Voice-Chat Arkade: a revolução do crowdfunding e seus efeitos colaterais
Um fenômeno relativamente novo na indústria de videogames vem mudando a forma como os games são feitos: o crowdfunding. Neste Voice-Chat Arkade, vamos explorar a revolução que o financiamento coletivo trouxe para o mundo dos games – e entender seus efeitos colaterais.
Kickstarter, Indie Go Go e até uma versão brasileira, o Catarse, conseguiram bastante sucesso simplesmente deixando você escolher se aquele projeto merece todo o reconhecimento popular e financeiro para que dê certo.
É um sistema extremamente simples e que era justamente o que faltava para a nossa indústria acordar neste mercado com poucas novidade para o lado do consumidor. Também é mais forma de aumentar o número de opções que o público tem para conseguir os games que deseja.
Outro feito importante que o crowdfunding conquistou foi mostrar o quanto os fãs estão dispostos a botar sua carteira onde a boca está, e pagar a quantia necessária para trazer o projeto dos sonhos à vida.
Porém, como toda estratégia recém descoberta, ela acaba tendo seu lado negro, muitas vezes o culpado sendo o próprio criador do projeto, enquanto em outras situações podem ser de nós mesmos, os fãs.
Neste Voice-Chat Arkade iremos focar no Bom, no Mau e no Feio que o crowdfunding trouxe desde que se tornou tão popular.
Para começar com o pé direito e não deixar ninguém deprimido (ainda), vamos ver o lado Bom que o financiamento coletivo apresenta, seja para os desenvolvedores, para grandes empresas e no final para nós, consumidores e fãs.
Bom
Um dos maiores exemplos citados por todos que defendem este movimento nos games é o jogo de aventura Broken Age, um point and click desenvolvido e pela Double Fine Games. E por quê esse é um dos maiores exemplos, afinal?
Bem, ele foi o primeiro a popularizar o Kickstarter no ramo dos videogames, lembrando que o site gringo de crowdfunding não foca somente em jogos eletrônicos, e sim em todo projeto que alguém esteja disposto a publicar e achar que seja útil (ou não) para o consumidor, seja ele um filme, animação, projeto artístico, utensílios domésticos e praticamente tudo mais que você puder imaginar.
O jogo de aventura da Double Fine conseguiu arrecadar uma quantia insana de dinheiro, ultrapassando três milhões de dólares. Isso não mostrou somente que o crowdfunding pode ser um sucesso para desenvolvedores que não conseguem uma luz verde de uma grande distribuidora, mas também revelou como o público estava ávido pela variedade de gêneros, pela volta de clássicos e pelo surgimento de novos conceitos de games criativos e inovadores. Ávido ao ponto de colocar a mão no bolso e investir grana real em novos games.
Estamos cheios de jogos de primeira pessoa em que você simplesmente atira em tudo que vê, sem nenhuma razão, além dos jogos de terceira pessoa onde você controla um protagonista caucasiano, de cabelo castanho e que ri na cara do perigo. Não há nada de errado com estes tipos de jogos, mas qualquer coisa se torna um verdadeiro pé no saco quando é saturada e sugada até a morte, sem nenhum teor criativo real.
Logo depois da Double Fine, mais empresas viram o Kickstarter e sites similares como os lugar perfeitos para apresentar seus jogos, sejam eles propostas bizarras, avalanches nostálgicas ou simplesmente incomuns.
Jogos como Wasteland 2, Carmaggedon: Reincarnation, Shantae: Half Genie Hero, Mighty No. 9 e Neverending Nightmares mostraram que o consumidor necessita de jogos isométricos de estratégia, a volta de antigos heróis negligenciados por suas empresas, a boa e velha carnificina por trás do volante e experiências aterrorizantes jamais vistas nos títulos tradicionais.
E como se não bastasse, o crowfunding ajudou jogos já planejados a se concretizarem e ficarem ainda melhores, como foi o caso de Odallus: The Dark Call, dos nossos conterrâneos do estúdio brasileiro Joymasher, no qual eles utilizaram o site IndieGoGo para trabalhar com a trilha sonora e a criação de trailers, realizando um projeto que não precisa de milhões de dólares para ser feito, mostrando uma meta possível de ser cumprida.
Mas o crowdfunding não afetou somente os consumidores e desenvolvedores independentes procurando um lugar santo para explorar suas ideias criativas. Até grandes empresas estão olhando cada vez mais para este novo mundo, tentando implementá-lo em novas formas.
A primeira a dar este passo é a Square Enix e seu novo projeto intitulado Collective Crowdfunding Initiative, sendo um novo sistema onde desenvolvedores poderão mandar suas ideias para jogos e depois a própria Square Enix analisará os projetos durante 28 dias, a fim de receber o feedback dos fãs e avaliar se eles realmente pode ser bem sucedidos.
