Análise Arkade: Night Book, um thriller sobrenatural em FMV com 15 finais diferentes
Night Book, jogo em FMV que está sendo lançado hoje, nos apresenta a uma breve mas interessante thriller sobrenatural, documentado pelas câmeras de segurança de um apartamento! Confira agora nossa análise!
Acho que eu já disse isso muita vezes aqui, mas eu tenho uma certa fascinação por jogos em FMV. Sei que há uma certa tosqueira inerente ao gênero — em geral, são produções de baixo orçamento, salvo notáveis exceções –, mas eu realmente gosto dessa ideia de filme interativo desde os tempos do saudoso Phantasmagoria, ou do bizarro Night Trap.
Nos últimos anos, a publisher independente Wales Interactive vem lançando diversos jogos nessa linha — filmados com atores reais e com histórias pautadas pelas decisões do jogador. Alguns desses jogos são muito bons — The Shapeshifting Detective, de 2018, ainda é um dos meus favoritos — e é bom ver que a empresa segue empenhada em manter o gênero vivo, ano após ano. Aliás, esse já é o segundo título em FMV que eles lançam em 2021 (o primeiro foi I Saw Black Clouds, lançado em março).
A maldição do idioma Nakkar
Night Book nos apresenta a uma jovem grávida chamada Loralyn. Ela trabalha como intérprete para uma empresa chamada Glossa Língua, “traduzindo” videochamadas entre pessoas que não falam o mesmo idioma. A moça fala inglês, francês e uma língua fictícia chamada Kannar.
Seu marido está fora, viabilizando um negócio milionário em uma ilha paradisíaca. Mas, Loralyn não está sozinha: seu pai está com ela, mas o velho parece um pouco… “maluco”, digamos assim. Está sempre paranoico com espíritos malignos e desenhando rabiscos estranhos.
A verdade é que o tal idioma Kannar é poderoso, uma língua antiga falada por um povo misterioso. Quando o Kannar passa a fazer parte da história, coisas estranhas começam a acontecer, e percebemos que talvez o pai dela não fosse tão maluco assim, afinal.
Claro que, em prol do roteiro, temos algumas coincidências pertinentes na história: a ilha em que o marido de Loralyn está trabalhando é a mesma desse povo antigo. A garota tem uma relação prévia com a cultura e o idioma deste povo, que vão se provar muito perigosas ao longo do jogo.
Falar mais do que isso seria spoiler, algo inadmissível em um jogo onde o que importa é a história — que é bem breve, na verdade: Night Book é tipo um curta-metragem, sua história dura pouco mais de uma hora. Porém, o jogo tem nada menos que 15 finais diferentes, e a história muda de acordo com as decisões do jogador.
Tomando decisões
Night Book oferece aquele tipo de experiência bem característica de um jogo em FMV: a gente mais assiste do que joga. Acompanhamos o desenrolar da narrativa, tomando decisões aqui e ali, que levam a história para diferentes caminhos.
Muitas dessas decisões são banais, coisas que estão ali apenas para o jogador ter o que fazer. Se, durante uma conversa, Loralyn não souber o significado de alguma expressão, ela pode improvisar ou perguntar o que aquele termo significa. Podemos até “dar um Google“ uma vez ou outra. Além disso, podemos decidir se atendemos algumas ligações ou não, se vamos ler alguns e-mails ou não, e por aí vai.
Porém, existem também as decisões importantes, que, no melhor estilo Until Dawn, geram o famoso efeito borboleta, tendo consequências futuras — nem todas boas. Por exemplo: será que você vai querer colocar um calmante na comida do seu pai para ele parar de fazer barulho, ou vai preferir deixar o velho consciente? Parece uma escolha simples, mas quando as coisas começam a ficar bizarras, você entende o peso dela.
Boa parte da experiência envolve o trabalho de Loralyn: o idioma Kannar invariavelmente acaba aparecendo nas ligações daquela noite, sempre na forma de um livro raro e sinistro que é o estopim de toda a situação. Como vamos lidar com isso é algo que afeta diretamente a história, podendo nos levar a diferentes desfechos.
