Way of the Warrior, o clone de Mortal Kombat esquecido da Naughty Dog
Quando falamos de Naughty Dog, há muito assunto pra gente escolher. Podemos falar de The Last of Us, o sucesso atual do estúdio, que foi impulsionado pela série da HBO; podemos também falar de Crash Bandicoot, o personagem que colocou o estúdio no rol das grandes produtoras de games; mas também podemos falar do dia que o estúdio, que sempre gostou de apostar em ideias diferentes, fez o seu próprio Mortal Kombat.
Mas, para entender o game, primeiro precisamos entender o contexto. Em 1993, a Naughty Dog não era, nem de longe, o estúdio cheio de fãs que é hoje. Na verdade, Andy Gavin e Jason Rubin, estavam eram insatisfeitos com a empresa, pois após a participação da EA no estúdio, haviam perdido muito controle criativo, decidindo assim, dar um tempo nos games e passarem o tempo em outras atividades.
Naquela altura, o estúdio, que no início se chamava JAM Software, já tinha nove anos de idade e já possuía alguns games publicados, como Keef the Thief, que já mostrava um pouco da aura do estúdio em ter o seu próprio jeitão de ser, que era o que eles mais queriam ter, e se sentiam “roubados” pela EA, no acordo que possuíam.
Mas a EA ainda acreditava no potencial da dupla, pois o próprio fundador da companhia, Trip Hawkins, ligou para os dois, revelando os planos de seu novo console, aquele que conhecemos hoje como o 3DO. Como eles precisavam de games para o novo videogame, pensaram na Naughty Dog e ofereceram kits de desenvolvimento gratuito para a dupla. Como estavam ouvindo sobre consoles de CD, alta capacidade técnica e maior espaço para colocarem suas ideias, gostaram muito do que ouviram, e reativaram o estúdio.
E esta Naughty Dog teve a ideia de apostar na nova tendência dos games: Mortal Kombat. O game de Ed Boon e John Tobias era um game de luta como tantos outros, mas que com sua violência extrema (naqueles dias) mais a famosa tecnologia de criar personagens baseados em atores reais, teve um diferencial realmente relevante, que fez com que metade do mundo fosse cativado com o game, e a outra metade ficasse horrorizada com a forma com a qual os personagens se mutilavam na tela.
Assim, Gavin e Rubin deram início ao desenvolvimento do novo game de luta, mas com apenas os kits de desenvolvimento e US$ 80 mil, fruto com o lucro de Rings of Power. A Naughty Dog trabalhou no game de forma independente, e com pouca grana, foi usando o que tinha à disposição para compor o jogo, que era de luta simplesmente por causa da maior facilidade de se desenvolver um game deste gênero.
Segundo Gavin, era “só fazer um plano de fundo e um personagem, jogar contra si mesmo e o jogo está jogável”, precisando depois balancear o game e corrigir problemas. A ideia da dupla era criar uma espécie de Mortal Kombat mais exagerado e um pouco mais cômico, usando das mesmas fontes do jogo da Midway, que eram os filmes de kung fu dos anos 80, mas exagerando o que podiam, para não deixar o jogo “tão sério”.
A falta de dinheiro acabou colaborando para essa ideia mais cômica, afinal eles não poderiam trabalhar com chroma key e nada mais técnológico para capturar os movimentos dos atores, pois já haviam decidido que fariam igual Mortal Kombat, ao criar personagens baseados em pessoas reais. A solução foi comprar uma tela e pregar na própria sala de estar do apartamento em que moravam, precisando lidar com equipamento tosco, a ponto dos vizinhos acharem que eles estavam filmando filmes “adultos” um tanto “extremos”.
Sem grana para contratar atores, Gavin e Rubin foram ainda mais além do que foi feito em Mortal Kombat. Boon e Tobias ainda puderam contar com artistas marciais de academia, que ajudaram a capturar os movimentos, mas a dupla da Naughty Dog resolveu convocar amigos e familiares para vestirem as fantasias dos personagens, com muitos deles fazendo a captura de movimentos de graça.
O game ficou pronto e, como você já deve imaginar, não emplacou como um dos grandes de sua geração. Mas, dentro do valor disponível para desenvolver e os recursos que a dupla podia contar, até que se apresentou como um jogo bem interessante, na medida do possível. Mas a importância deste game não está no jogo em si, mas sim no que aconteceu depois.
Buscando voltar ao mundo dos games, eles apresentaram o seu Way of the Warrior na CES de 1994, feira de eletrônicos que, antes da E3, era o local principal nos EUA para lançamentos envolvendo games. Eles chamariam atenção de um “tal de” Mark Cerny, que na época estava na Universal Studios, mas que depois se tornou um nome forte na Sony, participando da construção do PlayStation 4 e do PlayStation 5.
Cerny, que ainda estava na Universal Interactive Studios nesta época, gostou do que viu, observando potencial na dupla. Assim, foi encomendado um projeto de um novo game, com foco no PlayStation, com um personagem que chegaria para ser um mascote de peso em uma era em que mascotes disputavam a atenção dos jogadores a todo momento: Crash Bandicoot, conhece?
Gosto muito de conhecer a história das coisas, pois é uma questão lá atrás, na jornada de uma pessoa ou, neste caso, estúdio, é quem define o rumo de várias coisas. E olhando hoje Uncharted ou The Last of Us, é bem “fácil” ver o potencial da Naughty Dog. Mas, se olharmos mais pra trás, tudo isso nasceu com muito improviso, pouca grana e vontade de fazer um game que chamasse a atenção.
Por causa disso, se não houvesse Way of the Warrior, não existiria Crash Bandicoot. E se não existisse Crash Bandicoot, dificilmente você teria jogado Jak and Dexter, a série Uncharted, ou teria conhecido Ellie e Joel em The Last of Us.