Análise Arkade – Sociable Soccer 2024 é pouco sociável, mas muito futebol digital raiz

19 de junho de 2024
Análise Arkade - Sociable Soccer 2024 é pouco sociável, mas muito futebol digital raiz

Herdeiro espiritual da lendária franquia Sensible Soccer, que ganhou o coração de muita gente desde suas versões mais antigas lá do início dos anos 1990, Sociable Soccer 2024 chega com a indigesta missão de se estabelecer como contraponto da forma sisuda como o futebol digital evoluiu nas últimas décadas, sobretudo como fruto da disputa entre EA e Konami pela liderança do mercado.

Sem quaisquer pretensões de competir diretamente por esses gigantes bem estabelecidos, porém, o game promete trazer a simplicidade arcade de volta aos gramados virtuais, algo que se perdeu no mainstream e cuja lacuna o modelo independente ainda não havia conseguido preencher.

Só quero bater uma bolinha

Quem acompanha o gênero esportivo nos tempos mais recentes sabe que a EA Sports, mesmo depois de se desfazer do acordo com a principal entidade do futebol mundial, continua reinando soberana no seguimento, uma vez que o formato free-to-play adotado pela principal concorrente Konami com seu eFootball (ex-PES), enquanto o promissor UFL ainda dá seus primeiros passos e está longe de um estado minimamente aceitável.

Todos eles transitam em um espectro muito particular dentro de uma lógica de simulação realista, buscando aperfeiçoar movimentação, dribles, jogadas sofisticadas, comportamento da IA, dentre outras ações que visam se aproximar, esteticamente e em gameplay, do esporte real.

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Isso vale tanto para o que acontece dentro de campo como fora dele, e o gerenciamento dos bastidores tenta se mostrar cada vez mais profundo e complicado, o que é ótimo ao atender uma demanda crescente de uma parcela fiel de jogadores que estudam o esporte e que acompanham cada nuance da economia, contratações, patrocínios, esquemas táticos, bastidores e tudo mais. Por outro lado, está cada vez mais difícil para pessoas que não tem todo esse apreço pelo realismo de entrar e curtir uma peleja sozinho ou com os amigos. É difícil até decorar os comandos mais básicos do jogo, então imagine ações de controle de bola, dribles elaborados, ações coletivas e mais uma tonelada de funções auxiliares.

Sociable Soccer 2024 é exatamente o extremo oposto de tudo isso e se preza a ser tão diferente do que nos acostumamos nos últimos anos que nem parece mais um jogo de futebol, mas sim de pebolim – ou totó, dependendo da região onde você mora – ao ser tão direto quanto possível ao ponto. Já é de se estranhar a ausência total de microtransações, mesmo que se apoie bastante em mecânicas de gatcha, mas isso nem de perto é o seu maior diferencial.

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O menu principal leva a modos bastante convencionais sem qualquer rodeio e possibilita que em dois minutinhos já estejamos em campo, disputando partidas que duram outros cinco, no máximo. Sabe aqueles quinze minutinhos de bobeira na hora do almoço ou antes de dormir? Então, dá pra jogar quase um campeonato inteiro nesse tempo. O acesso é objetivo, e todo o texto do game estar devidamente localizado para o nosso idioma é perfeito, como nos bons tempos.

Tão simples quanto chegar ao início de uma partida é participar dela. Tanto que demora um pouco para nos acostumarmos em não apertar 47 botões para tomar a bola do adversário, por exemplo. Eu já tinha me esquecido de como era ótima a sensação de chegar na frente de um adversário com a pelota dominada e ficar com ela só por chegar antes, assim, sem mais nem menos. Claro que eu posso atacar com um carrinho, mas a certeza de que não vou arrebentar o adversário no meio do caminho tem que ser enorme para não terminar o jogo só com o goleiro em campo, porque a não ser que seja bem preciso, o movimento é sempre uma falta para cartão. Minha primeira partida foi um desastre, tomando de 3×0 e com quatro jogadores expulsos.

