Primeiras Impressões: Cyberpunk 2077 e o conflito entre expectativa e realidade
A internet não aprende, os desenvolvedores também não. Após longos 7 anos desde o seu anúncio inicial, Cyberpunk 2077 finalmente foi lançado. Depois de uma coletânea infindável de adiamentos e modificações, o RPG em primeira pessoa com mundo aberto ambientado no mesmo universo do RPG de mesa dos anos 80 realmente chegou ao púlico. É inegável que ele está dividindo opiniões, principalmente por seu desempenho nos consoles.
Com uma narrativa densa, uma tonelada de conteúdo e um mundo aberto realmente complexo e abarrotado de informação, Cyberpunk 2077 teria tudo para ser um dos melhores jogos do ano. Entretanto, neste frenesi da semana de lançamento, existem dois fatores muito importantes que atrapalham esse “reconhecimento” das reais qualidade do jogo. São os nossos velhos conhecidos: hype e propagandas exageradas. E como se fosse um déjà vu que se repete quase que de dois em dois anos, estamos mais uma vez aqui falando sobre a complicada relação de “expectativa x realidade” na hora de falar sobre um game.
Acorda, samurai…
Cyberpunk 2077, como divulgado anteriormente, é completamente inspirado no RPG de mesa criado por Mike Pondsmith, Cyberpunk 2020. Como tal, o jogo nos coloca na pele de um mercenário(a) chamado(a) V, que vive em Night City, 57 anos após os acontecimentos do RPG de mesa. Na narrativa inicial da jogatina, temos três opções de “origens” distintas para escolher.
Essas histórias de origem vão dar justamente o background do personagem criado por nós, além de influenciar algumas opções de escolha durante a jogatina e como o jogo irá realmente começar. Essa mecânica tem tudo a ver com o RPG de mesa, ajudando inclusive na imersão nessa complexa ambientação, mesmo sobre o pretexto aparentemente genérico de sermos um mercenário.
No enredo, como divulgado em trailers do jogo, após uma missão mal sucedida, acabamos com um implante raríssimo em nossa cabeça. Dentro dele, a alma digitalizada de ninguém menos que Jhonny Silverhand (interpretado por Keanu Reeves), um personagem já bem conhecido por quem jogou o RPG de mesa de Pondsmith. Porém, o chip possui um mecanismo que, aos poucos, matará V, deixando-o(a) numa corrida contra o tempo para se salvar.
Mas claro que a história não é tão simples e linear assim. Num formato narrativo bem semelhante ao que vimos em The Witcher 3: Wild Hunt, a história de Cyberpunk 2077 vai se contando aos poucos. Essa narrativa principal, inclusive, é contada de modo bem fragmentado, intercalada com várias situações secundárias que precisam ser resolvidas. No melhor estilo Cyberpunk (que não é só um gênero estético, bom deixar claro), temos histórias complexas, personagens interessantes e situações de tirar o fôlego em meio a isso tudo.
Uma cidade para queimar
O mundo aberto de Cyberpunk 2077 é, entre muitas coisas, sufocante. E isso não é um adjetivo ruim, nesse caso. Como o mapa todo do jogo é a enorme cidade de Night City e seus arredores, precisávamos mesmo nos sentir sufocados. Imagine uma metrópole como São Paulo ou Nova York, mas num futuro com ambientação Cyberpunk. É basicamente o que temos em Night City.
Claro que a cidade não é abarrotada de pessoas como uma megalópole verdadeira. Mas sua arquitetura, disposição de missões e coisas acontecendo ao mesmo tempo chegam mais perto disso do que a maioria dos games até hoje. A verticalidade do mapa, como anunciado pela CD Projekt Red anteriormente, realmente funciona. Além disso, o que mais impressiona é a quantidade labiríntica de lulgares que podemos ir.
O mapa em sua totalidade não é tão vasto como o de The Witcher 3, como a própria desenvolvedora fez questão de anunciar. Mas com certeza é bem mais cheio. Mesmo após 30 horas de jogatina, ainda me impressiono com os becos, ruelas, apartamentos escondidos, porões e andares variados que a cidade possui. E isso é parte do motivo da sensação sufocante: parece que sempre estamos sempre deixando de ver algo aqui ou ali. É uma cidade impossível de ser totalmente dominada, assim como toda grande capital mundial.
Enquanto andava pelas ruas de Night City — seja a pé, de carro ou costurando o trânsito com uma moto –, presenciei assaltos, recebi ligações com novos trabalhos o tempo inteiro, assim como mensagens de texto que complementam bem a narrativa. Até anúncios de venda de carros surgem para mim, tudo de modo muito imersivo.
