Persona 5 Royal X Final Fantasy VII Remake: dois JRPGs grandiosos (e bem diferentes)
Quem gosta de JRPGs e tem um Playstation 4 tem tudo para comemorar: em um período de menos de 2 semanas, o console recebeu dois grandes títulos: no finalzinho de março, chegou ao ocidente Persona 5 Royal. E ontem, 10 de abril, o mundo viu Final Fantasy VII Remake enfim ser lançado.
Por mais que sejam títulos bem diferentes, ambos os jogos tem um ponto em comum: nenhum deles é realmente um jogo “novo”: Persona 5 Royal é uma versão turbinada do jogo original de 2017. Final Fantasy VII Remake, como todo mundo sabe, é o remake do clássico jogo de PS1.
Eu estou jogando ambos, mas minha experiência com as franquias é brutalmente diferente: eu joguei praticamente todos os Final Fantasy numerados (com exceção do XI e do XIV, que são MMOs), e zerei o Final Fantasy VII original duas vezes. Já a série Persona eu nunca joguei absolutamente nada.
Não foi realmente falta de vontade, mas de oportunidade, mesmo. E, pra ser bem honesto, com exceção de Chrono Trigger, esses RPGs com “cara de anime” nunca chamaram tanto a minha atenção — pois é, eu não sou fã de animes, me julgue.
Pois bem: tanto a assessoria da Atlus/Sega quanto a da SquareEnix nos enviaram cópias para review dos jogos com um pouco de antecedência (e eu agradeço a elas por isso <3). Porém, ainda não consegui terminar nenhum deles, mas estou tentando jogá-los em paralelo, avançando um pouquinho em cada um.
Fazer isso escancarou para mim como eles têm timings completamente diferentes. Eu estou com cerca de 26 horas de jogo em Final Fantasy VII Remake, e acabei de entrar no capítulo 13. A essa altura, já vi muita coisa da história, enfrentei um punhado de chefes e já tenho minha party praticamente formada.
Já em Persona 5 Royal, estou com umas 15 horas de jogo… e ainda nem concluí a primeira dungeon. Tenho só os 4 personagens iniciais na minha party (presumo que haja outros), ainda não enfrentei nenhum chefe “de verdade” e o jogo vira e mexe ainda me apresenta algum tutorial ou novidade.
Diferenças de tom
Ainda que Final Fantasy VII já tenha um lugar pra lá de especial no meu coração, minha primeira jornada pelo mundo de Persona me faz perceber o quanto essa série é ousada, e trata de temas bem espinhosos. Essa primeira dungeon — que é numa espécie de mundo paralelo chamado Metaverso — na verdade é o castelo do rei Kamoshida, e funciona como se fosse o subconsciente de um treinador que, no mundo real, abusa de seus alunos. Nossa missão é “roubar seu coração” no Metaverso para que ele arrependa-se de seus atos no mundo real.
Pois é: só nas primeiras horas de Persona 5, já temos abuso físico e psicológico na história, com umas pitadas de perversão e pedofilia. Posso estar enganado, mas acho que nenhum Final Fantasy nunca abordou assuntos tão polêmicos — ainda que o “ecoterrorismo” de Final Fantasy VII para salvar o planeta seja um tema deveras relevante, e ele tenha contado inúmeras histórias grandiosas e envolventes de superação e heroísmo.
Não quero comparar a narrativa dos jogos, visto que ambas possuem suas próprias qualidades, mas é fato que o mundo de Final Fantasy VII é bem mais “inocente” que o de Persona 5. Quer um exemplo prático? Vamos lá: no FF VII Remake, acabei de passar pela parte da mansão do Don Corneo. Quem jogou o original sem dúvida sabe do que eu estou falando, não é?
Convenhamos: o que rola ali tinha tudo para ser um tema delicado, afinal, temos um chefão do subúrbio escolhendo jovens garotas para satisfazer suas taras e fetiches. Também há alguma perversão, envolvida, e a narrativa poderia ir longe nisso… porém, em um dos momentos mais galhofa da história dos videogames, ajudamos Cloud a se vestir de mulher para ser “a escolhida” de Don Corneo! XD
Enquanto isso, em Persona 5 Royal, uma adolescente angustiada pula de um prédio por não saber mais como lidar com o assédio do professor pervertido. E a gente acompanha o impacto disso na escola e nos outros estudantes, especialmente em sua amiga Ann, que acaba entrando para nossa party para se vingar do professor. Vê a diferença de tom?
