RetroArkade: Atlantis e Cosmic Ark, a primeira sequência dos videogames
Nos primórdios dos videogames, os games tinham apenas um objetivo, independente de seu contexto: marcar pontos. Não importa se você é uma bola amarela que come pílulas, uma base que se defende de uma invasão alienígena, ou um bigodudo que escala plataformas para resgatar sua namorada de um gorila. Isso era apenas desculpa para ver quem “vai mais longe” na aventura, e assim, marque mais pontos.
É fato também que nesta época, diversos conceitos dos videogames, que continuam até hoje, estavam sendo concebidos. Um elemento que naquela época era impensável, mas que hoje é bem comum, diz respeito às sequências. Antigamente, os produtores criavam um jogo, extraíam tudo o que ele podia, financeiramente falando, e depois, partiam pra outro projeto totalmente diferente.
É neste contexto, de uma indústria que ainda estava engatinhando, ganhava milhões de dólares, mas que claramente não sabia muito bem os rumos certos a se tomar, que coisas foram acontecendo, e tivemos as primeiras third-parties nascendo, além de dois games que, juntos, são considerados a primeira sequência dos videogames.
No início, a Imagic
Em 1981, os tempos estavam começando a mudar. Em uma era pré-crash dos videogames, um conceito estava nascendo. O de empresas especializadas apenas em fazer jogos. Antes, as companhias fabricavam os consoles e os jogos, sem outras empresas desenvolvendo jogos para um ou mais consoles. Só que o descontentamento de vários game designers, por muitas razões, envolvendo dinheiro e créditos, fizeram com que fundassem suas próprias empresas.
Foi assim que nasceu a Actvision, em 1979, como resposta de ex-funcionários da Atari quanto a não participação no lucro dos jogos, além do fato de nunca terem seus nomes creditados aos jogos que produziam. Mais tarde, em 1981, nasceu a Imagic. Fundada também por ex-funcionários da Atari e da Mattel, eles viam potenciais nos games, mas que não podiam ser explorados, graças as diferenças de visão entre designers e executivos.
Assim, tanto Actvision, quanto Imagic, fizeram muito sucesso nesta época, por oferecerem games acima da média, em comparação aos games “caça-níqueis” que a própria Atari produzia. Foi nesta época que games definitivos, como River Raid, Pitfall, Enduro ou Keystone Kapers. Todos eles, jogos que sugavam ao máximo o hardware do Atari 2600, além de oferecerem gameplay bem a frente de seu tempo.
A Imagic tem uma história mais curta e é menos lembrada que sua “irmã” Actvision, pois encerrou suas atividades precocemente, em 1986. Mas assim como a casa que gerou Pitfall, também trouxe inúmeros games de qualidade, como Demon Attack, o game mais vendido do estúdio em 1983, que se trata de um clone de Galaxian; ou Dragonfire, um jogo com muitos elementos para um game desta época, com fases variadas e bom desafio.
Mas tudo tem um começo. E pode ser que tenha até uma sequência. Assim, em julho de 1982, Atlantis fez a sua estreia, trazendo em sua jornada espacial, algo bem diferente pra sua época.
Atlantis – o começo do fim
Desenvolvido por Dennis Koble, Atlantis trazia, como já mencionado, apenas uma desculpa para que jogadores façam o maior número de pontos possíveis. Tendo de se defender dos Gorgons, as últimas defesas de Atlantis precisam, de uma vez por todas, expulsar os invasores. A cidade tem sete bases, todas vulneráveis.
Três delas possuem poder de fogo para destruir os veículos dos Gorgons, com dois canhões aos lados, e um no centro. Assim como outros jogos semelhantes, como Missile Command, você tinha que controlar várias bases anti-aéreas, para evitar que sua cidade seja destruída.
Para desafiar os melhores, a Imagic promoveu o Destination Atlantis, um torneio no qual jogadores fotografavam a tela com sua pontuação, e enviavam por correio os desempenhos. Os que pontuavam mais alto, levavam pra casa uma cópia de Atlantis II, que não é uma continuação, e sim uma versão especial do game.
Mas, como todos sabemos, nas lendas, mitologias e história, Atlântida afundou de um dia para o outro, se tornando a misteriosa ilha (ou continente) perdido, e que gera até hoje diversos estudos e teorias. E o mesmo acontece no game, uma vez que, mesmo se você conseguisse chegar até o final do jogo, Atlatis é destruída e reduzida a pó por seus invasores.
Apesar de ser “um final ruim”, temos que considerar que todos os jogos daquela época não tinham storyboard. Ou seja, não havia “finais felizes”, a não ser as pontuações altas dos melhores jogadores. Os games eram baseados na sobrevivência, no fato de levar o jogador a suportar, pelo máximo de tempo possível, as investidas inimigas.
Porém, na destruição de Atlantis, algo curioso acontece. Uma pequena nave sobrevive em meio aos escombros, e sai pelo mundo, em busca de algo. O que seria? A resposta estaria nas mãos dos jogadores, no mesmo ano.
Cosmic Ark – A sequência em forma de Noé
No livro bíblico de Gênesis, temos a história de Noé, o chefe de família que colocou seus filhos, parentes próximos e um animal de cada espécie em uma arca, para se protegerem da destruição iminente do planeta, através de um dilúvio, e assim, garantirem a sobrevivência das espécies. É baseado neste contexto que, no mesmo ano de 1982, Rob Fulop lançou, também pela Imagic, Cosmic Ark.