O mais legal disso tudo, é a interação. Você pode impedir assaltos e ganhar em tempo real a recompensa ao ajudar a força policial da cidade — basta recolher provas na cena do crime. Os diálogos em ligações por telefone são todos com opções de escolha nossa, mesmo que essas escolhas em alguns momentos sejam o “sim” ou “não” com uma roupagem diferente. Além disso, temos também opções de resposta para as mensagens de texto, o que fortalece a impressão de que realmente interagimos ativamente com os NPCs da cidade.
Visual incrível (ao menos no PC)
Um alvo de muitas críticas em Cyberpunk 2077 são seus gráficos e seu desempenho nos consoles. O jogo realmente está granulado, embaçado demais e principalmente com carregamento de informações baixíssimo, principalmente quando falamos sobre as versões para os consoles vanilla da recente geração passada — o PS4 fat/slim e XOne fat/S. Felizmente, os jogadores que optaram por jogar no PC podem ficar um pouquinho mais tranquilos, pois a performance geral do jogo na plataforma está bem melhor, desde que você saiba aproveitar o puder do seu hardware.
Os efeitos de luz, sombra e reflexo são os que mais me chamaram atenção durante a jogatina, além da aparência de alguns NPCs. O reflexo, principalmente, mesmo sem placas RTX ou o Ray Tracing ativado, possuem uma qualidade que até então não via tanto em jogos de mundo aberto. Não só em poças d’água, como também no asfalto molhado, na lataria dos carros e motos, nas vitrines e janelas podemos ver luzes sendo refletidas com um nível de precisão incrível.
Claro que essa precisão não possui a qualidade de um Ray Tracing, principalmente por não usufruir de IA para isso. Mas não deixa de ser muito agradável aos olhos. Como uma boa ambientação cyberpunk que se preze, a CD Projekt Red não economizou em luzes neon, fumaça, névoas bizarras e um contraste excelente de ambientes muito claros e muito escuros na cidade.
É um excesso de informação e caos que combina muito bem com a temática Cyberpunk, ao mesmo tempo em que não deixa de ser belíssimo ao seu modo sujo e urbano. Claro que esse sufocamento não acontece 100% do tempo (felizmente, na minha opinião). Assim como toda cidade grande, existem locais em horários específicos do dia que ficam mais desertos e com movimentação mais escassa de carros e pessoas. Isso é legal de se notar também, como a vida de Night City acompanha a passagem do tempo e a transição de dia/noite.
A união entre GTA e RPGs
A jogabilidade de Cyberpunk 2077 tem funcionado muito bem nesses primeiras 30 horas de jogo. A escolha da jogatina ser totalmente em primeira pessoa (com exceção dos veículos) foi acertada ao meu ver. A imersão propiciada por esta perspectiva realmente funciona, principalmente por seu personagem ter interações com o mundo que realmente não são muito vistas num mundo em primeira pessoa (como sentar em parapeitos, deitar de lado numa cama ou escalar obstáculos de forma bem orgânica).
A exploração do mundo de Cyberpunk 2077, não possui praticamente nada de realmente novo ou revolucionário. Lembra bastante um GTA em primeira pessoa, com alguns aspectos de The Witcher 3 e Watch Dogs aqui e ali. Mas a sua diferença vem principalmente no sistema de RPG, que dita as regras por trás dessa mistura de jogabilidades de outros jogos. Sob a tutela do prório criador de Cyberpunk 2020, o sistema de leveling do jogo é bem dinâmico e divertido.
Os atributos do jogo — como no próprio RPG de mesa — fogem um pouco do óbvio de “força, vitalidade, destreza e etc.”, para incluir sistemas como reflexos, moral e habilidade técnica por exemplo. Dentro de cada um desses atributos, temos de três a quatro árvores de habilidades diferentes, que dão uma enxurrada de opções de builds para os jogadores. Somado a isso, temos um sistema que lembra bastante a série The Elder Scrolls, com habilidades que podem ser melhoradas quanto mais são usadas, como atletismo, furtividade e criação por exemplo.
As armas são recheadas de pontos, porcentagens e bônus distintos, assim como os equipamentos e roupas. Mas o maior diferencial do jogo é o sistema de implantes cibernéticos, importado diretamente do RPG de mesa. São diversas habilidades passivas e ativas que podemos acessar através de melhorias tecnológicas instaladas pelos chamados “medicânicos”, especialistas nesse tipo de trabalho que une medicina e mecânica. Os benefícios são bem variados e interessantes, indo desde blindagem extra até lâminas retráteis em seus braços.
