Análise Arkade: Dodgeball Academia, um RPG esportivo com jeitinho brasileiro
Este ano de 2021 está sendo muito rico para a indústria brasileira de games. Já tivemos grandes jogos como Kaze and the Wild Masks e o desafiador rogue-lite Dandy Ace. Hoje, mais um título “made in Brazil” de extrema qualidade está chegando às prateleiras digitais: Dodgeball Academia.
Obra do talentoso estúdio Pocket Trap — que, em 2018, nos entregou o frenético Ninjin: Clash of Carrots (review aqui) — Dodgeball Academia é um RPG muito peculiar, que esbanja carisma, e que tem todo o cerne do seu gameplay pautado por um esporte: o Dodgeball, que aqui no Brasil a gente conhece como Queimada, ou Caçador.
A Academia de Queimada
Dodgeball Academia nos apresenta a um pirralho cheio de atitude chamado Otto. Seu sonho é tornar-se o maior jogador de Queimada de todos os tempos. Para tentar realizar este sonho, ele foge de sua antiga escola para ingressar na Dodgeball Academia, instituição onde tudo é resolvido na base da bolada.
Logo que chega lá, ele descobre que a escola está organizando um grande Torneio, mas para participar, ele precisa se enturmar e formar um time. Depois de fazer alguns amigos e montar uma party de 3 personagens, estamos livres para explorar a escola e acompanhar uma história que é meio bobinha, mas cheia de momentos hilários.
Ainda que tenha elementos simples de RPG (como equipamentos que concedem melhorias e toneladas de itens consumíveis), a estrutura narrativa de Dodgeball Academia é bastante linear. A campanha se divide em capítulos, que possuem missões principais e secundárias para cumprirmos.
Toda a história se passa na escola e nos seus arredores , um mapa que não é enorme, mas também não é pequeno demais. Para agregar diversidade de ambientes, temos uma floresta e uma área de gelo nas adjacências da escola, que trazem bem-vindas mudanças ao loop de gameplay.
Queimada para todo lado
Se em qualquer outro jogo os conflitos são resolvidos (geralmente) na base da porrada, aqui tudo é decidido em partidas de Queimada. Elas funcionam como as batalhas, mas ao invés de ataques e armas tradicionais, vamos arremessar a bola nos integrantes do time adversário.
Claro que não para por aí. Há uma bola mágica ancestral na escola, que permite aos alunos despertarem seus dons secretos — chamados aqui de “Esboleciais“. De ataques elementais à bolas múltiplas e poderes de cura, os “Esboleciais” dão um tempero extra às partidas que, no geral, são bastante formulaicas.
Se você já jogou Queimada na vida real, meio que sabe o que esperar. A ideia aqui é acertar os adversários com boladas, e tentar não ser atingido por eles. Cada time fica de um lado da quadra, e dependendo do tipo de partida, personagens nocauteados vão para a linha de fundo, podendo acertar o time inimigo pelas costas.
Ainda que o arremesso básico seja bastante efetivo nas partidas contra alunos genéricos, há diversas outras técnicas que podemos utilizar, como ataques carregados, esquivas, pulos, e até uma espécie de parry, que nos permite agarrar (ou rebater) uma bola que é tacada contra nós — mas demanda um timing impecável para funcionar.
Como este é um jogo de videogame, não espere por muito realismo: cada personagem possui habilidades únicas em quadra. Há os que lançam bolas curvas, outros que podem fazer a bola ficar invisível por alguns instantes, e até aqueles que arremessam diversas bolas simultaneamente. As regras das partidas também são bastante flexíveis: podem rolar embates tipo 1×1, 3×3, ou mesmo algo “desleal” tipo 1×3. Varia conforme a situação.
Enquanto exploramos as diferentes áreas do jogo cumprindo missões principais e secundárias, seremos desafiados por outros personagens, ou teremos que jogar contra alguém para conseguir um item ou liberar um caminho. Em Dodgeball Academia, tudo é resolvido na base da Queimada.
Queimada é legal, mas cansa
Por um lado, eu gosto de como o pessoal da Pocket Trap conseguiu criar um jogo inteiro em torno de uma mecânica “de combate” tão diferenciada. Porém, passado o deslumbre das primeiras horas, admito que fiquei um pouco cansado de tanto jogar Queimada.
Isso acontece especialmente porque, como eu já disse, estamos constantemente sendo desafiados, ou tendo que resolver alguma situação aleatória em uma partida de Queimada. E boa parte dessas partidas são essencialmente iguais e não requerem muita estratégia ou habilidade.
Confira abaixo uma típica partida de Queimada “comum” de Dodgeball Academia:
Fica aquele gostinho meio amargo de repetição que é comum em RPGs que tem encontros aleatórios (embora aqui os “inimigos” sempre estejam visíveis). Sabe quando, em um JRPG, você tem que passar por uma área extensa, enfrentando várias vezes aqueles mesmos monstrinhos level baixo pentelhos? Dodgeball Academia faz algo parecido: em todos os capítulos, sempre vão pipocar pelo mapa desafiantes aleatórios, que geralmente nos abordam assim que passamos perto deles, dando início a uma partida que vai ser essencialmente igual a todas as outras que vieram antes.
