Primeiras Impressões: Encased – um RPG oldschool pouco inovador, mas competente
Os games de RPG mais clássicos, baseados em sistemas de RPG de mesa, ainda são um nicho muito forte, principalmente nos PCs. Bebendo da fonte dos primeiros Fallout, Encased segue esse nicho com vontade. O game que foi idealizado através de uma campanha do Kickstarter está em sua reta final para o lançamento e demonstra sua competência já no acesso antecipado.
Com um sistema bem completo de criação de personagens, combate mediano e uma infinidade de possibilidades de interação com o mapa, o game desenvolvido pela Dark Crystal Games promete uma experiência coesa. Não aparenta ser tão inovadora assim, mas traz competência em em vários aspectos.
O mistério por trás do Domo
Encased apresenta uma ambientação bem peculiar, uma realidade paralela futurista dos anos 1970. Nessa realidade, os humanos descobrem uma espécie de cúpula gigante no deserto que, aparentemente, é indestrutível. Dentro dela, artefatos de uma civilização antiga são encontrados e explorados. Dessa forma, não demora até que o mundo se reúna ao redor desse domo.
Entretanto, uma vez que você entra no domo, não pode mais sair. Daí organizações começam a se amontoar ao redor da grande e misteriosa cúpula, estudando-a e explorando-a como possível. E é aí que entramos na história. Nosso personagem, que é totalmente criado por nós mesmos, faz parte da organização C.R.O.N.U.S., podendo iniciar o jogo em diversas funções distintas.
Os cargos diferenciados da organização acabam sevindo como uma espécie de “raça” dentro da construçao de personagem. Entretanto, para além dos aspectos técnicos e matemáticos do sistema, esse background influencia direta e constantemente a história do jogo e como você enquanto jogador vivencia ela. Isso é bem demarcado durante toda a experiência de jogo, que apresenta uma liberdade considerável e uma narrativa não linear.
Criação de personagens concreta
O aspecto de criação de personagens em Encased é de fato bem importante para delimitar a forma que o jogador vai vivenciar a jogatina. Seguindo a mesma lógica de games como a franquia Pillars of Eternity, a criação traz personagens pré-prontos para todas as Asas, mas também te permite editar tudo deles ou então começar um personagem praticamente do zero.
Desde a aparência até a “foto de perfil”, esteticamente o jogo não é tão livre assim nas escolhas. Mas o importante aqui são os dados. Você pode editar nome, idade, gênero, função, atributos, habilidades e tudo o mais do seu personagem da forma que quiser. O sistema de RPG aqui lembra bastante os Fallout clássicos, que usavam o sistema GURPS de base.
A criação não possui muitas novidades em relação a outros títulos do mesmo gênero, mas é competente na sua proposta. Talvez o ponto mais relevante do processo de criação seja justamente as funções dentro da organização, as chamadas Wings, que influenciam toda a narrativa diretamente.
Hierarquia de funcionários
Como citado acima, a criação de personagens envolve a escolha por parte do jogadore entre uma das repartições hierárquicas dos funcionários da C.R.O.N.U.S. Indo desde presidiários a empresários, as chamadas “Asas” em Encased são um dos seus pontos chave, influenciando narrativa, jogabilidade e status do personagem como um todo.
Encased começa com nosso personagem chegando à estação de pesquisa próxima ao Domo. Todo o lugar serve como uma espécie de tutorial para que o jogador, a partir do momento que explore adequadamente, conheça várias das principais mecânicas do jogo. E aqui já somos apresentados a toda a variedade complexa de narrativas envolvendo o conceito das Asas.
Os Orange Wing são a classe mais baixa a rechaçada do sistema hierárquico da organização, feita de prisioneiros enviados como mão de obra não qualificada para trabalhar no domo. Já os Blue Wing são os técnicos e engenheiros envolvidos em toda a construção da organização. Black Wing são os soldados, responsáveis pela ordem e segurança do local. Temos também os White Wing, basicamente os cientistas; e por fim os Silver Wing, corporativistas cheios de grana e carisma que financiam a organização.
Essa variedade de “classes” permitem que o jogador vivencie a história de começos bem distintos e percorrendo objetivos bem diferenciados também. Prisioneiros começam o jogo algemados e buscando uma forma de sobreviver. Cientistas por sua vez, chegam à estação com o objetivo de pesquisar os artefatos mais a fundo, enquanto a segurança precisa investigar casos de desaparecimento. Uma dinâmica bem legal que dá bastante profundidade ao jogo.
