Editorial: qual é a duração ideal de um jogo para você?
Estou aqui para fazer mais um desabafo. E uma pergunta: ultimamente, estou em uma vibe de curtir jogos mais curtos. Quanto mais um jogo se alonga, menores são as chances de eu ir até o final nele. E para você? Quanto tempo dura o game para ser bom, na sua opinião?
Senta que lá vem história: lá em 2018, escrevi um artigo sobre minha dificuldade em zerar jogos muito grandes. O que me fez escrever aquele texto, na época, foi Red Dead Redemption 2, jogo incrível, imersivo, polido… e enorme.
De lá para cá, mais jogos enormes foram lançados, e as empresas usam argumentos como “o maior mapa” ou “mapa x vezes maior” como se isso fosse algo bom. Nem sempre é. Um mapa mais compacto, mais enxuto, pode oferecer uma experiência muito mais prazerosa do que um mapa enorme. Especialmente considerando que o público-alvo desses jogos são maiores de 18 anos, que provavelmente trabalham o dia todo e conseguem jogar umas 2 ou 3 horas por dia, depois do jantar.
Mas, calma, vamos por partes, começando por um…
Estudo de Caso: Ubisoft
A Ubisoft parece ter uma predileção por essa mentalidade “massiva”. Não por acaso, o termo “Ubisoft The Game” foi cunhado pela comunidade para designar as fórmulas que ela aplica em praticamente todos os seus jogos. Se você parar para pensar, tudo o que ela lança hoje em dia são RPGs de mundo aberto. Em alguns você usa machados e espadas, em outros, armas de fogo. Tem aquele que te permite hackear coisas, e aquele mais fofinho onde você ajuda os deuses, mas no geral, todos eles são jogos massivos, inchados, exagerados.
Esta semana, li um interessante artigo no Kotaku que dizia como Assassin’s Creed Valhalla é longo. E, lembremos que ele é a sequência de Assassin’s Creed Odyssey, que também era colossal. Para o autor, AC Valhalla poderia ter umas 40 horas — o que já é coisa pra caramba! –, mas o jogo vai além, e se prolonga por muito mais tempo.
Também estou jogando AC Valhalla atualmente, e uma coisa que me irrita é que, além de longo, ele é lento. Vejo pessoas afirmando que levaram 80, 90 horas para zerar o jogo. Eu mal passei das 20 e já estou farto dele — e olha que aqui ainda estou na parte “boa” dele, que ainda não me obriga a ficar conquistando novos territórios de forma sistemática.
Outro jogo da Ubi que comecei a jogar no finzinho do ano passado foi Immortals: Fenyx Rising. Ele também tem um mapa bem grande, mas a mobilidade ali é mais divertida (podemos “voar”), o que otimiza um pouco as coisas. No geral, Immortals faz mais o meu estilo do que Assassin’s Creed (que eu realmente curtia nos tempos do Ezio). Porém, Immortals ele tem um mapa tão “poluído” — com ícones de colecionáveis, dungeons, puzzles, harpas, baús, etc. — que me causa uma aflição sempre que vejo. Estou com umas 25 horas e já fiz 2/4 do jogo, e devo seguir adiante simplesmente porque a experiência, o ato de jogar, me agrada mais do que AC Valhalla — é mais gostoso ir e vir, os combates são mais legais (na minha opinião). Mas tenho plena convicção de que ele ficaria ainda melhor com menos pontinhos brilhantes no mapa.
Analisando em retrospecto, a Ubisoft fez alguns dos meus jogos favoritos das últimas gerações. Eu amo a trilogia Prince of Persia e os últimos jogos do Rayman. Porém, salvo por remakes e relançamentos, esses jogos são parte de um passado distante. Aquela Ubisoft que entregava jogos lineares com boas histórias e uma duração razoável (Prince of Persia, Splinter Cell, Rayman) parece não existir mais. A ânsia pelo “maior mapa” e pelo “maior jogo” está gerando jogos que eu simplesmente não tenho saco para terminar.
Experiências curtas e intensas
Na prática, eu prefiro um jogo que me entretenha e me divirta plenamente por menos tempo, do que um que se alongue mais do que deveria e acabe apenas torrando a minha paciência ao longo de dezenas de horas.
A gente sabe que um jogo é bom quando não queremos que ele termine. Porém, alguns jogos realmente não sabem a hora de terminar, e continuam se arrastando por mais e mais horas, muitas vezes colocando barreiras obtusas para bloquear o progresso do jogador e obrigá-lo a fazer grinding para conseguir ir em frente — lembro como ReCore fez isso de maneira absurda, obrigando o jogador a coletar uma quantia bem grande de núcleos prismáticos para liberar a passagem que dava acesso à reta final do jogo.
