RetroArkade: Ser Frank Castle é mais legal no clássico The Punisher para arcades
Vestir a roupa com a caveria e sair atirando na bandidagem por aí ficou marcado de maneira definitiva na memória de todos aqueles que jogaram o interessante Punisher para arcades. Vamos relembrar como era legal sair atirando em todo mundo e pegando comida no lixo durante o trajeto?
Nos anos 80, os quadrinhos tiveram uma dose de obscuridade e crueldade como há muito não se via. Dividindo as histórias com entidades do espaço e poderes cósmicos, estavam nas HQs heróis “comuns”, com poucos poderes, que conviviam nos piores lugares das cidades e que permitiam histórias mais “pé no chão”. Neste contexto, pudemos ver as afirmações de Demolidor, de um Batman atormentado em O Cavaleiro das Trevas e com o Justiceiro, alvo da RetroArkade de hoje.
Frank Castle rapidamente ganhou vários fãs por unir histórias envolvendo tiroteios e pancadaria com um “herói” totalmente diferente do senso comum: Castle não tinha a nobre intenção de prender os bandidos, como há tempos uma indústria preocupada com efeitos colaterais pregava aos quatro cantos, especialmente em produções “do lado de fora” das HQs. O herói aqui não tinha problema nenhum em atirar para matar e ser extremamente cruel com seus inimigos, devido ao trauma que todos que curtem HQs (ou assistiram a segunda temporada de Demolidor) e foi o suficiente para que muitas pessoas começassem a deixar Os Vingadores de lado um pouco para acompanhar a “limpeza” de Castle em relação ao crime.
Observando este potencial, a Capcom, uma das dominantes dos arcades na década, lançou em 1993 o game do Justiceiro. Sendo, de maneira simplista, uma mistura entre Final Fight e Cadillac & Dinosaurs, o game conquistou a sua parcela de jogadores rapidamente, consolidando mais um arcade para o seleto, mas sempre aberto, hall da fama dos fliperamas que sugavam nossas fichas e conquistaram nossos corações.
Vamos ser Frank Castle por um dia?
O gameplay do game precisava oferecer algum diferencial, visto que “andar e bater” era algo muito comum a vários games da época, que inclusive disputavam sua atenção com cabines coloridas e aquele barulho nostálgico das casas de arcade, seja as de shopping ou as barra-pesada do seu bairro. Aliás, já conversamos sobre este assundo em nosso podcast, e fica o convite para ouvir:
Voltando ao game, a possibilidade de usar várias armas diferentes já fazia de Punisher um jogo diferenciado. Tacos de baseball, granadas, pistolas e muito mais estavam à disposição a todo momento, ajudando a aumentar o clima de caos que o personagem cria ao intervir contra os criminosos.
Controlar Frank Castle ou Nick Fury é bem agradável. O game é leve e fluído, com muita coisa acontecendo na tela e controles simples: basta andar, socar, pular ou soltar uma granada enquanto progride pelo cenário. Como o Justiceiro usa armas, a maneira a qual elas aparecem no game também é digna de mérito, com a mira automaticamente alcançando o inimigo mais fácil de ser alvejado, exigindo apenas que você descarregue o pente apertando o botão.
Gravei um gameplay jogando Punisher em nosso canal no Youtube, a ArkadeTV. Minha habilidade não é das melhores, mas dá pra mostrar bem como o jogo é e como ele envelheceu bem:
O jogo também oferece uma fase bônus, que consiste em destruir barris que caem do alto, semelhante ao bônus de Street Fighter 2. Mas aqui, ao invés de dar cacetada, o jogo dá a mira livre para que o jogador destrua o máximo possível no famoso duelo com o relógio.
E os inimigos, apersar de poucos em comparação com games semelhantes, fazem bem o papel de encher a tela para servirem de sacos de pancada. Os chefes que são um caso a parte: bem na base do “ame ou odeie”, eles existem, porém não oferecem muitas alternativas de combate, bastando desviar de uma ou duas investidas e encher os vilões de pancada. Destaque para os robôs desgraçados (são dois) e o Kingpin. Wilson Fisk não deixa você nem chegar perto, exigindo de você paciência e voadoras no combate final.
