Análise Arkade – Ghost Recon Breakpoint traz bom gameplay, mas ideias equivocadas
Uma das grandes apostas da Ubisoft neste ano, Ghost Recon Breakpoint passou por várias fases. Houveram demonstrações, betas, e, no começo de outubro, foi enfim lançado. Em minhas primeiras impressões, destaquei o interessante gameplay, o potencial de grandeza na ilha de Auroa, mas já vi que os servidores, e outras questões de negócios da Ubisoft, seriam problema.
Após jogá-lo mais, conferir suas atualizações, e explorar melhor o mundo do game, foi possível entender melhor o que o game tem para oferecer. De cara, já adianto: é um bom jogo, mas com decisões de desenvolvimento estranhas, e uma impressão de que tal jogo deveria ser lançado na próxima geração de games, e não na atual.
O fim da “festa” de Wildlands
Uma das promessas da Ubisoft é que este novo Ghost Recon faria, novamente, jus ao título de game estratégico que carrega. Wildlands não é ruim, mas, com exceção de alguns elementos típicos da série, o que temos, no fim, é um jogo de ação em um mundo aberto. Breakpoint é mais sério, neste ponto.
Começando pela ambientação. Acabou a “farra” colombiana, com um vilão que tinha aura de líder religioso, em um game mais “colorido”, com músicas, plantações de coca e tudo o mais. Aqui, a situação é mais melancólica: seu helicóptero caiu, a maior parte dos seus companheiros estão mortos, o único refúgio é uma caverna, e o grande vilão é seu ex-companheiro.
Isso já deixa o game com um tom bem mais sério. A ilha, com suas bases escondidas, cidades-modelo e a sua mistura entre a mais alta tecnologia e a vegetação típica de um local como este, oferece ao jogador um combate muito mais técnico e completo, em comparação ao seu antecessor. Você precisa, de fato, conhecer bem o terreno onde pisa, observar a ação dos inimigos e planejar sua ação, valorizando sempre os alvos-chave.
Assim, você pode planejar sua ação invadindo a base silenciosamente, desligar a energia elétrica, ou atacando primeiro o cara do rádio, para evitar a chamada de reforços. Além disso, os drones inimigos também são uma divertida dor de cabeça. O que fará que jogadores mais apressados tenham que lidar com um gameplay mais lento, e focado na estratégia.
Isso deixa as missões muito mais longas. Afinal, em algumas delas, você precisa ir em um local, investigar pistas, evitar ser visto, e dar um jeito de buscar um transporte, e ir até outro local. Sim, existem pontos de viagem rápida, mas mesmo assim, você precisa de transporte a maior parte do tempo.
Peca apenas as questões “não-realistas” em um game que prometia maior realismo. Se esconder e ficar invisível apenas em um arbusto pequeno beira o ridículo. E a camuflagem, que permite que você se disfarce com o ambiente, é tosca. Pois, não dá pra se movimentar camuflado, além de que a camuflagem “desaparece” assim que você anda. Faltou capricho neste e em outros detalhes, como a direção dos carros, que também ficou bem esquisito.
Dito isso, se você quer apenas um título de combate tático, e não se importa muito com enredo, extras de gameplay e exploração de ambiente, Breakpoint é uma ótima opção pra você. Tiroteio de primeira qualidade, exigência de reconhecimento antes de cada investida, e várias opções de ataque ou evasão, que vai definir o seu estilo de gameplay.
Muita coisa pra pouca necessidade
Ghost Recon Breakpoint é um game de ação tática, que poderia ser realizado em um mundo aberto, ou em cenários fechados. A decisão da Ubisoft foi a de manter o game com mundo aberto, até pela razão de que praticamente todos os títulos da empresa são assim. Mas, além do mundo aberto, o game tem uma tonelada de opções.
Temos uma árvore de habilidades, com sistema de classes. Temos um sistema de loot, que permite que, assim como em The Division 2, você tenha acesso a armas e itens de níveis maiores, podendo fazer upgrade nelas, e se qualificando para as missões mais avançadas do game. Também existe um sistema de personalizar o personagem. E uma árvore confusa de missões, que mistura em um painel só as missões principais e secundárias.