Enquanto jogamos, podemos ver o índice de afinidade de Loralyn com os diferentes personagens com os quais interagimos. Não é a primeira vez que esse tipo de recurso é utilizado, mas é sempre interessante poder acompanhar essas informações durante a jogatina.
Pensando na qualidade de vida do jogador, Night Book ainda dá um panorama geral do que você já viu e do que falta ver, depois do final. Se quiser fazer vários finais, o jogo ainda te deixa pular as cenas genéricas que você já viu em partidas anteriores, priorizando os momentos inéditos e as decisões que precisam ser tomadas.
Para este review, fiz dois dos 15 finais possíveis. O primeiro foi realmente trágico, enquanto o segundo me pareceu quase um final feliz. Pretendo terminar o jogo mais algumas vezes nos próximos dias para ver o quanto os outros finais podem ser diferentes, mas fiquei feliz em constatar, pelo que vi até agora, que as mudanças foram bem significativas.
Audiovisual
Não tem muito que falar disso em um jogo em FMV, não é mesmo? São atores reais, cenários reais, tudo como se fosse um filme. Os atores no geral fazem um bom trabalho: não são canastrões demais, nem soam muito artificiais. O destaque vai para a protagonista — interpretada por Julie Dray — que se desdobra falando mais de um idioma o jogo todo.
O que mais chama a atenção nesse jogo especificamente é a maneira como acompanhamos o desenrolar dos fatos: através de diversas câmeras de segurança espalhadas pelo apartamento, da interface do computador de Loralyn, enquanto ela trabalha, ou mesmo de seu smartphone, quando ela atende alguma chamada de vídeo.
Se por um lado isso não deixa o jogo muito “cinematográfico”, por outro faz bastante sentido narrativo: o marido de Loralyn instalou um sistema de vigilância na casa antes de viajar, para garantir a segurança da mulher. É justamente por esse sistema que acompanhamos esta noite perturbadora da vida da moça.
Ainda que esse formato não seja realmente inovador (jogos como Sara is Missing e Simulacra adotam uma estética parecida), ele funciona muito bem e contribui com a imersão do jogador. Aliás, existe um filme (muito bom) chamado Searching que usa o mesmo artifício. Recomendo.
É no áudio que Night Book realmente se destaca: as pancadas na parede do pai de Loralyn, as sinistras vozes sobrepostas que recitam frases ancestrais em Nakkar, a trilha sonora, tudo isso contribui com o clima de tensão. Aliás, fica o aviso de que Night Book pode chocar pessoas mais sensíveis, e ele deixa isso claro com um aviso logo no início.
Vale ressaltar ainda o ótimo trabalho de localização feito: todas as conversas e documentos do jogo foram traduzidas para o nosso idioma, e no geral a qualidade dos textos está excelente — algo que critiquei em jogos anteriores, que traziam traduções sem sentido. Em jogos como esse, entender a história é fundamental, então é bom ver que nos últimos anos, a Wales Interactive está melhorando cada vez mais este aspecto de seus jogos.
Conclusão
Night Book é mais um bom Lançamento da Wales Interactive, que tem tudo para agradar os entusiastas do gênero, ou mesmo fãs de thrillers sobrenaturais. É um título de escopo menor, menos cinematográfico do que os últimos lançamentos da empresa, mas que compensa isso com seu alto fator replay e pelos recursos que contribuem com a qualidade de vida do jogador.
Como eu disse, tenho certa fascinação por esses filmes interativos, então meu parecer sempre é um pouco influenciado por isso. Mas, sei que não estou sozinho nessa: quem acompanha o site e leu minhas análises dos outros jogos da Wales Interactive sem dúvida também gosta desse tipo de experiência.
Então, apague a luz, coloque um bom par de fone de ouvido e deixe a maldição Kannar invadir a sua mente. Será uma experiência breve, mas muito gratificante.
Night Book está sendo lançado hoje 27/07, com versões para PC, PlayStation 4, Xbox One (versão analisada) e Nintendo switch.