Começou assim: Mattel Auto Race, o primeiro videogame portátil de todos
Quando falamos de consoles portáteis, na memória de muitos de nós aparece apenas uma coisa: Game Boy. O portátil da Nintendo, além de ter obtido um enorme sucesso, também pode ser considerado um dos videogames mais importantes já criados. Pois ditou um modelo de negócios, no qual a Nintendo foi soberana por mais de três décadas.
Entretanto, diferente do nosso imaginário, o Game Boy não foi o primeiro videogame portátil já criado. Sim, ele tem sua importância por elevar o conceito, ganhando em seu pequeno design, elementos de videogames de mesa, como a capacidade de processar gráficos em tela, além dos games em cartucho. Mas não foi o primeiro dispositivo a ter tela e botões de ação.
E não, nem o Game & Watch, outro dispositivo importante da Nintendo (que inclusive foi relançado) chegou primeiro. Hoje, vamos falar do Mattel Auto Race, o dispositivo que foi lançado em 1976, e que trouxe ao mundo conceitos que fariam parte das vidas dos adeptos da jogatina portátil pelos próximos anos.
Calculadora, a “irmã mais velha” dos games portáteis
Podemos falar que os videogames portáteis são, de alguma forma, “irmãos mais novos” das calculadoras portáteis. Estes dispositivos já eram populares nos anos 70, e deu uma ideia a George J. Klose, um engenheiro de desenvolvimento de produto da Mattel. Ele resolveu reaproveitar uma calculadora padrão para criar um jogo eletrônico portátil. Para funcionar como game, ele usou os elementos do display que, ao invés de formar números, agora se movimentariam em forma de carros de corrida.
Nos anos 70, Racing 3D, Night Driver e até o já polêmico Death Race eram alguns dos muitos games de corrida disponíveis nos arcades. Além disso, o automobilismo vivia uma era de ouro, seja na Fórmula 1, ou em esportes populares nos EUA, como a Indy. Então a escolha do tema foi bem simples. Klose fez uma prova de conceito usando um blip da calculadora se movendo na tela de LED.
Para fabricar o até então conceito, Klose, acompanhado de seu gerente Richard Cheng, buscou parceria com a Rockwell International, a líder na época do mercado de design de chips para calculadoras. Nesta conversa, Mark Lesser, um engenheiro de design de circuito da Rockwell, escreveu o software para o futuro jogo da Mattel. Ele redesenhou um chip de calculadora, incluindo, assim, um esquema para somar um driver de vídeo e outro de som.
Escreveu o game em Assembly, e fez o possível para encaixar nos mínimos 512 bytes de ROM (um cartucho de Atari 2600 tinha entre 8 kB a 16 kB). Como o portátil não tinha processamento de som, a saída foi utilizar um loop de temporização, do próprio software, para produzir o som do jogo.
É importante observar que tal conceito também funcionou muito bem no Game & Watch, da Nintendo. E também nos mini-games da Tiger (que foram vendidos por aqui pela Tec Toy), sem esquecer dos famosos “Brick Game 999 in 1”.
Recepção positiva e o nascimento de um conceito
O primeiro projeto com um hardware de jogos portátil da Mattel foi bem aceito. Foi lançado pelo valor, na época, de US$ 24,99. Com valores corrigidos pela inflação, tal produto custaria hoje o equivalente a US$ 115, ou, em reais, R$ 643. Assim, foi considerado caro para o seu segmento, em seu tempo. Para efeito de contextualização, o Game & Watch foi relançado pela Nintendo em 2020 por US$ 49,99.
Em uma época na qual Barbie e Hot Wheels eram sinônimos de Mattel (e de brinquedos), o Auto Race, embora tenha chegado em uma época na qual videogame ainda era um negócio que não tinha a total confiança nem do mercado e nem do consumidor, chegou a vender o suficiente para um sucessor. Assim, em 1977, chegou Mattel Football, e este sim, foi um grande sucesso, vendendo muito mais do que seu antecessor. O game, usando do popular futebol americano para chamar atenção, esgotava frequentemente das lojas, e rendeu à Mattel uma divisão de eletrônicos, fundada em 1978.
Entre sucessos e ideias não tão bem aceitas pelo público, a Mattel manteve uma interessante história no mundo dos videogames nos anos que se passaram.
Já o mundo dos games, viveria nos anos seguintes uma ebulição. Entre os sucessos dos arcades e consoles, e a grande crise do setor nos anos 80, tivemos, no início da década, a chegada do Game & Watch, o primeiro indício de que a Nintendo seria soberana no mundo dos portáteis, consolidado em 1989, com o Game Boy.
Ainda nos anos 70, mais precisamente em 1979, tivemos também o Microvision, da Milton Bradley, uma centenária companhia de brinquedos dos EUA, hoje incorporada pela Hasbro. Lançado por US$ 49,99, o portátil também fez história por ser o primeiro console portátil que aceitaria cartuchos variados para criar experiências de jogos diferentes, em apenas um dispositivo.
O Microvision contava com um design semelhante ao que seria o Game Boy lançado dez anos depois, com o formato vertical. A diferença óbvia era a de que, enquanto o Game Boy era um legítimo videogame, com games desenvolvidos nos mesmos moldes dos sistemas de mesa, o Microvision tinha uma proposta muito mais simples, com placas frontais ajudando no gameplay, oferecendo a tela de jogo adaptada, e botões específicos.
Depois do Mattel Auto Race, o mundo dos videogames portáteis cresceu, em qualidade e variedade. Tivemos opções para todos os bolsos e gostos, além de sucessos e fracassos. Atualmente, o mundo portátil pode ser resumido aos smartphones e tablets, mas nada pode apagar o legado dos diversos aparelhos pequenos que, em tempos sem internet, eram o que nos garantiam diversão em momentos específicos das nossas vidas.