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A ação de defesa reflete também a objetividade quando em ataque. É possível passar a bola com passes curtos ou longos, e chutar para o gol. No máximo, dar uma corridinha para deixar o adversário para trás por alguns instantes e limpar a visão para o arremate. Assim que eu entendi um pouco desta dinâmica mais crua de se jogar, tive um déjà-vu da época em que jogava Super Futebol no Master System, antes mesmo de começar a levar a coisa um pouco mais a sério com Internacional Super Star Soccer Deluxe.

Roube a bola, toque para um companheiro melhor posicionado, dá uma gingadinha pra abrir o ângulo para o chute (com cuidado para não deixar a bola para trás em um movimento brusco) e pimba. Por mais óbvia que pareça a descrição, já parecia algo superado por tantas outras preocupações estabelecidas pelos jogos mais modernos.

Sem romantizar demais a falta de recursos mais sofisticados, esta simplicidade traz consigo certos anacronismos incômodos. O comportamento dos goleiros – sempre eles – é errático e bastante instável. Ao mesmo tempo em que fazem defesas milagrosas de tiros certos, em outras podem tomar frangos homéricos sem qualquer aviso.

A prática leva a aprender alguns macetes, como encontrar alguns pontos de chute cuja probabilidade de se acertar o alvo é maior. A câmera superior, que homenageia as produções que inspiram este jogo, é bem útil para se melhorar a precisão do arremate, e o bom uso de chutes curvos também se torna uma boa arma para vencer essa quase aleatoriedade dos arqueiros, mas são macetes que ferem o princípio de simplicidade que o jogo tanto parece pregar.

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Modos: onde menos é mais

Outra ótima novidade é, ironicamente, que não há surpresas em uma seleção de modos dos mais convencionais que atendem diretamente as expectativas mais comuns. Na categoria Mundo, há uma infinidades de torneios a serem disputados em busca de uma taça. São nada menos que 78 troféus a serem disputados, entre ligas e copas nacionais, torneios interclubes, campeonatos continentais entre seleções e, claro, a copa do mundo. Nenhum deles tem seus nomes oficiais por questão de licenças, mas estão todos lá, altamente reconhecíveis sem qualquer firula ou disfarce. A galeria de conquistas dentro do jogo é simplesmente insana e demanda tempo e vontade para ser preenchida.

A ausência de licenciamento também afeta os clubes e seleções, com nenhuma delas utilizando o escudo oficial. No caso dos selecionados, a bandeira do país até está lá, mas não o símbolo da federação ou da confederação, como a CBF no caso brasileiro, o que sinceramente parece ser mais uma vantagem do que qualquer outra coisa.

Pelo lado dos jogadores, aí sim há uma parcela significativa de representações de atletas reais porque a FIFPro, uma licença especial vinculada à associação dos jogadores, autorizou o uso. Não são todos, infelizmente, e mais uma vez nós aqui somos prejudicados, porque enquanto seleções e times europeus tem seus elencos completos, os nossos aqui são cheios de jogadores genéricos. Se pelo menos tivesse o Alejo

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A dinâmica da Carreira, por outro lado, é um pouco diferente do que se está acostumado, e ele está muito mais próximo do que é o Ultimate Team, no ex-FIFA. Você assume um time qualquer com jogadores ainda mais genéricos do que o de costume, e precisa gerenciar o seu elenco para melhorá-lo e avançar por entre as divisões. Deste modo, você joga partidas contra times controlados pela CPU de nível parecido com o seu, e ao vencer, ganha XP e recebe, em alguns checkpoints específicos, novas cartas com mais jogadores que podem qualificar o seu time, ou servir de sacrifício para upar uma peça já existente. Claro que, novamente, nada tão complexo como mercado de transferências, ligas multiplayer ou coisas do tipo, e nesse caso se parece mais com um modelo de games mobile do que com outros mais complexos.

Confesso que compreendo o quão sedutor é o sistema de sempre descobrir o que a aleatoriedade nos reserva para a próxima conquista, mas em um jogo que tem um outro modo com mais de 1400 elencos disputando taças, o que significa ao em torno dos 13 mil atletas licenciados para se experimentar, ficar preso a um modo que me oferece de tempos em tempos um jogador mediano parece uma forma mal otimizada de se aproveitar Sociable Soccer 2024, isso sem contar a possibilidade da disputa de amistosos únicos contra um adversário de sofá, que é a melhor forma de se aproveitar um jogo como esse em toda a plenitude da sua falta de compromisso com um pretenso realismo, isso se ambos os jogadores deixarem o espírito de competitividade de lado, porque pra se levar a sério, já basta a vida real.

