O dia em que o Soul Asylum ajudou a encontrar 21 crianças desaparecidas com um videoclipe
Nos anos 90, em meio a selvageria do grunge, o Soul Asylum, a banda de rock alternativo norte-americana, conquistou corações com suas letras sinceras e melodias cativantes. No entanto, um de seus trabalhos mais notáveis não é apenas uma música, mas um ato de amor e esperança em um videoclipe. O clipe da música Runaway Train, em dias que clipes eram fenômenos culturais, se tornou um farol na busca por crianças desaparecidas, marcando um capítulo interessante na história da música.
Para conhecer ou relembrar, vale a pena destacar a jornada musical do Soul Asylum. Originada em Minneapolis, a banda teve seu auge na década de 1990. Composta por músicos talentosos, incluindo Dave Pirner, Dan Murphy, Karl Mueller e Grant Young, o Soul Asylum destacou-se pela fusão de rock alternativo e letras introspectivas, andando na contramão de bandas famosas da época, como o Nirvana ou o Pearl Jam, com suas músicas furiosas, que captavam novos fãs todos os dias.
Entre suas músicas introspectivas, tivemos o seu maior sucesso, o Runaway Train, do álbum Grave Dancers Union (1992), não apenas definiu a carreira da banda, mas também se transformou em uma força positiva na sociedade. A canção aborda temas de solidão e desespero, sobre um “trem que vai embora e não volta mais”, junto com uma melodia envolvente que cativou a muitos. No entanto, o impacto mais profundo veio com o lançamento do clipe.
Vamos lembrar que, naqueles dias, o videoclipe era o principal meio de divulgação de um artista ou banda, com a MTV sendo um dos principais meios de se destacar no meio musical. E, como todos os artistas de sua época, o Soul Asylum também produzia seus vídeos musicais.
O clipe de Runaway Train inovou ao incorporar fotos de crianças desaparecidas, uma ideia ousada e nunca antes vista. Antes do clipe, uma mensagem alertando sobre o fato de que um milhão de crianças estavam desaparecida, só nos EUA, aparecia. Durante o vídeo, imagens das crianças eram exibidas junto com cenas do vídeo, formando um apelo visual poderoso. Caixas de leite e outros meios são usados nos EUA para a busca destas crianças, com o clipe usando algo extremamente popular naqueles dias para colaborar com a esta causa.
O clipe de Runaway Train foi lançado em parceria com organizações de crianças desaparecidas, aumentando a conscientização sobre casos urgentes. A audiência global foi incentivada a prestar atenção nas fotos, na esperança de reconhecer e relatar informações cruciais. Esse envolvimento direto do público na busca por crianças desaparecidas foi uma abordagem inovadora e eficaz.
Algumas versões diferentes do clipe foram divulgadas, com imagens de crianças desaparecidas das regiões em questão. Nos EUA, foram três versões, com 36 crianças desaparecidas. Também existiram versões com crianças do Reino Unido e Austrália, rendendo 26 crianças encontradas, nos Estados Unidos.
De acordo com Tony Kaye, o diretor do clipe, 26 crianças desaparecidas foram localizadas após serem apresentadas no vídeo, dentre estas, 21 com vida e saudáveis. Em 2006, o guitarrista Dan Murphy compartilhou em uma entrevista à Pasadena Weekly que alguns dos casos destacados no vídeo tiveram desfechos trágicos.
Murphy relatou o caso de um bombeiro da região leste dos EUA cuja filha, mostrada no final do vídeo, estava envolvida em uma amarga disputa de custódia com a mãe. Infelizmente, a menina não havia fugido, mas foi tristemente morta e enterrada no quintal por sua própria mãe. Em outra situação, durante uma turnê, uma jovem afirmou de forma irônica que o vídeo “arruinou sua vida”, já que seu paradeiro foi descoberto na casa do namorado, levando-a a retornar a uma situação doméstica de maus tratos.
A versão britânica do vídeo incluiu Vicky Hamilton e Dinah McNicol, desaparecidas em 1991, cujos restos foram descobertos em 2007. Peter Tobin foi posteriormente condenado pelos assassinatos. Também presente na versão do Reino Unido, Mark Bartley, um desaparecido de 1992, foi reconhecido por um espectador, resultando em uma visita policial à sua residência temporária. Infelizmente, o desfecho de Bartley permanece desconhecido até hoje.
Curtis Huntzinger, apresentado na versão dos EUA, foi encontrado falecido em 2008. Seu assassino, Stephen Daniel Hash, confessou homicídio culposo e foi sentenciado a 11 anos na Prisão Estadual de Folsom em 2009.
A última imagem nas três versões do vídeo nos EUA é a de Thomas Dean Gibson, desaparecido do Condado de Douglas, Oregon, aos 2 anos em 1991. Em fevereiro de 2021, Thomas continua desaparecido. Seu pai, Larry Gibson, ex-vice-xerife, foi condenado por homicídio culposo de segundo grau, embora ele mantenha sua inocência, alegando que Thomas foi morto acidentalmente quando ele atirou em um gato. O caso foi apresentado no programa Unsolved Mysteries.
A versão australiana destacou jovens turistas mochileiros, muitos dos quais foram confirmados como vítimas do serial killer Ivan Milat, preso em 1994 pouco tempo após o lançamento do clipe.
O sucesso do clipe foi impressionante, resultando na recuperação de várias crianças apresentadas no vídeo. O Soul Asylum não apenas produziu uma obra musical excepcional, mas também se tornou um exemplo de como a música e a conscientização podem ser poderosas ferramentas para o bem social.
Inclusive, em 2019, uma nova versão do clipe foi lançada, para celebrar os 25 anos da música e foi produzido com o apoio do Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas dos Estados Unidos e tem uma nova abordagem à missão do clipe original. Embora uma versão padrão esteja disponível para visualização no YouTube, se ela for visualizada no website “Runaway Train 25” , a tecnologia de geo localização mostrou aos espectadores (dos Estados Unidos) as informações sobre crianças de sua área que desapareceram.
O legado de Runaway Train transcende a música, estabelecendo um padrão elevado para a responsabilidade social na indústria musical. O Soul Asylum, ao integrar sua arte à causa humanitária, deixou uma marca indelével, provando que o poder da música vai além da simples melodia.
Runaway Train do Soul Asylum não é apenas uma canção; se tornou em um hino de esperança e solidariedade. Ao unir sua música ao esforço global para encontrar crianças desaparecidas, a banda trouxe algo novo para a indústria musical e mostrou ao mundo que, juntos, podemos fazer a diferença. A busca por esperança e a mensagem de Runaway Train continuam a ecoar, recordando-nos de que a música, quando combinada com ação, pode iluminar até mesmo os caminhos mais sombrios.
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