Em um pré-conceito ignorante, eu sempre achei que, por trazer basicamente adolescentes colegiais como protagonistas, Persona era uma série que abordava temas fúteis, supérfluos. Burrice minha! Não conheço os outros jogos da série, mas Life is Strange está aí para provar que jogos com adolescentes podem ser emocionalmente devastadores.
O fato é: todo esse lance do treinador/rei Kamoshida chegou como um soco no meu estômago. Eu não esperava algo tão dramático — novamente, burrice minha. E, se Persona 5 Royal trouxe isso em suas primeiras horas, eu mal posso imaginar o que mais sua narrativa vai apresentar!
Além disso, acho que os diálogos de Persona soam muito mais naturais. Os personagens realmente soam como pessoas conversando, sabe? No geral, o texto do jogo como um todo tem um feeling muito mais natural, ainda que o remake de Final Fantasy VII faça um ótimo trabalho em humanizar os personagens — como eu já te contei no meu preview do game.
Diferenças de ritmo
Outra diferença gritante entre os dois jogos é seu ritmo: Final Fantasy VII Remake é cinematográfico, ágil, e está o tempo todo levando sua história adiante através de cutscenes. Ok, existem áreas mais abertas, sidemissions e a gente até persegue uns gatos na favela, mas no geral, o andamento da história de Cloud, Aerith e cia. é muito mais dinâmico.
Persona 5 Royal, por sua vez, rapidamente estabelece uma rotina: no mundo real (do jogo), você é apenas um estudante. Então, ir para o colégio, fazer tarefas e voltar para casa ao final do dia são coisas que você é obrigado a fazer.
O Metaverso — onde somos Thieves, desbravamos dungeons, summonamos Personas e enfrentamos monstros — é meio que a outra metade do jogo. Você pode ir para o Metaverso praticamente todos os dias, mas sempre tem que sair de lá, fazer sua lição de casa e ir para a cama, como um bom menino. Uma única dungeon pode levar mais de 10 horas para ser concluída, pois você vai avançando aos poucos, um pouquinho a cada dia (do jogo). E isso é necessário, pois esse lado “colegial” é parte fundamental da história.
Se traçarmos um paralelo de Persona 5 com outro Final Fantasy — no caso, Final Fantasy VIII, meu favorito — fica clara a diferença: enquanto Persona 5 “nos obriga” a continuar estudando, em FF VIII a gente vê o protagonista Squall (que também é um estudante) simplesmente largar tudo para sair em busca de aventuras, salvar a mocinha (e o mundo)… e ele ainda leva a professora, junto! Só cumpre uns testes online e olha lá, nem pisa mais em uma sala de aula.
Sendo honesto: eu entendo como tudo isso é importante em Persona, mas esse apego dele às trivialidades do mundo real me enche um pouco o saco. Os professores até fazem perguntas de verdade pra gente responder (isso me lembrou do clássico Bully). Ainda que o passar de tempo do jogo não seja equivalente ao nosso, acompanhamos o passar dos dias no calendário, um de cada vez, e sempre vemos Joker pegando o metrô, indo para o colégio, fazendo tarefas… essa parte “mundana” do jogo me aborrece um pouco.
Mas, já vi que é nesse lado “colegial” de Persona 5 Royal que boa parte da história anda, e é onde os relacionamentos entre os personagens mais evoluem. Então, vamos indo, um dia de cada vez, destruindo monstros no Metaverso sem esquecer da lição de casa.
Diferenças de combate
Aqui é onde as diferenças são mais escancaradas. O novo Final Fantasy VII traz combates praticamente em tempo real, com barras de ATB que nos permitem desacelerar a ação para usar itens, magias e habilidades. As batalhas são rápidas e intensas, uma diferença enorme do sistema de combate por turnos “paradão” do jogo de 1997.
Deixo uma palhinha no vídeo abaixo, um combate contra um chefe com Cloud, Barret e Tifa na party:
Persona 5, por sua vez, segue trazendo um sistema de combate por turnos, extremamente intrincado e cheio de possibilidades. Cada personagem é auxiliado por uma Persona, que são como entidades que personificam seus sentimentos e valores. Mas fora isso você tem ataques físicos, projéteis, e mecânicas muito específicas como o Baton Pass e até a possibilidade de convencer na lábia inimigos a se tornarem novas Personas!
