páginas, mas enfim, né? Foram só 2 reais!
Eu acabei desempacando no jogo dos Homens de Preto, e logo terminei-o. Mas olha que coisa engraçada: eu não lembro de praticamente nada deste jogo. Comprei a revista por causa dele e zerei-o, mas ele definitivamente não foi nem um pouco marcante ou especial na minha vida. Se bem que, foi graças a ele que comprei o Gamers Book, então vendo por este lado, ele foi deveras importante!
Final Fantasy VII – A Revelação
Foi só depois de deixar o jogo dos Homens de Preto pra lá que eu resolvi dar uma olhada em todo o conteúdo que a revista trazia sobre Final Fantasy VII. E caramba, era muita coisa! Eu nunca tinha visto uma revista esmiuçar tão detalhadamente um jogo: a Gamers Book tinha tabelas de Materias, fichas dos personagens, listas de shops e itens de cada região, estratégias para lidar com todos os chefes, guias para as Ultimate Weapons, guia de criação de chocobos… até traduções de diálogos importantes eles fizeram! Não é de se admirar que, segundo o editorial, a revista tenha levado 8 meses para ser finalizada, graças ao “suor e sangue de todos da redação”.
Eu não posso dizer com certeza que foi graças a ela que eu comecei a pensar em ser jornalista de games, mas sem dúvida ela foi uma das publicações que me fez enveredar para esse caminho. A diagramação dela (e das edições da Gamers em geral) era horrível; claramente faltava um designer/diagramador naquela equipe… mas ela trazia TANTO conteúdo, e tudo parecia ser feito com TANTO carinho, por pessoas TÃO apaixonadas, que a gente relevava a feiura editorial: o conteúdo é que era importante, e nisso ela era excelente.
Se estou aqui hoje, como editor de um site de games, essa baita revista tem sua parcela de culpa. Apesar das capas feias e da péssima diagramação, eu tenho um carinho especial pela Gamers. Isso até me faz ser um pouco injusto com Ação Games, Super Game Power e outras publicações da época, como bem apontou o camarada Omni BR nos comentários da parte 1 desta história, mas né? Nem sempre podemos ser imparciais na vida.
Aliás, abro aqui um parêntese para relatar algo pitoresco: ao folhear novamente minha velha Gamers Book nº 1 para escrever este artigo, me dei conta que o chefe de redação dela é um cara que eu admiro muito, e que está até hoje envolvido com o mercado de games. O Fábio Santana (ou Fabão, para os mais chegados), é Gerente de Relações Públicas de uma das maiores produtoras de games do mundo, e um parceiro de longa data da Arkade — além de ser um baita entusiasta de retrogaming.
Pois é, enquanto eu ainda estava conhecendo Final Fantasy VII, o Fabão já destrinchava games em revistas, e foi um dos responsáveis por esta publicação maravilhosa, que é o Gamers Book — e consequentemente, por fazer eu me apaixonar por Final Fantasy e até por querer trabalhar com jornalismo de games. Te devo essa, Fabão! Valeu mesmo, meu querido! <3
Pretendo trazer ele aqui pra bater um papo com a gente sobre “A Era de Ouro” das revistas de games, mas, enquanto isso, deixo uma dica: o pessoal do Start fez uma matéria bem massa sobre os bastidores da Gamers Book, na qual conversaram com ele e com outros envolvidos na produção desta revista antológica. Recomendo fortemente que você dê uma conferida na matéria, que tá show!
Voltando à revista em si: quando mais eu lia, mais curioso e surpreso eu ficava. Não era possível que aquele jogo chato, cheio de menus e barrinhas, pudesse ser tão interessante! Como alguém podia ter tanta coisa para dizer de um jogo feio e sem graça como aquele?
Assim, eu acabei absorvendo um pouco da história e do universo de Final Fantasy VII antes mesmo de jogá-lo pra valer. E, embora eu tenha noção de que essa não seja a melhor maneira de conhecer a história de um jogo (a melhor maneira é jogando), isso fez eu me interessar de verdade por ele. Se hoje tem gente que zera jogos só assistindo pelo Youtube, eu acabei meio que fazendo isso com uma revista!
Permita-me a chance de me justificar: se atirar de cabeça em um jogo que você não conhece, de um gênero que você não conhece, em um idioma que você não conhece, não é tarefa fácil. Como eu disse antes, nunca tinha encontrado um jogo que queria realmente me contar uma história, e o tamanho desse, em especial, e a quantidade de diálogos que ele trazia, eram intimidadores.
O gamer Nutella de hoje reclama de jogos que não chegam com dublagens ou legendas em PT-BR, mas na época a gente nunca tinha essa moleza… e nem tinha Twitter para “xingar muito”. O negócio era aprender na marra, ou jogar ignorando a história. Entender pelo menos o básico da história através do Gamers Book foi fundamental para eu me interessar tanto pelo jogo quanto pelo idioma.