Tudo muito bem intencionado, mas confuso. As armas, no sistema apresentado, só servem para trocar por armas de níveis melhores. Serão poucos os jogadores que irão se dedicar neste quesito. O sistema de habilidade também é confuso, pois você pode ativar uma classe, e diversas habilidades extras, as quais você não vai usar a grande maioria. Não são cruciais, como as dos games recentes Assassin’s Creed. Há uma sensação cosmética, embora há sim, algum benefício, mesmo que pouco, nestes upgrades.
O sistema de missões também é muito estranho. O esquema, de novo, de Assassin’s Creed Odyssey é tão prático, então qual o motivo para se criar um esquema tão confuso, Ubisoft? A sensação de transmitir um mural de tarefas é bem intencionada, mas da forma que ficou apresentada, tudo se mistura. Sem contar os inúmeros documentos recolhidos que, diferente de Resident Evil, não dá ao jogador o interesse de conferir o que estão neles.
Isso sem falar nos acampamentos, que, assim como em Tomb Raider, serviriam para fazer upgrades rápidos e ver o personagem. Acontece que, por aqui, o sistema é inútil, pois o que você faz, na prática, é comer, ou beber água, para garantir mais resistência ou fôlego. E, o trabalho de se fazer isso, por um benefício dispensável, é mais um elemento que vai ter gente que vai terminar o game sem nunca nem montar uma barraca.
Há uma boa vontade de colocar conteúdos no game, para deixá-lo atraente. O problema é que foi muita coisa colocada, que faz com que o jogador passe muito tempo dentro do menu do game, ao invés de aproveitar a ação. Isso é ruim para o game, e faz com que dê a vontade de ignorar tudo o que der, em favor de mais tempo de gameplay.
Sobrevivendo no meio do nada
A ilha de Auroa é bem interessante. Grande, e cheia de detalhes, há cenários na praia, cidade, montanhas de neve, pântanos e muito mais. Essa variedade de local é rico para o game, e mostra que a equipe se dedicou para montar a ilha. Mesmo que, em diversos momentos, você se encontre, praticamente, no meio do nada.
Algo normal para uma ilha neste formato. Mas o game não oferece muitas alternativas para o jogador explorar o mundo. Até porque tudo é muito longe, e mesmo com viagens rápidas, você pode parar em um lugar sem vida e veículos por perto, o que vai te fazer desistir daquela exploração que queria fazer.
E, no mundo do game, há ainda mais problemas. É comum você ver o mundo se construindo na sua frente, além de bugs, que incluem até, ás vezes, as armas “invisíveis”. Os veículos, seguem com uma dirigibilidade terrível, e no fim das contas, o helicóptero é o veículo com o qual você mais irá se locomover.
O sistema de sobrevivência, que exigiria do jogador cuidados com ambientação ou cuidados médicos, é muito limitado. Metal Gear Solid 3, um game de 2005, conta com recursos muito mais completos, que soma ainda, aos cuidados médicos, elementos como fome e resistência. A impressão que tínhamos nos trailers era de ver o personagem sofrendo com um machucado, resolvido apenas com uma intervenção. Mas, na prática, “é só tomar um remédio” e tá tudo certo.
Sem falar nos problemas de controle. A câmera muda de ombro direto, e o sistema de cobertura não funciona muito bem. Você pode trocar de ombro com um botão, mesmo assim o jogo “troca” do nada, e incomoda. O controle, burocrático, faz o jogador perder a vida, várias vezes, por simplesmente não conseguir entrar em um veículo a tempo, para fugir (isso quando ele não sobe no banco do carona, sem querer).
Breakpoint é um game, novamente, de ação tática. Talvez, um “mundo aberto” como o de The Division faria mais sentido por aqui. Pois o que vale aqui, é a ação militar, e não a exploração. No fim, a melhor maneira de se aproveitar o game é trocar sempre as armas por armas melhores, fazer as missões e seguir o barco, usando e abusando das viagens rápidas. Uma pena, pois o mundo do jogo é, de fato, muito bonito. Mas os problemas não compensam a paisagem.
