RetroArkade: Senninha e a sua missão de levar o legado de Ayrton Senna para as crianças
Em 1994, Ayrton Senna já era considerado, pelos seus feitos, como o melhor piloto de todos os tempos, da Fórmula 1. Porém, apesar de tri-campeão do mundo, e buscando sempre fazer mais, para aumentar seus números (e títulos) no esporte, o piloto também queria fazer a sua parte pelo país.
Os tempos eram outros, e a vida da população, em geral, não estava muito fácil, devido a diversos problemas econômicos e sociais do início dos anos 90. Ayrton costumava fazer várias doações, em caráter anônimo, a diversas instituições, até que, decidiu organizar estas questões sociais as quais ele abraçava: assim nascia um novo personagem, feito para se comunicar com o público infantil e, ao mesmo tempo, levantar recursos, com a venda de gibis, e mais os produtos de merchandising, para oficializar as doações.
Das pistas para as HQs
Como sempre, Ayrton Senna estava envolvido até o pescoço com o projeto Senninha. E a ideia, era a de criar uma turma variada, e que ao mesmo tempo, levasse um pouquinho da vida do piloto, especialmente a sua infância, para o grande público. Para isso, Rogério Martins, publicitário, e Ridaut Dias Jr., na ocasião, desenhista da Mauricio de Sousa Produções, se encarregaram em transformar o piloto em uma criança de oito anos, que adorava velocidade e, claramente, se envolvia em várias situações divertidas, para gerar as histórias.
No papel, surgiu um garoto, com “nariz de batata”, o que refletia os traços de Ayrton, assim como o seu cabelo, despenteado após tirar o capacete, o que era a forma a qual ele era mais visto por todos, após as corridas. Para criar a personalidade do personagem, sua mãe, Neide Senna, ajudou no desenvolvimento, contando histórias de Ayrton para a equipe, o que incluía causos de um garoto desastrado e desajeitado. E, para garantir uma turminha, o psicólogo Jacob Goldberg participou como consultor pedagógico, ajudando a criar novos personagens, com personalidades distintas.
Assim, nasceu o mecânico e inventor Neco, e sua irmã Coni, a artista Gabi, o projetor e metido a bonitão Johnny, o repórter Tala Larga, que sempre busca uma exclusiva com o Senninha, a esperta Déia, o esportista J.J., e o preguiçoso Marcha Lenta, além dos cães Becão e Bicão. Para formar a família, o caçula Téo, inspirado em Leonardo, e a primogênita Gigi, inspirada em Viviane, acompanham o irmão veloz quando as histórias acontecem na “casa dos Senna”. E, assim como nas pistas, rivais foram desenvolvidos: Braço Duro e sua equipe, formada pelos desengonçados e trapaceiros Rebimboca, Bate-Pino, Pé-de-Breque e o gato Tamborim, buscam sempre, pelos meios errados, ganhar as provas, mas depois da chegada de Senninha ao bairro, nunca mais conseguiu uma vitória, assim como acontece com Dick Vigarista, na Corrida Maluca.
Para divulgar as HQs, em uma época em que haviam muitas revistas, com vários personagens, pelo país, uma edição #0 foi divulgada gratuitamente, contando a chegada de Senninha ao bairro, a amizade que se inicia com seus novos amigos, e a primeira corrida contra Braço Duro, que é interrompida propositalmente, tendo o seu primeiro final divulgado na edição #1, editada pela Abril, que chegou às bancas em março de 1994. As revistas eram quinzenais e tinham 36 páginas, e logo, se transformou em um sucesso. Ayrton Senna em pessoa aprovava as histórias, e já começava a divulgar o personagem, usando camisetas com o personagem por baixo do macacão.
Meu Herói e o legado de um campeão
Porém, como sabemos, infelizmente Ayrton não conseguiu acompanhar por muito tempo a sua criação, pois em primeiro de maio de 1994, aconteceu o triste acidente em Ímola, na Itália. Senna queria muito fazer algo a respeito do desenvolvimento de crianças e jovens de baixa renda, e conversando com sua irmã Viviane, decidiram falar melhor sobre o projeto ao final daquela temporada. Com o acidente, a conversa acabou não acontecendo, mas a resposta a todo esse momento de muita tristeza foi o surgimento do Instituto Ayrton Senna, que, baseado nos ideais do campeão, segue até hoje oferecendo oportunidades a vários projetos que apoiam o desenvolvimento das crianças mais carentes.