Eu gosto de ambos os estilos, mas o de Persona 5 Royal sem dúvida é muito mais estratégico e complexo. Isso não o torna melhor nem pior, apenas diferente. É questão de gosto. Como a série Final Fantasy já vem se afastando do combate por turnos desde o XII, é bom vermos que outras empresas seguem produzindo bons jogos dentro desta mecânica.
Diferenças de estilo
Aqui é onde os dois jogos dão um show, cada um à sua maneira. Final Fantasy VII Remake traz uma reimaginação completa de seu mundo, com personagens realistas (na medida do possível) e visual cinematográfico. O jogo é um espetáculo audiovisual, com ótimos efeitos de iluminação e uma trilha sonora que soa nostálgica, mas também surpreende o jogador com novos arranjos de temas clássicos.
Persona 5 Royal, por sua vez, tem a “cara de anime” que eu já mencionei, mas é, sem dúvida, um dos jogos mais estilosos que já tive o prazer de jogar. Tudo nesse jogo esbanja estilo e atitude. Até os menus dele são incríveis! A trilha sonora é extremamente variada, e super combina com a vibe do jogo. De um jeito completamente diferente do de FF VII Remake, Persona 5 também é um espetáculo em termos de direção de arte, visual e som.
Ambos são jogos contemporâneos, que mostram a versatilidade dos videogames como “mídia para se contar histórias interativas”. Enquanto um deles é cheio de cutscenes que não devem nada para os melhores filmes em computação gráfica — incluindo aí o próprio Final Fantasy VII: Advent Children –, o outro é um jogo que transborda personalidade em cada detalhe, e aproveita a dramaticidade da linguagem de mangás e animes para tornar sua narrativa mais dinâmica e envolvente.
É engraçado, mas eu não consigo imaginar Persona funcionando como um jogo tridimensional “realista”, com modelos de personagens tão detalhados que dá até para enxergar os poros. E, recentemente, vimos outros jogos além de Final Fantasy abraçando esse modelo — os remakes de Resident Evil e Tomb Raider, por exemplo, trazem figuras humanas hiper-realistas que contrastam absurdamente com os polígonos desajeitados que eram o máximo que o PS1 podia oferecer. Mesmo conhecendo pouco a série, me parece “errado” imaginar um Persona indo por este caminho.
Ao mesmo tempo, embora já tenhamos visto o universo de Final Fantasy VII retratado de diversas maneiras (lembrando que já tivemos até um shooter de ação em terceira pessoa, Dirge of Cerberus), acho que a Square achou o formato ideal para recontar sua história, em termos de estética. Simplesmente não tinha como ser de outro jeito, e o que temos aqui é o ápice da evolução artística e estilística deste universo — ainda que eu ache os óculos escuros do Barret totalmente desnecessários (spoiler: ele ocasionalmente aparece sem eles).
Duas análises pendentes
Vou te falar: esse lance de ser “jornalista de games” demanda muito tempo e dedicação, especialmente em jogos grandes como esses. Pelo que vi por aí, Final Fantasy VII Remake leva cerca de 40 horas para zerar. Já Persona 5 Royal, passa fácil das 70 horas. Eu sei como soa babaca dizer isso tendo recebido ambos os jogos “de graça”, mas jogá-los tem me dado um bocado de trabalho!
Apesar disso, está sendo um prazer visitar estes universos tão distintos. Espere uma análise completa e detalhada de Final Fantasy VII Remake para os próximos dias. A de Persona 5 Royal talvez demore um pouquinho mais, mas logo sai. Enquanto isso, você pode ler nosso review da versão original do game, assinada pelo camarada Fernando Floriano. 😉
P.S. Resolvi escrever este artigo porque esta quarentena está me fazendo rever um pouco meus conceitos de “jornalismo de games”. Estou gostando de produzir artigos um pouco mais reflexivos e pessoais, como o “Jogando Resident Evil 3 na Quarentena” ou mesmo meu preview de Final Fantasy VII Remake.
P.S.² Eu não sei se tem alguém lendo ou apreciando este tipo de conteúdo, mas se você curtiu, deixa um comentário aí pra eu saber que tem alguém lendo! 😀