Uma história boa, mas que não convence
Jon Bernthal, de The Walking Dead e O Justiceiro, fez um bom trabalho, como o vilão Walker, nas divulgações do trailer. A ideia era ampliar as capacidades cinematográficas da trama, dando ao jogador uma história mais completa. Outro equívoco do game. Embora tenha um começo cinematográfico, com a sua “chegada” na ilha, o que temos, depois da chegada na caverna, são cutscentes que, em poucas vezes, empolgarão.
São muito frias, cruas, e sem sal, na maior parte do tempo. Logo, se perde a vontade de querer conhecer mais o rico mundo de Auroa, e todas os mistérios que a cercam, desde os tempos de guerra fria. Mesmo o passado de Walker, que explica a razão do soldado se tornar o líder dos Wolves, ou a explicação de coisas que acontecem na ilha, não são suficientes para prender o jogador.
O game se garante apenas em suas missões, que, seja como principal ou não, seguem a mesma prática. Só não são repetitivas, pois há elementos de investigação além da ação, ou atividades como a libertação de prisioneiros. Além disso, as ações acontecem de maneira bem diferente umas das outras, graças a boa estrutura de locais e de inimigos que o jogo oferece.
Tal enredo, que foi prometido como uma boa justificativa para o gameplay, não convence nem no co-op. O cooperativo aqui não é obrigatório, embora, claro, que tudo fique mais divertido para quem gosta de jogar em grupo. Dito isso, é mais um game que repete a boa fórmula da Ubisoft: visite NPCs, faça missões, volte até eles para falar que deu tudo certo, explore o mapa e curta, se quiser, o cooperativo.
Um bom game cercado por ideias ruins
Uma impressão que tive ao jogar Ghost Recon Breakpoint, é a de que o game está “preso” em limitações dos consoles atuais. Não temos, por exemplo, a equipe controlada por IA, como acontecia em Wildlands. O mundo aberto do jogo, é na maior parte dele, espaço vazio. A grande demanda de conteúdo está em menus e configurações. E o visual do game, embora bonito, sofre com questões técnicas, como a construção constantes de cenários.
Será que um game como este não teria melhor desempenho em um PS5/Scarlett? Um console com capacidades melhores poderia gerar um mundo aberto mais completo, com mais a se explorar, além de garantir mais elementos práticos de gameplay. Repito: o game bebeu muito da fonte de The Division, mas o formato de mundo do game, aqui, seria o melhor a ser utilizado.
E um outro problema aqui, que já está presente em alguns games da Ubisoft, é a obrigatoriedade de estar conectado à Internet, mesmo que seja para jogar sozinho. Não sei a razão que a Ubisoft escolheu deixar o game conectado desta forma, mas uma opção “deixar offline” não faria mal nenhum. O game fica inacessível, caso você esteja sem Internet, e isso é muito ruim. Isso quando o próprio servidor fica offline, ou precise passar por alguma atualização. É inaceitável.
Entenda: Breakpoint não é um game ruim. Muito pelo contrário. A sua proposta principal, que é o tiroteio tático, funciona e muito bem. A movimentação, salvo os problemas apresentados, é suficiente, e a ação, que envolve reconhecimento, e planejamento, é muito divertida. O problema são as decisões que cercam o game, que, buscando somar, acabam atrapalhando.
A grande parte das decisões tomadas em Breakpoint acabaram justificando a reação negativa da comunidade. E é triste, pois, na sua essência, o game é sim muito bom. Mas os jogadores acabam entendendo que estas decisões equivocadas acabam atrapalhando a experiência. Ainda mais quando não conseguem jogar por problemas com a Internet ou o servidor do game.
Que a Ubisoft entenda bem estes problemas e ouça seus jogadores. A fase da empresa é boa, seus últimos games são muito bons, e a “fórmula Ubisoft” de games também segue bem interessante. Mas é preciso tomar cuidado em certas decisões, que não parecem que são tomadas por pessoas que entendem a dinâmica dos videogames hoje em dia. E coloquem um “deixar offline” o quanto antes, por favor.
Ghost Recon Breakpoint está disponível para Playstation 4, Xbox One e PC. E também terá uma versão para o Google Stadia, assim que a plataforma for inaugurada.