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A beleza do ordinário

Definitivamente, não há aqui qualquer tentativa de emulação da tonalidade de verde do gramado do Santiago Bernabéu, nem a reprodução dos cantos emocionantes da torcida do Liverpool. Nada do movimento sedoso dos cabelos de Lionel Messi ou da expressão de poucos amigos de Tony Kroos. Sabe as ótimas narrações de Gustavo Villani e de Milton Leite? Esqueça. Todo o aspecto audiovisual do jogo é reduzido a uma estética minimalista, onde a relação entre os personagens e suas contrapartes reais fica para o tom da pele, e olhe lá. Você só vai saber que o Mbappé é ele quando a foto aparece no replay do gol, pela legenda escondida ou na velocidade dele em campo diante dos demais bonecos. Sociable Soccer 2024 não está nem um pouco preocupado com isso.

O quanto isso é bom ou ruim para o jogo – e para a saúde mental de seus desenvolvedores – vai depender daquilo que o jogador espera. O fato, entretanto, é que o game parece bastante defasado tecnicamente em relação ao momento atual, mesmo rodando no hardware mais modesto do Nintendo Switch, versão utilizada para esta análise, ficando, por exemplo, duas gerações atrás da entrega da versão legada de EA Sports FC, só para comparar com outra produção do mesmo gênero. Visualmente, portanto, o jogo é funcional, e não passa disso, salvo pelo caráter cartunesco de expressões e, principalmente de figuras como os árbitros de cada partida. Há um humor mais escrachado aqui, algo que seria muito bem vindo, por exemplo, no lugar das fotografias reais nas cartas de cada jogador.

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O lado sonoro da obra é um pouco pior, se resumindo ao ruído repetitivo da toque da bola, das investidas em carrinhos e do apito do juiz, com a entrada do grito da torcida, que mais parece um chiado mixado de alguns resmungos e outros sons estranhos do que qualquer outra coisa, em momentos de gol ou de perigo. A batida musical repetitiva dos menus diminui um pouco a sensação de ausência sonora (o que é diferente do uso do silêncio, quando bem feito), mas sem muito o que oferecer para ambientação, o jogo é uma pobreza enorme no aspecto artístico. Se a sátira é uma saída interessante ao status quo, faltou ao game um pouco mais de coragem para levá-la realmente ao limite.

Conclusão

De sociável mesmo, Sociable Soccer 2024 guarda o multiplayer local, porque até o momento, não há qualquer forma de se aproveitá-lo on-line, seja com amigos, seja com desconhecidos. Alguns sinais, entretanto, como uma caixa de entrada destacada e várias dicas nas páginas oficiais, levam a crer que esse fator mais cooperativo e competitivo deve chegar ao game em algum momento posterior ao seu lançamento. No estado atual, é mais fácil afirmar que este é um jogo de futebol amigável, que encontra na simpatia da sua simplicidade uma forma de cativar jogadores mais comuns, aquilo que hoje chamaríamos de casuais, o que não deixa de ser uma brisa fresca dentro de um gênero tão nichado.

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Se visualmente o game está longe de almejar qualquer sensação de realismo, ele também fica no meio do caminho quando tenta se apropriar do caricato, e mesmo flertando com uma pegada mais cartunesca, parece ter receio de investir nessa linha mais debochada, talvez por continuar envolvendo o rosto de atletas reais, desculpa da qual a pobreza sonora não pode se apropriar. Já pelo lado da jogabilidade, usando de poucos comandos, o game é bem sucedido ao nos transportar para um tempo menos complicado, mas abre mão de algumas ferramentas mais recentes para ir além de só reproduzir aquilo que já foi bom. Ao se colocar no extremo oposto de seus concorrentes, ele perde a oportunidade de abraçar o meio-termo em um ou outro momento onde a junção de passado e presente valorizaria a diversão.

Disponível para PC desde novembro de 2023, Sociable Soccer 2024 chegou ao Nintendo Switch em 07 de junho de 2024 totalmente localizado, em textos e menus, para o português brasileiro.

Paulo Roberto Montanaro

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