Uma infinidade de possibilidades
Um dos pontos mais altos de jogos de RPG clássicos é justamente como eles conseguem produzir uma ilusão de liberdade bem abrangente no que tange suas escolhas dentro do game. Como a ideia é se basear o máximo possível na experiência imaginativa dos RPG de mesa, esse tipo de jogo costuma dar um leque consideravelmente amplo de possibilidades de ação para os seus jogadores.
Em Encased não é diferente: a nossa interação com o mapa e nossos botões de ação são os mais variados possíveis. Um bom exemplo disso é o próprio início do jogo quando, mesmo dentro de um elevador trancado com várias pessoas, você pode conversar, roupar, socar NPCs, tentar forçar a porta para abrir e outras coisinhas a mais.
Inclusive, os comportamentos mais inusitados e criativos são recompensados com conquistas dependendo da plataforma na qual você vai jogar o game, o que pode servir de incentivo externo para exercitar a percepção e criatividade dos jogadores. Dentro da base, é possível interagir com caixas, computadores, pessoas, privadas, espelhos, balcões e muito mais.
Talvez o único ponto negativo em relação às interações seja o layout do jogo que, em certo ponto, não favorece essa exploração de possibilidades. Isso porque não temos ainda nenhum recurso que permita destacar no mapa objetos com os quais podemos interagir. Daí demora algumas boas horas de jogatina pra você se acostumar com as possibilidades de interação, conseguindo realmente imaginar o que fazer em cada situação.
Combates não tão interativos assim
Os combates acabam sendo um dos principais pilares de games de RPG clássico. Isso princialmente por funcionarem de modo tático e em turnos tal qual os RPG de mesa. Encased apresenta um sistema de combate coeso, com mecânicas bem estruturadas e sem problemas drásticos. Entretanto, não é nada inovador ou atraente.
O sistema de combate é um “mais do mesmo’ bem mediano, com funções já vistas em uma tonelada de jogos de RPG tático anteriormente e com um ritmo de animações e escolhas que não seguem o mesmo nível de qualidade e complexidade que a exploração dos mapas do jogo. Isso é bem problemático, uma vez que a gente passa bastante tempo enfrentando inimigos em combates desse tipo.
Entretanto, mesmo que os combates sejam relativamente monótonos e até um pouco repetitivos em certo momento, não estragam necessariamente a experiência de jogo. Até porque, jogadores mais ávidos por games densos e cheios de complexidade vão se sentir bem confortáveis com o sistema de Encased, seja pela familiaridade com outros jogos, ou pela simplicidade das interações.
Um jogo para conversar bastante
Para além da exploração e combate, temos o terceiro grande pilar de Encased: as conversações. Seguindo o padrão do gênero, o título da Dark Crystal Games possui tempos consideráveis de diálogo cheios de opções de resposta diferentes e com consequências específicas de acordo com as escolhas do jogador.
Aqui, mais uma vez, seu cargo dentro da corporação C.R.O.N.U.S. interfere radicalmente nos seus diálogos. Seja dando ou retirando opções de resposta específicas ou mudando drasticamente a forma com a qual um determinado NPC interage com você. Isso aprofunda bastante a imersão no mundo do jogo, o que é ótimo!
Além disso, opções não tão especializadas de resposta também estão disponíveis, fomentando reações diferenciadas por parte dos NPCs. Esse sistema de diálogo oferece muitas maneiras de resolver um único problema. Entretanto, para nós do Brasil esse aspecto do jogo é um pouco mais complicado.
Isso porque Encased não possui menus em português, o que pode afastar uma parcela considerável de jogadores interessados. Pode parecer um detalhe, mas quem jogou The Witcher 3: Wild Hunt sabe como faz diferença ter jogos tão baseados em diálogo sendo dublado ou, ao menos, legendados na sua língua materna.
Encased: RPG “como antigamente”
Encased pode não ser o jogo mais criativo e original do seu gênero, mas promete uma experiência sólida muito recomendada para os órfãos dos primeiros Fallout ou semelhantes. A liberdade proporcionada pelas missões principais e toneladas de missões secundárias promete uma vivência ímpar da jogatina, além de um fator replay interessante.
Não fosse os pontos negativos relacionados ao combate e a barreira da língua em um jogo tão textual, Encased poderia muito bem ganhar mais seguidores do que já possui por terras tupiniquins. Atualmente, seu nicho de jogadores é bem restrito. Porém, para estes, Encased pode ser uma experiência que vale a pena a aposta.
Encased já está disponível no PC (via Steam) através de Acesso Antecipado desde 2019. A previsão de lançamento do jogo completo é para setembro de 2021, quando ficará disponível no PC via GOG e Epic Store, além de ser lançado também para PlayStation 4, Nintendo Switch e Xbox One.