E, como forma de promover o legado do piloto, e também de ampliar o trabalho do Instituto, Senninha passou por algumas modificações, sutis, mas que simbolizavam desde aquele momento, a necessidade de manter o legado de Ayrton vivo. O macacão e o carro, azuis por causa da Williams, ficaram vermelhos, para lembrar a McLaren, carro pelo qual conquistou seus três títulos mundiais e se consagrou como o maior de todos os tempos na F1. Meu Herói, o capacete mágico que só se comunica com Senninha, entidades mágicas, e outros campeões que poderiam aparecer nas histórias, também foi mais utilizado. E algumas histórias, se encarregavam de homenagear o piloto, levando, além do sentimento de todos no momento, um pouco da rica história de um homem que buscava fazer sempre o melhor.
Algumas histórias em especial marcam de maneira extremamente forte este momento. Na edição #5, uma declaração oficial por parte da equipe expressou o sentimento de todos os que ali trabalhavam. Porém, foi a edição #6, o momento mais marcante. Nela, a primeira história surge como um tom de desabafo, com Senninha, usando uma fita preta, e seu irmão Téo lamentando a partida de seu grande herói, maneira a qual Senna é identificado pelos autores nos quadrinhos. Ali, apesar da vontade de levar ao leitor a ideia de que era preciso seguir adiante, também apresentou uma raríssima transparência na comunicação entre roteiristas, desenhistas e leitores, pois todos queriam apenas chorar e sofrer o luto.
Uma outra, datada de dezembro de 1995, mostra um Senninha nostálgico, pedindo para Meu Herói dar de presente a oportunidade de reviver o GP Brasil de 1993, um dos maiores momentos da carreira de Senna, mas, por causa de uma confusão, este seria o tempo “presente” do personagem para sempre, em uma história que nos ensina sobre seguir em frente, e lembrar do passado, para construir um bom presente, pensando em um futuro melhor. E a segunda, que é uma homenagem e tributo a Juan Manuel Fangio, cinco vezes campeão mundial de F1, amigo de Senna, e que veio a falecer em julho de 1995.
E, a partir daí, o Senninha começou a figurar vários produtos de merchandising, incluindo uma parceria com a Tectoy, que infelizmente, não rendeu um game (uma pena, já que a tradição da empresa de mudar sprites de games da SEGA para “abrasileirar” poderia render um game bem interessante com o personagem), mas trouxe para as prateleiras um mini-game, um toca-fitas e um livro para o Pense Bem.
Levando a história de um campeão para os pequenos
Atualmente, o Senninha conversa com os mais pequenos. Desenvolvido para atingir crianças de até 11 anos em seu início, hoje o personagem foi adaptado para dialogar com crianças de 3 a 6 anos de idade, contando com ajuda de pedagogos, que conseguem manter a essência de mais de duas décadas do personagem, mas sendo acessíveis para as crianças. Produtos licenciados, um site de atividades, séries de vídeos animados, como os curtas ZUPT! COM SENNINHA e uma série de episódios em média de 11 minutos cada um, mantém a responsabilidade de levar o legado de Ayrton Senna para estas crianças, assim como os valores defendidos por piloto e Instituto, como a superação, motivação e determinação.
Muitos pais também preferem consumir produtos Senninha, por se lembrarem de Senna e para compartilhar um pouco desta história com seus filhos, além do fato de que parte do valor arrecadado com os produtos seguem apoiando o Instituto Ayrton Senna, que hoje apoia 1.8 milhão de estudantes pelo Brasil, oferecendo oportunidades de se desenvolverem, como cidadãos e em seus talentos.
E a presença de Senninha segue importante. Em 2018, lembramos dos 24 anos sem o nosso maior campeão. E, ainda assim, sempre nos lembramos de suas façanhas, independente da mídia. Filmes no cinema, a boa presença em Gran Turismo 6, um musical e vários documentários e homenagens, como esta do Top Gear, fazem com que o legado de Senna siga vivo, junto com seus valores. Assim, o personagem, junto a seus amigos, são importantes não apenas para manter vivas as memórias de um grande piloto, mas sim dos valores os quais ele defendia e acreditava.
Prints dos quadrinhos: alexandrehq.blogspot.com.br