Sendo honesto, o jogo até se esforça para diversificar um pouco as coisas: os encontros com chefes e inimigos mais poderosos exigem um pouco mais de estratégia e concentração do jogador. Também teremos variações de terreno que subvertem as regras. Na área da floresta, por exemplo, há algumas quadras tomadas pelo mato alto, o que dificulta bastante a visibilidade.
Travar batalhas é importante para deixarmos nosso time mais forte, mas o excesso de partidas simples e formulaicas realmente me deixou cansado. Em certos momentos, eu gostaria que Dodgeball Academia me permitisse usar o comando flee para fugir dos combates, ou fizesse algo como Bravely Default II: lá, os inimigos de level muito baixo simplesmente fogem do nosso grupo, o que ajuda a evitar um monte de batalhas iguais.
Felizmente, a campanha de Dodgeball Academia não é assim tão longa: o jogo dura entre 10 e 12 horas, ou seja, acaba antes que a repetição torne-se um problema realmente grave. Aliás, os complecionistas vão ter muito o que fazer se quiserem completar 100% do jogo, uma vez que ele é cheio de baús secretos e passagens bloqueadas.
Jeitinho brasileiro
Apesar desta inerente repetição, Dodgeball Academia cativa o jogador desde seus primeiros minutos graças ao seu mundinho colorido, carismático e cheio de “brasilidade”.
O visual, por si só, é um espetáculo, e parece ter sido feito sob medida para virar uma série animada estilo Spokon — termo que designa mangás e animes com temática esportiva — no Cartoon Network. Considerando que Ninjin realmente virou série animada no CN, eu não me surpreenderia se Dodgeball Academia trilhasse o mesmo caminho.
O character design é excelente, e há toda uma sorte de coadjuvantes que variam entre o fofinho, o esquisito e a comédia. Dá para notar que os artistas realmente se divertiram na hora de criar alguns personagens, como o já famoso Bexigo, garoto que tem uma cabeça de balão — que murcha quando ele fica chateado.
A trilha sonora do game é variada e pegajosa: cada área tem sua própria música e, no geral, todas são muito boas e animadas. Não há vozes no jogo, embora diferentes personagens façam diferentes barulhinhos enquanto falam.
E já que entramos na parte dos diálogos, não podemos deixar de falar do fator zoeira e de toda a brasilidade que foi injetada em Dodgeball Academia. Jogando em português brasileiro, temos piadas e comentários muito divertidos, que brincam com memes de internet, gírias e termos que o brasileiro de fato usa no cotidiano, como “tiozão” e “contatinho”, por exemplo. Há um coadjuvante que incorpora termos tipicamente nordestinos às suas falas — tipo “arretado” –, uma dose de regionalismo que é bem-vinda e pouco explorada, mesmo em produções brasileiras.
O destaque, porém, vai para o “cardápio”: Dodgeball Academia é um jogo cheio de comidinhas e bebidinhas que recuperam a vida ou melhoram os atributos dos personagens. E muitas delas são iguarias tipicamente brasileiras, tipo “coxinha”, “pão de queijo” e “brigadeiro”.
Até tretas tipo “ketchup na pizza” e “pizza com abacaxi” estão presentes aqui. Fico imaginando se os jogadores de outros países vão entender todas as referências gastronômicas que o jogo traz.
E já que falamos nos comes e bebes, um detalhe que achei interessante é que os personagens tem suas preferências, mais ou menos como em Miitopia. Eles podem adorar, gostar ou detestar certos alimentos, ou mesmo serem alérgicos a algum prato (?!). Esses fatores comprometem a eficácia dos itens — uma particularidade pequena, mas curiosa.
Conclusão
Dodgeball Academia é mais um ótimo jogo brasileiro que chega para provar que nossa indústria tem qualidade — e criatividade — de sobra para bater de frente com as produções gringas.
Cheio de personalidade e carisma, o jogo entrega uma jornada esportiva recheada de personagens divertidos e humor nonsense, tudo isso com um tempero nacional, que concede um legítimo “gostinho brasileiro” à experiência.
Na minha opinião, o jogo seria ainda melhor se tivesse menos combates — ou se nos permitisse evitar alguns confrontos. Entendo que o grinding é necessário para upar o time, mas as batalhas “comuns” são simplórias (e frequentes) demais, o que acaba transformando o inovador sistema de combate do jogo em algo que pode ficar chato e repetitivo depois de um tempo.
Mas, isso não tira os diversos outros méritos que Dodgeball Academia tem. Seja pela beleza, pelo humor ou pela brasilidade que transborda até dos pequenos detalhes, este é um jogo que eleva ainda mais o patamar da produção nacional de games.
Parabéns aos envolvidos, que conseguiram mesclar esporte, RPG e zoeira de um jeito que só mesmo um estúdio brasileiro conseguiria.
Dodgeball Academia está sendo lançado hoje (05/08) com versões para PC, Playstation 4, Xbox One (já chegando ao Game Pass) e Nintendo Switch (versão analisada). O game possui menus e legendas em português brasileiro de EXCELENTE qualidade.