O lado sujo de Nova York
Visualmente falando, The Punisher traz muito dos quadrinhos para o game. Além das onomatopéias que acompanham os golpes, As animações do Justiceiro em particular são um show a parte. É demais vê-lo recuperar o fôlego quando um vilão é derrotado e a calmaria do momento domina o local.
Também é legal ver as “historinhas” entre as fases. Um jogo de arcade não tem lá muita obrigação de explicar o que está acontecendo, ele simplesmente te joga em meio ao caos e você que se lasque para interpretar o que acontece, enquanto tenta marcar o máximo de pontos possíveis. Porém neste game, além de um começo que explica muito bem os eventos que fizeram de Frank Castle o homem que é, também conta com cutscenes bem detalhadas e caprichadas, explicando as razões do personagem estar em determinado local.
Locais estes que seguem sim a cartilha dos jogos side-scrolling de pancadaria, mas com sua personalidade. Temos o elevador, temos a esteira, temos o “prédio do combate final”, temos a fase na selva, que tem um toque do jogo dos Cadillacs com os dinossauros que também adoramos demais! Mas em nenhum momento tais elementos aparecem em exagero no game, fazendo com que a variedade de cenários aconteça de maneira positiva. E vamos combinar: aquele cenário do esgoto lembra bastante o estágio do ácido em MK II, hein?
E, em se tratar de um game de 1993, outro aspecto que vale mencionar é em questão a sua violência. Neste ano, Mortal Kombat estava encarando várias polêmicas envolvendo a sua violência explícita, fazendo companhia a Night Trap na questão que acabou resultando na criação da ERSB, o órgão que classifica a idade indicativa para todos os games. E a Capcom quis apresentar The Punisher da maneira que o personagem é sem muita preocupação com este ambiente. Castle mata seus chefes, solta granada no corpo do inimigo derrotado, fatia carne humana com várias armas brancas e a violência come solta sim. Talvez um pouco mais cartunesco e colorido, mas não deixa de ter a sua violência personalizada.
Falta som aqui, sobra som lá
A trilha sonora também convence ao inserir o jogador ao clima de caos. Simples e direta, as faixas acompanham o teor mais “quebra-quebra” do jogo, sem reinventar a roda. As explosões, os tiros, os gritos, os socos e pontapés, aliados ao som de “fatiar” das espadas convencem e ajudam a fazer deste game um preferido de seu tempo.
Separei pra você uma playlist com as faixas do game. Dê o play e vamos voltar aos anos 90:
O único problema é o silêncio que acompanha a introdução do game. Sem nenhum som ou trilha, o drama de Castle fica “sem sal”, já que só temos as cutscenes e o texto na tela. E isso em meio a um local que tradicionalmente é conhecido pela sua barulheira, incluindo o fato de que muitos desenvolvedores abusavam dos elementos sonoros pra “fisgar” o jogador curioso. Bola fora, Capcom!
Um mais do mesmo, que não é sempre o mesmo
The Punisher marcou a vida de muitos gamers dos anos 90 por oferecer o mesmo que outros games do gênero, mas de uma maneira exclusiva. Andar por cenários repletos de inimigos e trocar pancadas todos os games já faziam, porém jogar com Castle e/ou Fury tinha um fator de diversão que faltava há tempos em um gênero que já dava seus primeiros sinais de cansaço.
Quando foi lançado, a revista americana GamePower deu um belo 10/10 para o título, no quesito “diversão”. A GamePro, que alimentava a Super Game Power aqui no Brasil, elogiou o título dizendo que “o game oferece gráficos muito bonitos, capturando bem a escuridão dos quadrinhos do Justiceiro”. Já a Ação Games #44, de outubro de 1993, definiu o título como um “Final Fight que usa armas”, além de elogiar o visual e dizer que a Capcom “caprichou outra vez”.
Uma versão para o Mega Drive foi lançada, e também foi bem recebida, embora a distância entre arcades e consoles 16-bit exigiam que muitos cortes acontecessem, tirando e muito a experiência das cabines coloridas. Mas já dava pra atirar nos outros em casa, na frente da sua mãe, o que era algo “bem legal”.
A verdade é uma só: videogames, embora precisem de bons gráficos, trilha sonora bacana e boas ideias, não consegue se firmar em meio a um mercado tão concorrido se não for divertido. E talvez esse fator de diversão que faz com que um game de 23 anos consiga ser jogado e querido por muitas pessoas até hoje.