Análise Arkade: Batman: The Telltale Series (Ep.1) – Reino das Sombras

3 de agosto de 2016

Análise Arkade: Batman: The Telltale Series (Ep.1) - Reino das Sombras

Quando a Telltale anunciou que estava trabalhando em um novo jogo do Batman dentro de seu método bastante particular houve um misto de expectativa sobre o que a desenvolvedora que se notabilizou nos últimos anos por contar ótimas histórias interativas e saber bem como articular escolhas e decisões do jogador com a sua linha narrativa poderia trabalhar com um dos maiores personagens do mundo das HQs. O que vamos ver agora é se a missão de repetir (ou superar) o sucesso de produções anteriores foi cumprida nesse primeiro de um total de cinco episódios.

É Batman… e é Telltale!

Batman: The Telltale Series é uma história original do universo do personagem, agregando vários dos personagens clássicos de suas histórias em uma trama que envolve uma Gotham City tomada pelo crime e pela corrupção, um protagonista vestido de morcego e atormentado pela tragédia familiar que flutua entre o benfeitor e o justiceiro e seu eterno dilema de fazer as escolhas certas independentemente das consequências pessoais.

Ou seja, tudo o que de mais clássico e que já conhecemos do universo Batman nos cinemas, na TV ou nos games está ali, mas felizmente vai além. O jogo incrementa tudo isso ao elevar Bruce Wayne como alguém tão importante para Gotham quanto sua versão mascarada quando adiciona a politicagem ao mote principal e, ao mesmo tempo, eleva as habilidades investigativas do personagem a um estágio até então pouco explorado.

Análise Arkade: Batman: The Telltale Series (Ep.1) - Reino das Sombras

Em outras palavras, Bruce e Batman são tratados quase como dois personagens distintos dentro do jogo, ao mesmo tempo em que nada os separa completamente. Há momentos que se deve agir como Bruce, o playboy esnobe, herdeiro da maior fortuna da cidade e há outros em que se deve ser o Batman, vigilante mascarado em missões soturnas contra a escória de Gotham.

Ainda assim, tudo é feito de forma tão natural que essa divisão é quase dissolvida: são dois lados da mesma moeda, e experimentar essa dualidade é essencial na construção do personagem. Há muito mérito nessa construção narrativa pouco vista antes, mesmo nas HQs, pois ela ajuda a entender o porquê a Telltale resolveu revisitar um personagem tão presente em diferentes mídias. Ela achou algo novo do Batman para nos mostrar.

Análise Arkade: Batman: The Telltale Series (Ep.1) - Reino das Sombras

Tudo isso é muito bem-vindo quando o jogo apresenta um plot onde encontramos alguns dos vilões icônicos do universo do Batman antes de se tornarem aqueles que conhecemos — como Harvey Dent e Oswald Cobblepot –, ou mesmo presenciamos a versão Telltale do primeiro encontro com outros, como Mulher-Gato ou Carmine Falcone, e suas relações afetivas (ou nem tanto) com Bruce Wayne. O mais importante é dizer que aqui vamos ver mais do que um embate simplório de bem contra o mal, do mocinho contra o vilão. Tudo é muito mais cinza, mais nebuloso.

Jogabilidade de fato ou narrativa interativa?

Quem já jogou alguns dos últimos trabalhos da Telltale Games consegue facilmente identificar muito do padrão de jogabilidade da empresa. Diálogos muito afiados com três ou quatro opções de resposta que vão moldando a personalidade e o caráter do protagonista — e a forma como os outros o veem –, QTEs bem localizados em momentos de ação ou tensão e uns poucos momentos de exploração de ambiente, com interação definida com elementos do cenário.

Tudo isso está presente novamente aqui, com alguns comandos bem integrados ao espaço cênico do jogo. Há pequenos refinamentos, com comandos mais elaborados, rápidos e até combinados. As opções de diálogo tem uma leve diferenciação estética quando se joga com o Crowd Play (a parte multiplayer do jogo, que será detalhada mais a frente nesta análise) ligado para facilitar o entendimento, mas nada que chegue a causar estranhamento.

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Interessante também é que ao contrário do que foi feito em The Walking Dead: Michonne, a desenvolvedora não se limitou a só repetir a fórmula. A se destacar, está a capacidade de investigação no melhor estilo CSI. Isso é possível ao se relacionar alguns elementos da cena de um crime, por exemplo, para se chegar a alguma conclusão do que deve ter acontecido. Há, portanto, mais espaço para o erro que vão além dos movimentos de combate, algo que por vezes faltou em determinados jogos da desenvolvedora.