Os problemas do hype e da publicidade exagerada
Cybepunk 2077 mal foi lançado, e já está causando um verdadeiro alvoroço na internet. Parte desse alvoroço é totalmente justificável: o jogo chegou recheado de bugs e problemas técnicos, principalmente nos consoles, que já no primeiro dia receberam um patch com mais de 40GB. A lista de bugs é tão extensa que vai desde os clássicos objetos entrando no chão e problemas de textura até a dublagem em português brasileiro completamente ausente em algumas versões. Isso para não mencionar missões que crasham o jogo por completo e a terrível taxa de quadros abaixo dos 20 fps em tiroteios mais intensos.
Felizmente, a CD Projekt Red parece estar empenhada em corrigir esses erros o mais rápido possível, visto que já lançaram mais de um patch de atualização, com várias correções de bugs — isso que o jogo foi lançado há dois dias.
Entretanto, existe outro problema envolvido com a recepção do jogo que não diz respeito exclusivamente os bugs e problemas técnicos do lançamento. Tem mais a ver com a expectativa criada pela desenvolvedora, e seguida cegamente por boa parcela dos jogadores.
Watch Dogs, No Man’s Sky, Anthem, Mass Effect Andromeda e diversos outros episódios recentes da indústria nos mostram que não é uma boa embarcar no “trem do hype” cegamente. Claro que isso não é uma culpa apenas do público “iludido” que acha que grandes lançamentos vão quebrar a indústria e revolucionar o mercado. Boa parte dessa responsabilidade é também das empresas e do marketing de seus produtos, que muitas vezes vendem seu jogo de forma exagerada e até mentirosa — como todos os casos citados acima.
Em meio a mais uma guerra entre hype e publicidade, baseado exclusivamente na minha experiência jogando Cyberpunk 2077 durante 30 horas no PC, eu diria que o jogo é simplesmente sensacional. Mesmo que não inove muito, ele faz um apanhado incrível de mecânicas de sucesso e traz uma experiência imersiva o suficiente para me fazer jogar horas a fio sem descanso e sem enjoar. Mas falar isso seria dar apenas minha opinião pessoal jogando, e não avaliar o jogo em sua totalidade, para todos os públicos que o consomem. Para muitos, a experiência não tem sido essa, infelizmente, e os relatos de “decepção” de muitos jogadores enchem as redes sociais e fóruns internet afora.
Afinal, vale a pena embarcar para Night City?
Cyberpunk 2077, ao menos até o momento que este texto vai ao ar, deve oferecer uma experiência completamente diferente dependendo da plataforma na qual você está jogando. Eu, autor deste texto, estou jogando no PC, mas em nossa equipe temos pessoas jogando no PS4, no PS5 e no Xbox Series S. Traremos um apanhado de informações sobre todas essas plataformas em nosso review completo do jogo, que chega em breve.
Não é o cenário ideal, mas infelizmente é preciso ter consciência disso para nivelar suas expectativas: talvez o jogo não esteja com um desempenho muito bom na plataforma que você vai jogar, o que tira vários pontos do game na avaliação pessoal de cada um. Porém, é preciso lembrar que algo bem parecido aconteceu no lançamento de The Witcher 3, que em seus primeiros 6 meses era recheado de bugs e problemas técnicos.
Desse modo, é preciso ser bem claro aqui: no PC o jogo está rodando muito bem. Ele exige bastante da máquina, mas está estável e funciona muito bem mesmo sem Ray Tracing. Já nos consoles, ele é mais jogável nos aparelhos da nova geração — lembrando que os novos consoles estão rodando o jogo em retrocompatibilidade: o upgrade real para Playstation 5 e Series S|X só chega no ano que vem. Infelizmente, para a maioria dos jogadores brasileiros, no Playstation 4 e no Xbox One o título parece estar bem abaixo das expectativas no que tange desempenho.
Entretanto, baseado nas experiências passadas com a desenvolvedora, é possível que a maior parte desses problemas sejam resolvidos nas próximas semanas e meses. Desse modo, imaginando que esses bugs e problemas técnicos sejam resolvidos, o que resta? Bom, o que sobra após a enxurrada de bugs é um jogo estonteante, imersivo, belíssimo e rico em enredo, próprio para amantes de RPG e entusiastas do gênero Cyberpunk. Longe de ser perfeito ou revolucionário, Cyberpunk 2077 ainda é uma experiência futurista muito interessante e rica. Mas isso muita gente só poderá avaliar vencidos os problemas técnicos deste primeiro momento.
Cyberpunk 2077 chegou essa semana (10/12) para, PlayStation 4, Xbox Series X|S, PlayStation 5, Xbox One, Google Stadia e PC. Para este texto, jogamos o game durante cerca de 30 horas em um notebook gamer com processador i5-9300, 24GB de memória, placa de vídeo GTX 1650 de 4GB e SSD de 450 GB.