2ª temporada de O Rei da TV escancara a ficção, mas continua uma boa história sobre Silvio Santos
Antes de mais nada, vamos deixar uma coisa bem clara, já no primeiro parágrafo. Para entender este segundo ano de O Rei da TV, é preciso ignorar qualquer exatidão histórica, ou qualquer elemento que faça do seriado uma possível biografia televisiva sobre Silvio Santos. Se no primeiro ano já era possível ver que a ficção caminhava lado a lado com a realidade, desta vez as portas da ficção foram completamente escancarada.
Dito isso, vamos seguir pela história apresentada no Star+, que havia terminado na temporada do ano passado com a potencial candidatura à presidência por parte do apresentador, algo que realmente aconteceu e que é explorada nesta segunda temporada.
Assim como no ano passado, elementos da história de Silvio foram usados de base, como a sua candidatura em 1989, os graves problemas vividos pelo seu banco, o PanAmericano, em 2010, e o sequestro de Patrícia Abravanel, sua filha, que aconteceu em 2001, mas que por aqui foi erroneamente (de propósito), levado para os anos 90.
Inclusive, tudo na série está “errado”. Abraçando a ficção de vez, e usando a vida do apresentador apenas de base para a obra, podemos ver as guerras de audiência com a Globo acontecendo “antes da hora”, o Domingo Legal estreando dois anos antes da data real ou ainda uma imprecisão, também proposital, com equipamentos e itens que fogem completamente do que era corretamente histórico.
Tal mudança, ao meu ver, se torna positiva, pois, mesmo “sabendo do final da história”, o expectador consegue imaginar as coisas acontecendo de forma diferente, além de permitir que o roteiro caminhe por caminhos mais livres, sem a necessidade de se prender em uma biografia. No ano passado, a linha entre real e fantasia era menos perceptível, o que rendeu críticas de algumas pessoas, incluindo a própria família de Silvio, dizendo que “o pai não era assim”.
Logo, ao fugir do realismo, a ponto de errar de propósito algumas datas, sabemos de forma bem simples que não estamos vendo uma biografia do “patrão”, e sim uma história que se baseia em sua história. Mas sem deixar de lado, claro, todas aquelas coisas que deixam bem claro que estamos falando de Sílvio Santos.
O auditório mais feminino do Brasil da caravana de Guarulhos, os jurados, o Show de Calouros, e todos os outros elementos característicos estão lá, junto das figuras que já conhecemos da outra temporada, como o Gugu, que segue sendo vivido brilhantemente por Paulo Nigro, e Íris Abravanel, que também evoluiu muito na alma de Leona Cavalli. Vale destacar a atuação de Barbara Maia, que viveu a Patrícia Abravanel que, por sua importância nesta temporada, fez bem a sua parte e deu conta do recado.
Outras figuras também foram adicionadas, somando ainda ao ar nostálgico que a série quer passar. Temos uma boy band que é claramente o Dominó dos tempos de Manequim, temos o Faustão que se torna uma arma da Globo contra o SBT, temos o Domingo Legal com banheira e tudo, o Aqui Agora, e até os presidenciáveis de 89, como os então candidatos Lula, Maluf, Brizola e Collor. Sabe quem faltou aqui? Os Mamonas Assassinas, que eram utilizados pelas duas emissoras na conhecida “guerra de audiência” nos domingos.
Mesmo com muita inconsistência temporal, como um videocassete do final dos anos 90 sendo usado em 1989, há muita nostalgia em todos os momentos do seriado, que se torna uma arma para contar as suas histórias. O sequestro de Patrícia ganha mais intensidade no final, enquanto a história envolvendo o PanAmericano foi trazida de forma bem fraca, apenas para apresentar o Silvio empresário de forma mais profunda. Na verdade eu senti foi falta é do Silvio jovem, que foi uma boa ideia na temporada passada.
Mas, pelo menos pra mim, o período entre o final dos anos 80 e começo dos anos 90 foi o que realmente fez a série valer a pena. Rever, mesmo sem nenhuma precisão histórica, momentos de quando era criança revividos no seriado foi sim algo bem interessante. Desta vez, temos apenas “um Silvio“, vivido por José Rubens Chachá, que mais uma vez vive bem o Homem do Baú.
Nos anos 80 e 90, temos não só a segurança do elenco principal, que garante a qualidade da obra, como o brilho de outras figuras da época, que eventualmente chamam atenção na série, como Elke Maravilha, Gil Gomes, Sérgio Mallandro ou o Pedro de Lara. Mas ainda fez falta as pegadinhas do Ivo Holanda.
O segundo ano de O Rei da TV segue divertido, e quando se permite, segue sendo altamente nostálgico. Desta vez, os “três arcos” não conversaram tão bem entre si, me fazendo praticamente ignorar a existência da história envolvendo a fraude com o banco. Mas, ainda assim, vale muito a pena para quem gosta não apenas do Silvio, mas também de todas as bizarrices que a TV brasileira se propunha a produzir durante os anos 90.
Vale lembrar que ainda tem muita coisa sobre o Silvio Santos que pode ser explorada: a época do Topa Tudo por Dinheiro, o começo dos anos 2000, onde o apresentador fez sucesso com o Show do Milhão ou com a Casa dos Artistas, ou mesmo a “épica” entrevista para a Contigo em 2003, onde o apresentador mentiu na cara dura, dizendo que estava vivendo seus últimos dias devido a uma doença terminal, e que havia vendido o SBT para a Televisa e o Boni.
O Rei da TV está disponível, com suas duas temporadas, no Star+.