Isso é bem comum, na real: para alongar só máximo a experiência de jogo, diversos jogos impõe um “level cap” alto para obrigar o jogador a fazer grinding. Não importa a sua habilidade, o que conta é o level do seu equipamento, ou “o numerozinho de dano que pula quando você ataca um inimigo”. Jogos tipo Destiny, Marvel’s Avengers, e, claro, Assassin’s Creed, fazem muito isso. E é um saco.
Nesse aspecto, eu percebo que jogos independentes ou “semi-indies” oferecem experiências muito mais enxutas, dinâmicas e satisfatórias. Inside, por exemplo, é um jogo de 2016, que dura no máximo 5 horas. Mas 5 horas incríveis, que te compelem a seguir adiante, a querer chegar ao final. Little Nightmares é outro jogo que dá para zerar em umas 5 horinhas, e entrega uma jornada redondinha. A Way Out é outro bom exemplo, e ainda tem um plus: suas 6 horinhas ficam ainda mais legais por serem cooperativas, e o ritmo do jogo — que tem o maior clima de filme — é ótimo.
Ok, talvez estes sejam exemplo muito específicos, visto que são experiências lineares, meticulosamente planejadas e amarradinhas do começo ao fim. Mas, podemos ver bons exemplos em outros gêneros, ainda que eles estejam cada vez mais escassos — não sei você, mas eu tenho a impressão que hoje em dia tudo parece se resumir a RPGs de mundo aberto, Roguelikes e Battle Royales.
Há muitos MetroidVanias — jogos não lineares que prezam pela exploração — que duram mais do 5 ou 6 horas, mas se mantém interessantes, desafiadores e divertidos ao longo de toda sua duração. Só para citar exemplos recentes: Foregone, Ori and the Will of the Wisps, Bloodstained e Blasphemous são jogos que duram umas 12 horas cada um, mas são 12 horas muito bem aproveitadas.
Acho que é justamente por isso que Battle Royales são tão populares: cada partida dura em média 20 minutos, então, por mais que o sujeito jogue centenas de horas, o tempo investido em cada partida é pequeno. A somatória pode ser assustadora, mas diluída em pílulas de 20 minutinhos, não parece tanto.
Eu não curto Battle Royales, mas viciei em Hades — e olha que eu nem gosto de coisas como permadeath e mapas procedurais. Comecei a jogar no dia 31 de dezembro de 2020, e agora — menos de um mês depois — já tenho mais de 30 horas nele! E olha, vou te falar que foram 30 e poucas horas muito mais divertidas e prazerosas do que as que passei em AC Valhalla.
O lance é que cada partida de Hades dura uns 40 minutos. No caso de Battle Royales e Rogulikes, a recompensa (ou o fim da partida) chega muito mais rápido, então a gente acaba acumulando muito tempo de jogo mais rapidamente. E, a própria dinâmica acelerada desses jogos faz eles “passarem mais rápido” do que um jogo enorme e cheio de pontos de interesse.
Claro que, nesses casos, praticar e jogar bastante acaba aumentando as suas chances de vitória (ou não), mas mesmo assim, as partidas tem um “teto” de duração que não é muito alto. É recomendável que você se dedique a estes jogos para melhorar, mas não é obrigatório que você dedique dezenas de horas para poder jogar umas partidas, se divertir e (quem sabe) sair vencedor. O que não acontece com grandes RPGs de mundo aberto: se não jogar a campanha inteira, você não vê o final da história — ou apela para o Youtube.
Custo x Benefício
A questão é que ainda tem muita gente que relaciona tempo de duração com qualidade. Para essas pessoas, um jogo que rende mais horas de gameplay é melhor porque ele justifica o investimento. Se o jogo custou, por exemplo, 200 reais, espera-se que ele renda pelo menos umas 40 horas de gameplay, para que o jogador sinta que o dinheiro foi bem gasto.
Eu discordo veementemente desta linha de raciocínio. Journey já está completando 10 anos de vida, mas ainda é um baita exemplo: ele dura no máximo 3 horas, mas essas 3 horas significam mais para mim do que as 80 horas de um RPG open world genérico. Na minha opinião, as 12 horas de Ori and the Blind Forest são muito melhor aproveitadas do que as 70 horas de qualquer RPG de ação atual.
Claro que aí entra também a questão da mídia física, dos rolos e trocas que o povo gosta de fazer com jogos usados. Muitos dos (excelentes) jogos que citei ao longo deste artigo não foram lançados em disco, e um jogo digital não pode ser trocado nem vendido para o coleguinha, o que também é um fator determinante para muita gente. Porém, ressalto que, com o preço de um “Triple A” atual, você consegue comprar uns 3 ou 4 ótimos indie games — até mais se for para PC.