Final Fantasy VII – A Redenção
Não tenho certeza de quanto tempo se passou entre eu tirar o disco 1 de Final Fantasy VII naquele fatídico primeiro dia, e minha segunda tentativa com o game. Mas devem ter se passado alguns bons meses. Da primeira vez, eu achei que jamais colocaria ele para rodar novamente. Agora, conhecendo um pouco melhor o game, fui com mais coragem.
Vou ser sincero com você: mesmo assim não foi fácil gostar dele, de início. Batalhas por turnos ainda eram algo muito novo para mim, e eu não me sentia particularmente empolgado com elas. As primeiras horas foram meio doloridas, mas quanto mais eu avançava na narrativa, mais era cativado pela história e pelos personagens.
Foram alguns chefes avançados do game que me mostraram como as batalhas por turnos podem ser intensas e emocionantes. A batalha submarina contra o Emerald Weapon está entre as minhas favoritas da vida, ainda que eu odeie aquele desgraçado. O Demon Gate (um demônio que ficava preso a uma parede) também rendeu uma boa briga. E claro, na reta final do jogo, nosso querido/odiado Sephiroth também entregou alguns embates memoráveis.
Jogando com meu fiel Gamers Book do lado (e um mini dicionário inglês/português), eu fiz coisas que jamais sonharia fazer se estivesse jogando por conta (e com conhecimentos rudimentares de inglês). Recrutei membros opcionais para minha party (Yuffie <3), que talvez teriam passado batido. Me preparei de maneira adequada para certas batalhas e desafios — incluindo as enormes serpentes Midgar Zolom, lá do “comecinho” do jogo.
Foi graças às dicas da revista que eu cruzei oceanos montado em um chocobo dourado (que eu consegui trocando a rosa do deserto, não através de cruzamentos de aves — acho toda essa parte da criação de chocobos um saco, ainda que a revista trouxesse um bom guia) para encontrar, em uma caverna no meio do nada, a lendária Summon Materia Knights of the Round.
E, mesmo tendo “me adiantado” na história através da revista, ela não se tornou menos emocionante. A morte de Aeristh, premeditada já na capa da revista, ainda me machucou — especialmente por ser algo que acontece relativamente cedo no jogo. Os dramas envolvendo Cloud/Zack fizeram mais sentido.
Hoje em dia eu sei que a tradução norte-americana de Final Fantasy VII é um bocado problemática. Mas na época eu boiava no idioma, então, a revista foi uma verdadeira guia no sentido mais literal da palavra: ela me pegou pela mão e me conduziu por aquele mundo que era tão fantástico quanto perigoso.
O resultado é que, nesta segunda incursão, eu joguei Final Fantasy VII até o final (ao longo de alguns dias, claro). Terminei o jogo com pouco mais de 70 horas, tendo feito praticamente tudo o que havia de importante para se fazer. E com uma sensação de “dever cumprido”, um calorzinho no coração que, até aquele momento, eu acho que não havia sentido com nenhum game.
Como eu disse na parte 1 deste texto, até Final Fantasy VII, videogame para mim era só diversão. Eu nunca havia acompanhado uma história densa e dramática. Nunca havia visto uma personagem importante morrer pra valer em um game. Nunca havia amado e odiado personagens de um jogo. Final Fantasy VII despertou emoções que até então eu nem sabia que os videogames eram capazes de me proporcionar. Ele foi meu primeiro RPG — e meu primeiro JRPG — e eu tenho um carinho muito grande por ele.
De lá para cá, zerei o jogo mais de uma vez no saudoso PS1, parei com um save relativamente adiantado no Vita, zerei o Remake recentemente e, no momento, estou revisitando o jogo original na Steam. E a Gamers Book continua do meu lado, fielmente. Um pouco mais acabadinha, mas ainda infalível em suas dicas. Por mais que hoje haja internet na palma da mão e zilhões de detonados e guias online, ela ainda é a minha principal referência quando decido revisitar este clássico.
E sabe o que é mais curioso? Ainda que tenha um lugarzinho especial no meu coração, Final Fantasy VII não é o meu jogo favorito da série. Não muito tempo depois de tudo isso eu conheci o injustiçado Final Fantasy VIII, e seus absurdos 4 discos me mostraram outra coisa nova: como os videogames também podem contar lindas histórias de amor.
Pois é, Final Fantasy VIII é o meu favorito… mas essa história fica para uma próxima! 😉
Fim?
Obrigado por me acompanhar até o final desta grande jornada! Espero que você tenha gostado de ler este texto tanto quanto eu gostei de escrevê-lo! É um novo formato que estamos experimentando aqui no site, menos “jornalístico” e mais literário.
Acha que este é o fim? Não necessariamente: em breve, outros membros da equipe começarão a compartilhar histórias dos jogos que marcaram suas vidas! Somos apaixonados por videogames assim como você, e nossa vida foi marcada de muitas maneiras por alguns deles! A Memory Card será nossa máquina do tempo, para revisitarmos estas épocas e compartilharmos estas histórias com você!
Por hoje, é isso. Se chegou até aqui e curtiu, deixa um comentário aí embaixo: não costa nada, e nos encoraja a seguir tentando inovar! 😉