Esse novo sistema de relacionar pistas ainda é bastante divertido em momentos de análise de ambiente hostil e de programação de combate. Ao invadir um espaço cheio de bandidos, por exemplo, é possível primeiro prever como cada um deles será abatido: se será apanhado com o gancho, se o herói usará um objeto próximo para espancá-lo ou se vai simplesmente descer a porrada direta. Ver isso acontecendo depois é sensacional e dá vontade de voltar para fazer diferente depois.

Análise Arkade: Batman: The Telltale Series (Ep.1) - Reino das Sombras

Outro ponto interessante é que entre diferentes missões e momentos narrativos, Batman/Bruce volta à sua famosa Bat-Caverna, onde centraliza suas informações, analisa dados, evidências e traça seus próximos passos. E, claro, é ali que ocorrem os melhores diálogos com seu fiel escudeiro e mordomo Alfred. Interessante notar que o jogo usa o espaço da Caverna como uma espécie de HUB entre as missões.

É a partir dele que o jogador pode acessar informações do códice do jogo, seus personagens e elementos principais. É também onde se monitora a imprensa de Gotham por meio de jornais e programas de televisão. Assim, melhor que um menu separado para acessar esses conteúdos extras, há dentro da própria diegese recursos para isso, integrando-os a experiência imersiva do jogo. Isso vai se repetir ainda no final, quando o jogo oferece as clássicas estatísticas das escolhas principais feitas durante o episódio.

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Além da tradicional comparação com as opções de outros jogadores, ao final tudo o que acontece que seja fruto direto de suas escolhas é somado em uma produção televisiva que consegue contextualizar cada uma delas e criar uma espécie de resumo do que foi construído ao longo da jornada. Isso mostra o quão impactantes são as decisões para o contexto geral e, somando-se aos outros aprimoramentos de jogabilidade, dão um passo adiante na experiência do jogador.

Audiovisual

As obras adaptadas da Telltale, sobretudo aquelas que tem sua origem nos quadrinhos, tem uma identidade visual muito marcada, usando de modelos tridimensionais com filtros de cel shading para adquirem uma estética mais próxima da obra original. The Walking Dead talvez seja o maior símbolo da forma como se traduz uma mídia para outra. Em Batman, esta técnica que flerta com um realismo estilizado e o cartunesco se mantém, mas há um diferencial que agrega uma identidade única ao produto.

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Tudo parece mais sóbrio, mesmo quando traz os exageros como o clássico “queixo quadrado” característico dos quadrinhos. Não vou aqui definir o jogo com o bordão já ultrapassado do “sombrio e realista”, mas há de fato uma preocupação em trazer para o jogo um traço mais vigoroso. Os contornos bem marcados continuam ali, mas mais sutis e menos destacados que em outros jogos da empresa. Os pequenos bugs e glitches de colisão ou movimento ainda aparecem, mas de uma forma muito mais amena e quase imperceptível na maior parte do tempo.

O ambiente urbano é talvez o melhor trabalho cenográfico da empresa e tem um bom motivo para isso. Gotham é também protagonista nas histórias do Homem-Morcego. Nada mais justo que um cuidado especial com cada espaço ali retratado. Assim, um parque público, uma boate, a mansão Wayne ou um prédio comercial carregam em si detalhes que ajudam a consolidar a cidade ao centro da trama.

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Em termos sonoros, a ambiência, os efeitos sonoros e a música, ainda que com traços originais, remetem ao imaginário coletivo do universo de Batman. Você conhece e reconhece o som de um batarangue! Isso traz uma sensação imersiva familiar para o jogo. Tudo é novo, mas ao mesmo tempo, é confortável para o jogador.

A dublagem, disponível somente na versão original em inglês, causa controvérsias ao trazer Troy Baker — o Joel de The Last of Us e o Sam Drake de Uncharted 4 — para o papel principal. Curiosamente, Baker dublou o Coringa no jogo Arkham Origins e agora é o Batman/Bruce Wayne. Dublador competentíssimo, Baker faz um bom trabalho, mas é simplesmente estranho um Batman que não seja dublado pelo inconfundível timbre de Kevin Conroy, que é a voz do Batman há vários anos em animações e games.