Entretanto, a arca cósmica não era baseada na Terra primitiva, e sim no espaço. O objetivo do jogo era a de recolher um casal de cada espécie através de viagens pela galáxia, a fim de estabelecer uma civilização em um local apropriado. O jogo, inclusive, trazia, diferente do comum na época, duas maneiras diferentes de se jogar.
Na primeira, a arca cósmica viajava pelo espaço, e precisava lidar com meteoros que vinham em sua direção, com os tiros saindo de acordo com a direção do controle. Após passar pela chuva de meteoros, chega a vez de uma pequena nave sair da arca, e recolher um animal de cada espécie. Era preciso, assim como em esteriótipos de filmes aliens, chegar próximo dos animais e “sugá-los” com raio especial.
Além da dificuldade de capturar os animais, afinal, eles se movem e atrapalham o processo, também era preciso lidar com os sistemas de defesa do planeta visitado, além de ser rápido, pois meteoros ainda podiam atingir a nave. Neste jogo não haviam vidas, e sim células de energia que diminuiam a cada acerto, e aumentavam a cada progresso.
Entretanto, aqui também temos um “final ruim”, pois, chegando ao limite do jogo, a arca também é destruída, e apenas a pequena nave é que conseguia escapar. Falando em pequenas naves, não falamos que Cosmic Ark era uma sequência? Pois essa nave tem muito a ver com isso.
Uma pequena nave, um grande elo
Em primeiro lugar, perdão pelo subtítulo tosco. Mas foi a única forma que encontrei para falar deste elemento interessante, de um game que nasceu em uma época na qual videogames eram sinônimos apenas de pontuações altas. Não haviam lugar para histórias, mesmo que sejam implícitas. E mesmo uma pequena apresentação de manual só servia de desculpa para a ação.
Assim, jogadores de Cosmic Ark perceberam algo em comum com a nave deste jogo. Ela era a mesma de Atlantis. Sem cutscentes, livros ou demais explicações, o contexto era simples. A cidade do primeiro game foi destruída, então seus sobreviventes conseguiram fugir nesta nave. Uma vez em segurança, decidiram reconstruir sua civilização, viajando pelo espaço em busca dos animais que garantiriam sua sobrevivência.
Era algo completamente novo, e, pelo imaginado, passou totalmente batido pela grande maioria dos jogadores, ainda mais preocupados em fotografar suas telas de pontuação. Mas mostra como que as mentes criativas dos desenvolvedores da época já estavam bem a frente do que a indústria ditava na época.
Shigeru Miyamoto compartilhava desta mesma linha criativa. É só ver suas criações, como Mario ou Zelda, se expressavam em 8-bits, e se expressam atualmente, com mitologias, teorias e diversos outros elementos. Isso levando-se em conta que estamos falando de um game designer que sempre se preocupou mais com o gameplay do que com enredos. Também podemos lembrar, neste caso, de Hideo Kojima, e a miséria que ele fez com o MSX com seus dois games Metal Gear.
Voltando à Imagic, é muito importante observar como que com tão pouco, as mentes criativas conseguiram produzir algo tão interessante. O contexto do drama das últimas defesas, mais a fuga desesperada, e a busca por um novo lar. Há rumores de que haveria ainda um terceiro game, mas que nunca foi feito. Ele, provavelmente encerraria a “trilogia”.
Mas seria interessante de se ver. Pois não havia “finais” naqueles jogos. Os games simplesmente “zeravam”, ou bugavam após os jogadores chegarem aos seus limites. Como seria um “final feliz”, se é que eles queriam mesmo um final bom para este pobre povo de Atlantis que só sofrem, com estes recursos, hein?
Valeu a pena a “rebeldia”
Atlantis e Cosmic Ark, assim como as lendas da Actvision, são frutos da rebelião dos primeiros game designers, com os executivos das grandes fabricantes de console da época. Tal como acontece hoje, com os estúdios indies, esta separação de empresas que só se preocupavam em fazer dinheiro e, neste contexto, apostavam em propostas simples, má feitas, e que em muito contribuiu para o Crash de 1983, fez muito bem, para o âmbito criativo.
Tal como estúdios que hoje nos trazem games como Dead Cells, Hellblade, Stardew Valley e tantos outros, os “indies” dos anos 80 levaram oxigênio extra para uma indústria engessada, e garantiram sobrevida durante a famosa crise, que só foi superada através de outras mentes criativas, mas no caso, japonesas: as da Nintendo.
Jogos como estes mostram como que nem sempre recursos visuais ou técnicos são suficientes para um bom jogo. A máxima de que “só gráficos importam” podem minar, e muito, a criatividade de conceitos novos. Ter, em 1982, duas sequências interligadas e que fazem sequências diretas, em um videogame, era algo incrível, se valendo de um elemento que só era comum aos cinemas.
Mais para a frente, vimos a indústria se aproveitando deste elemento para atualizar seus personagens, criando assim melhorias técnicas e, se possível, mitologias. Foi assim que temos, hoje, Zelda e suas três linhas do tempo, Street Fighter e sua controversa, porém interessante história, Metal Gear Solid e toda a sua narrativa, que mais parece a de um livro que salta em uma tela de jogos, entre tantos outros.
E quem diria, que tudo isso começaria, apenas com uma pequena nave, fugitiva de uma cidade destruída. Os games são demais!