Logo depois da análise, a distribuidora ajudará a calcular todos os custos e publicar em cima deste nome.
Mas o Kickstarter não funciona exatamente deste jeito? A unica diferença seria o nome da Square Enix ao lado do desenvolvedor.
É aí que tudo muda: a Square Enix não está somente entregando um meio alternativo entre os vários já apresentados, como o Kickstarter e Indie GoGo, ela também está deixando total confiança de que o jogo dará certo neste projeto.
O segundo ponto que faz esta ideia impressionante é o pensamento das diferentes franquias que a Square Enix disponibilizará de seu próprio catálogo para os desenvolvedores. Quem sabe alguém finalmente decida desenvolver The World Ends With You 2 ou até uma continuação de Legacy of Kain.
Porém nada está definitivo ainda e por enquanto podemos apenas esperar para ver como a Square Enix irá focar neste projeto, mas já podemos ver como pode ser uma ideia promissora tanto para os desenvolvedores quanto para a própria empresa.
Como nada é perfeito, e como apontei no começo deste texto, nenhuma estratégia é “à prova de balas” e infelizmente o crowdfunding não é do tipo que costuma vestir colete.
Vamos para o segundo tópico desta jornada pelo crowdfunding, tudo de mau, vil e perverso que ele trouxe para a nossa indústria, desde fãs cheios de raiva, desenvolvedores sem saber o que fazer e o nosso falho entendimento do processo de financiamento coletivo.
Mau
Assim como Broken Age é um dos maiores exemplos utilizados pelo lado que apoia este movimento, ele também pode ser usado como arma pela oposição. Sendo um dos primeiros jogos a receber uma quantia imensa de dinheiro, ele precisou ser adiado porque a Double Fine usou toda a verba sem conseguir terminar o jogo. O cofre recheado de grana dos fãs.
A Double Fine decidiu separar Broken Age em duas partes, seguindo uma ideia episódica como a adotada pela Telltale Games em seus jogos, como The Walking Dead e Wolf Among Us. No caso do jogo de aventura financiado, a primeira parte será lançada no começo de 2014, e a segunda será terminada com o dinheiro das vendas da primeira.
Quando os fãs souberam disso, eles entraram em um momento de ira pela internet, perguntando-se “o que diabos a Double Fine fez com o dinheiro arrecadado?”. É um questionamento mais que válido, afinal apostar grana em um projeto assim envolve confiança e comprometimento – ainda mais em projeto que arrecadou 834% (de acordo ao Kickstarter) da quantia pedida inicialmente.
E neste ponto está situado o grande problema: um jogo sendo desenvolvido pelo Kickstarter é nada mais e nada menos que uma aposta criada pelos desenvolvedores e seus fãs. Ninguém realmente sabe se aquele jogo para o qual eles doarão centenas de dólares será divertido, bom ou simplesmente funcional.
Crowdfunding é uma grande aposta feita com a carteira do consumidor, infinitas circunstâncias podem acontecer para que o projeto não seja bem sucedido mesmo depois de ter chegado à sua meta de arrecadação.
E o pior de tudo isso é que, muitas vezes, nós não conseguimos colocar esta dose de ceticismo em nossas cabeças, e acabamos imaginando que o projeto será perfeito, que será tudo que esperávamos como fãs. Infelizmente, as coisas não são assim.
Além disso, devemos lembrar dos inúmeros projetos que não chegam à sua meta e acabam recebendo o simples “não, mas obrigado por ter tentado” do Kickstarter e sites similares.
A Precursor Games, antiga Silicon Knights (criadora de X-Men Destiny e Too Human), tentou recorrer ao Kickstarter para lançar o sucessor espiritual de Eternal Darkness e não falhou somente uma vez, mas duas vezes seguidas, fazendo sua proposta dar errado mesmo após várias melhorias durante o tempo de intervalo entre as campanhas de arrecadação.
Outras empresas acabam perdendo tudo por falta de tempo ou de marketing, especialmente quando uma das únicas formas de promover seus projetos é pela boa vontade dos site de notícias ou fóruns focados em games, o que ajuda a dar vida e os ajudam a chegar às suas metas – e, quem sabe, até conquistar metas adicionais.
Não podemos culpar inteiramente estes sites e fóruns por não promoverem projetos, afinal todos nós queremos uma história de sucesso e para isso aquele jogo precisa remeter ao sucesso. Ter uma equipe experiente e com certa bagagem na indústria ajuda a conferir credibilidade à ideia, além da transparência diante dos fãs. Afinal, todos que decidiram apoiar um projeto estarão lá para vê-lo acontecer e se a confiança não for mútua o projeto está fadado a ter problemas durante seu desenvolvimento.