O saldo é parecido com a forma como nós, brasileiros, estranhamos a mudança do dublador Márcio Seixas que fazia a voz do personagem nas animações clássicas dos anos 1990 e 2000 para Ettore Zuim, que assumiu a voz do personagem a partir dos filmes da trilogia de Christopher Nolan, inclusive nas versões nacionais dos jogos da série Arkham. Há um momento de estranhamento e adaptação, mas no geral o trabalho é bem feito e não incomoda, ainda que muitos fãs possam sentir falta do que já é consagrado.

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Essa qualidade destoa um pouco da localização das legendas para o português do Brasil, que muitas vezes falha na tradução de alguns termos e, em outros momentos, contém erros gramaticais bobos. Rolam até umas poucas legendas em inglês perdidas no meio das traduzidas. O resutlado é que algumas legendas soam estranhas durante as conversas e deixam a impressão que faltou tempo para que o texto brazuca fosse refinado com os devidos cuidados. Uma revisão rápida e uma atualização posterior provavelmente resolverão esse probleminha.

Abaixo, um trecho de quase 15 minutos de gameplay que compreende a introdução do jogo. Não há grandes spoilers da trama e o vídeo, já com a legenda nacional, ajuda a exemplificar questões visuais, da dublagem, da localização e da jogabilidade atualizada (a não ser dos momentos de investigação, para não estragar as surpresas e descobertas). Confira:

Multiplayer? Mais ou menos…

Uma das novidades mais aguardadas desde que foi anunciada é o que a Telltale chamou de Crowd Play, um formato de mutiplayer online colaborativo onde outras pessoas que estivessem acompanhando a jornada poderiam participar de uma espécie de votação em questões específicas do jogo, principalmente nas escolhas de diálogos. Há duas possibilidades: ou a votação decide por maioria ou o jogador que hospeda o jogo dá a palavra final.

Nos testes para esta análise, o recurso pareceu interessante, ainda que esteja muito mais próximo de um meio reativo do que de colaboração de fato. Afinal, não deixa de lembrar o formato clássico do programa Você Decide que fez sucesso nos anos 1990 na televisão onde se votava no final desejado. Há um fator social muito mais latente nesse recurso do que de fato ser uma função multiplayer. Afinal, permitir que outras pessoas opinem em decisões tão pessoais é algo que aproxima uma comunidade… e curiosamente se afasta um pouco da experiência tão pessoal típica dos games da Telltale.

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Durante nossa jogatina, deixar a função ligada causou alguns pequenos lags. Nada tão grande, mas que acaba atrapalhando principalmente quando ocorriam em momentos de reação rápida do gameplay. Não podemos afirmar se é um problema localizado, se tem a ver com o console ou com a minha internet, ou mesmo com o momento em que se estava jogando, mas não poderia deixar de apontar a questão, que pode ser um problema maior quando os servidores estiverem mais lotados.

No fim das contas, o Crowd Play é uma inovação ousada, mas que dificilmente será utilizada massivamente e nem deve mudar de fato a percepção da experiência do jogo. Pode ser legal para streamers, mas não para o gamer comum e anônimo, que está jogando tranquilo em casa. Por outro lado, muita gente goste de simplesmente “assistir” a esse tipo de jogo, e este recurso agrega um novo nível de interação ao game.

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Conclusão

Esse primeiro episódio de Batman: The Telltale Series se mostra essencialmente mais um trabalho digno e bem feito da desenvolvedora que se mantém firme dentro de suas convenções, mas não se limita a simplesmente replicar o que havia antes, pois inova bastante até de forma ousada em alguns momentos. O multiplayer e as novas funções são interessantes e inovadoras e apontam para um futuro muito promissor tanto para os próximos episódios quanto para novas produções da casa.

Ao mesmo tempo, este também é fundamentalmente um game do Batman, que traz diferentes aspectos da construção do personagem, seja como Bruce Wayne ou como o vigilante mascarado cheio de habilidades detetivescas e bat-apetrechos de seu indispensável cinto de utilidades. Se a primeira impressão é a que fica, pode-se dizer que esse casamento foi muito bem sucedido e abre espaço para a ansiedade pelo próximo episódio.

Batman: The Telltale Series está disponível para Playstation 4 (sistema onde foi jogado para essa análise), Xbox One, PC (via Steeam). Em breve ele deve sair também para PS3 e X360. A versão mobile foi lançada para Android e iOS, mas o elemento multiplayer não foi contemplado nestas plataformas.

Paulo Roberto Montanaro

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