Falo tudo isso tendo consciência da minha posição “privilegiada” de alguém que trabalha com games e recebe muitos “jogos de graça” para analisar. A questão do “custo x benefício” dói um pouco menos no meu bolso, mas ei, eu compro diversos jogos que outros membros da equipe receberam “de graça” para analisar (Assassin’s Creed Valhalla, por exemplo: o Junior assumiu o review no Xbox, eu comprei a versão PS5). Mas, independente disso, mesmo quando jogo “a trabalho”, eu espero que o jogo me entretenha, me divirta. Se for para fazer coisas chatas, eu vou, sei lá, preencher planilhas do Excel, não jogar videogame! 😀
Cinema & Jogos de fase
Permita-me fazer um paralelo com o cinema (embora a pandemia tenha afetado um pouco a forma como consumimos a sétima arte): quando vamos ao cinema, pagamos o valor x do ingresso, independente se o filme tem 1h30 ou 3h15. A função do filme é te entreter por aquele período. Independente se o filme é bom ou não, ele dura o tempo que tem que durar — sim, eu sei que tem muito filme por aí com aquela “barriga” desnecessária, mas aí é uma questão de roteiro. Não faz sentido pagar mais caro por um filme mais longo porque ele vai te entreter por mais tempo. O preço do ingresso é afetado por outros fatores (horário, dia da semana, sala 3D, etc.)
Já que falamos em cinema, acho que a empresa que mais acerta a mão em termos de custo x benefício é a Naughty Dog (e é aqui que eu perco os “Caixistas” que estavam lendo este artigo). Os jogos dela têm uma duração respeitável — geralmente ficando entre 15 e 20 horas — e oferecem experiências muito intensas e cinematográficas. O que é Uncharted senão um grande filme da Sessão da Tarde transformado em game? Esse tipo de jogo, linear, intenso e cinematográfico — que está cada vez mais raro — é, na minha opinião, o crème de la crème da indústria de games.
Pense em como, antigamente, até por limitações tecnológicas, os jogos eram divididos em fases. Hoje quase não existe “jogo de fase”. Doom Eternal é um dos raros remanescentes do gênero — e é um baita jogo, diga-se de passagem. Esse formato — linear, contido — está em extinção, principalmente entre os “Triple As”, porque tanto os jogadores quanto as empresas querem jogos maiores, mais inchados, mais duradouros.
Chegamos ao ponto em que as empresas apostam até mesmo no controverso formato “game as a service” para oferecer jogos que praticamente não tem fim. O jogo dos Vingadores é um péssimo ótimo exemplo: conseguiram pegar heróis que todo mundo ama e colocar em um jogo de ação repetitivo, pouco inspirado e maçante, que vai continuar sendo inflado e expandido até sabe-se lá quando.
Mesmo jogos que não precisam ser enormes ficaram enormes: jogos de corrida hoje em dia parece que “precisam” ter mundo aberto, para o jogador sentir que passa mais tempo jogando. Particularmente, acho um saco mundo aberto em jogo de corrida. Curtia mesmo a praticidade de Burnout (que também se rendeu ao mundo aberto)? você escolhia o carro em um menu, a prova em outro, e pronto! Pé na estrada! Nada de passar vários minutos dirigindo até uma prova, para então… dirigir mais um pouco (?!).
Conclusão
Antes de me xingar, lembre-se que tudo o que foi dito aqui é opinião pessoal: eu não estou querendo “cag*r regra” nem impor o que é certo ou errado. Se você gosta de RPGs de mundo aberto que duram centenas de horas, ótimo. Você não está errado. Não há certo ou errado; há pontos de vista diferentes.
Ponto de vista este que é fruto da nossa vida: fica difícil se dedicar a jogos que duram centenas de horas quando você tem um trabalho, uma casa, esposa, filhos e boletos para pagar. Quanto mais velho a gente fica, menos tempo temos para jogar, e, justamente por isso, esperamos que esse tempo seja melhor aproveitado. Eu não conseguia sentir que estava avançando em Red Dead Redemption 2 simplesmente porque “2 horinhas por dia” é pouco para um jogo como aquele. Você precisa de tempo e dedicação para sentir-se imerso, perder-se naquele mundo.
Eu tenho 34 anos, e jogo videogame há pelo menos 30. Comecei no Atari, e hoje estou no Playstation 5. Joguei de tudo um pouco, mas sei que já “estou velho” para certas maratonas: pode ser o melhor jogo do mundo, eu não tenho mais disposição para “virar a noite” jogando — e se eu fizer isso, vou estar um trapo naquela reunião de trabalho às oito da manhã.
Enfim, o que eu quero dizer com tudo isso é: quantidade não é sinônimo de qualidade. Nem sempre “o maior mapa” ou “a campanha mais longa” vão oferecer a melhor experiência. Cada vez mais eu percebo que jogos de 6 a 12 horas me agradam, me entretém e me motivam a ir até o fim… enquanto os jogos de 60, 80 horas vão ficando pelo caminho, inacabados. Infelizmente (para mim), o “meu tipo” de jogo é uma espécie em extinção…
E você, o que pensa sobre isso? Qual é a duração ideal do “seu tipo” de jogo? Ainda consegue arrumar tempo para se perder em grandes RPGs de mundo aberto, ou prefere experiências mais breves? Deixe sua opinião nos comentários! 😉