Vamos assegurar uma única coisa antes de ir para a próxima, e última, parte:
Kickstarter, IndieGoGo, Catarse. Não importa o nome, todos estes sites que promovem o crowdfunding são baseados em promessas e apostas. Promessas de que aquele jogo dará certo, que os fãs realmente acreditem em si mesmos como um todo para trazer aquela meta ao máximo, apostas com o seu dinheiro para torcer que dê tudo certo e, quando aquele jogo sair, que realmente seja tudo o que foi esperado durante o longo período de desenvolvimento.
E, se não for, bem, como mencionei agora pouco, é tudo uma grande aposta feita com a sua carteira.
Agora vamos para o último segmento desta insana jornada, neste momento precisamos de falar tudo de Feio, catastrófico e simplesmente estúpido feito nestes projetos. Empresas que não sabem lidar com a pressão e falhas em geral. Esse tipo de coisa.
Feio
Um dos problemas mais recentes noticiados é o do jogo Dark Matter, criado pela InterWave Studios. Como toda desenvolvedora tentando a sorte grande na indústria, ela decidiu publicar seu projeto pelo Kickstarter e ver se alguém estaria interessado no que eles iriam eventualmente vender.
O pedido foi de 50,000 libras esterlinas -um pouco mais que R$150 mil – para desenvolver e finalizar corretamente o jogo. No final, sabe quanto eles arrecadaram durante uma campanha de trinta dias?
6,227 libras esterlinas, ou seja, um pouco mais que R$ 22 mil.
Longe da meta, a InterWave fez exatamente o que não deveria e decidiu tocar o projeto adiante. Ela continuou a desenvolver o jogo da forma como estava, mesmo não tendo atingido nem um quinto da quantia pedida. Dark Matter conseguiu a luz verde no Steam e no Good Old Games, sendo vendido pelo preço de R$25,00.
Mas como eles finalizaram o jogo se a meta do Kickstarter não foi atingida?
Simples, eles não finalizaram! Foi criado um “final” onde o jogador não consegue mais ir para lugar nenhum e a tela escurece após alguns instantes. A conclusão da história é explicada por um texto e o famoso “clique aqui para voltar ao menu”.
O pior de tudo não foi isso, e sim o fato deles não terem mencionado que o jogo estava inacabado para os consumidores. Quando a bola de neve se transformou em uma avalanche, tudo foi perdido, o Good Old Games decidiu retornar o crédito de quem se sentiu traído pela compra e a InterWave começou a arrumar desculpas, dizendo que o jogo era para ser episódico e isto era somente a primeira parte, além de culpar o projeto que foi criado no Kickstarter e por não terem chegado à sua meta.
E, claro, não podemos nos esquecer de um outro projeto que está tão esquecido que quase não aparece neste editorial: O infame Ouya e a sua promessa para os indies.
O Ouya conseguiu arrecadar 904% de sua meta original de US$ 950,000, trazendo o total de US$ 8.596.474,00. Toda esta grana fez com que o Ouya fosse lançado, mas em questão de poucos meses o videogame seria completamente esquecido pelo consumidor.
Mesmo o preço extremamente barato e a ideia promissora (pelo menos no papel) de deixar qualquer um na cadeira de desenvolvedor independente não fizeram o console decolar nem ser lembrado como concorrente da geração atual (e obviamente da futura geração dos consoles).
O famigerado videogame financiado pelo público que ficou poucos meses sob os holofotes é um exemplo e tanto de como a falta de administração pode fazer com que milhões de dólares sumam rapidamente e deixar esta carcaça de um console.
Agora, a criadora Julie Uhrman pretende focar o Ouya em um cenário mais “underground” ainda, sendo o lar para jogos independentes. Acontece que, em tempos de Steam Greenlight e do crescente suporte à jogos independentes que a próxima geração vai oferecer, fica mais difícil implementar uma iniciativa que realmente seja relevante para todos.
No fim de tudo, podemos ver facilmente que esta nova estratégia do crowdfunding tem falhas agravantes. Claro que podemos ver isso em qualquer formato de mercado utilizado hoje em dia, como na compra de jogos por distribuição online ou até na mais tradicional, pelas lojas físicas de videogames, sendo que os culpados variam de nós mesmos até as grandes indústrias, mas isto é um assunto para outro momento.
O que importa é que precisamos ser cautelosos nesta revolução do crowdfunding, entender seus problemas e ver que não serão todos os projetos a conseguirem o sucesso de empresas como Double Fine, InXile ou Comcept. A ideia é sempre manter aquela dose segura de ceticismo, e aliá-la ao nível certo de esperança para que tudo dê certo.
E o que vocês acham deste formato? Vale a pena tentar a sorte como desenvolvedor ou consumidor e apostar tudo no crowdfunding ou existem sistemas mais convenientes e confiáveis para tomar uma responsabilidade tão grande como a de produzir um jogo? E, por fim, será que a moda do financiamento coletivo desaparecerá da indústria ou está aqui para ficar de vez? Deixem suas opiniões nos comentários!