Você deveria conhecer melhor Marcelo Gastaldi, o lendário Maga, voz de Chaves e Chapolin
Sabe quando um bom trabalho de dublagem é considerado um dos melhores de todos os tempos? Quando o público não sabe se os personagens de sua série preferida são brasileiros ou do estrangeiro. Isso aconteceu, por um tempo, com o seriado Chaves. “Culpa” de Marcelo Gastaldi, o lendário Maga, que além de ter dado voz ao menino do barril e ao Chapolin Colorado, é um dos responsáveis em fazer a dublagem brasileira ser a melhor do mundo.
Hoje eu te convido a conhecer um pouco mais sobre a história desta lenda do entretenimento brasileiro. Alguém que talvez você nunca viu, mas com certeza ouviu. E se você ouviu muito a sua voz, pode ter certeza que é uma das vozes que se fez mais presente na sua vida. Sigam-me os bons e vamos conhecer a astúcia desta figura que todo mundo tem paciência.
A jornada através da voz
Aquele que ficaria conhecido como “Maga” foi batizado como Marcelo Gastaldi. Antes de ficar marcado como a voz de Chaves, Chapolin e Charlie Brown, de Snoopy, nasceu em São Paulo, no dia 20 de outubro de 1944. Começou na televisão muito jovem, com apenas 13 anos. No ano de 1957, começou sua jornada nas Organizações Victor Costa, que se tornaria a TV Paulista e, anos mais tarde, seria incorporada pela Rede Globo.
Na então recente indústria, Gastaldi participou dos primeiros trabalhos na TV, em Teledrama, uma espécie de embrião do que seriam as novelas de seu futuro, programas conhecidos na época pela direção de Alvaro Moya. Conseguiu se firmar na emissora, atuando também nas seguintes novelas: A Grande Esperança (1961), O Tronco do Ipê (1963) e Eu Amo Esse Homem (1964).
E, se a televisão ainda era algo novo naqueles dias, a dublagem também era um grande campo vazio, ou como falamos hoje, “era tudo mato”. E um jovem Gastaldi, com apenas 16 anos, iniciou sua carreira com a voz na Gravason. O primeiro personagem que ganhou voz por causa de Marcelo foi Bud, em Papai Sabe Tudo.
Depois foi para a AIC, estúdio que viveu entre os anos 1962 e 1976 no bairro paulistano da Lapa, onde fez a voz de Carlos Ramirez, em A Noviça Voadora. Também apresentou cursos de “madureza ginasial”, como se chamava o supletivo naquela época, em programas produzidos nos anos 70 pela TV Cultura. Ele trazia aulas de matemática em forma de teatro.
Ainda trabalhou na BKS, no final dos anos 70, onde participou da terceira dublagem brasileira do Pica-Pau, onde fez a voz de locutor das histórias e deu voz a personagens secundários. Aliás, você sabia que é ele quem fala “Você falou em pipoca?” Sim, foi Gastaldi que fez a voz do Corvo Jubileu.
Mas a consagração e a história chegaria com suas sílabas: MA, de Marcelo e GA, de Gastaldi, que juntas formam a MAGA, estúdio de dublagem que tem sua história iniciada junto com a então nova emissora de Silvio Santos, o SBT. Já um nome reconhecido no mundo da dublagem, foi convidado para montar o estúdio que seria responsável por dublar as atrações estrangeiras importadas por Silvio, em 1981. A Maga, assim, nascia como uma cooperativa de dublagem, em parceria do próprio Gastaldi com Osmiro Campos, que daria voz, anos depois, para o Professor Girafales.
Nessa época ele lidou com vários desenhos e séries, dando voz ao Charlie Brown, do Snoopy, dublando Os Batutinhas (a série dos anos 30), o Super-Herói Americano, personagem que estrelou uma série que teve três temporadas nos EUA, entre outros projetos. No SBT, ainda houve tempo para Marcelo atuar em mais uma novela, a Sombras do Passado, exibida em 1983.
A consagração veio num barril
Mas seria no ano seguinte que, definitivamente, o nome de Marcelo Gastaldi se tornaria, enfim, numa lenda. De forma despretensiosa, o SBT recebeu o famoso “primeiro lote” de um seriado mexicano “qualquer”. Marcelo foi o responsável por dar voz ao seriado. Mas ele foi além. Foi ele quem recrutou grandes nomes como Nelson Machado, Carlos Seidl, Mário Vilela, Potiguara Lopes e Sandra Mara Azevedo, além de Helena Samara e Marta Volpiani, que deram vida, respectivamente, a Quico, Seu Madruga, Senhor Barriga, Professor Girafales, Chiquinha, Dona Clotilde e Dona Florinda. Enquanto o próprio Maga daria voz ao Chaves.
Segundo a Dublapédia, o próprio Silvio Santos questionou Maga sobre a viabilidade de passar um seriado mexicano de cenário tosco e produção humilde, muito diferente do padrão dos “enlatados” que vinham dos EUA. Gastaldi se posicionou favorável ao seriado, afirmando que as piadas, contextos e situações cairiam no gosto do brasileiro, que naqueles dias estava acostumado com o humor circense dos Trapalhões.
Marcelo gostava tanto do jeitão de Chaves e Chapolin, que chegou a “copiar” o seriado, criando a sua própria “versão brasileira”: Feroz e Mau-Mau. Ele se inspirou em Chompiras e Peterete, os famosos ladrões de Chespirito que nunca conseguiam cometer o crime. Vale lembrar que, embora o personagem, que foi se chamar Chaveco no Brasil, estreou muitos anos depois, nos anos 80 era a atração principal do programa Chespirito, no México, o que dá a entender que Gastaldi pesquisou e conheceu a fundo a obra de Roberto Goméz Bolaños, muito além do lote de fitas que tinha que dublar. A série teve um piloto, mas nunca foi ao ar.
O piloto pode ser conferido aqui:
Prova deste carinho com a série está no cuidado especial com a dublagem. Marcelo adaptava com muito cuidado as piadas que não faziam sentido para o público brasileiro, seja por contextos mexicanos, ou questões de idioma. Mudou a história mexicana pela história brasileira, adicionava times brasileiros nas piadas (e por causa disso, Seu Madruga se tornou mascote de uma infinidade de clubes Brasil afora), e conseguia a proeza de fazer, ao menos naquela época, com que muita gente achasse que os atores que interpretavam aqueles personagens, eram brasileiros e não mexicanos.
Não é errado dizer que o talento de Bolaños só se tornou completo no Brasil graças ao talento de Gastaldi. A obra de Chespirito por si só é excelente, o que lhe rendeu 25 anos ininterruptos no ar, com seus personagens e esquetes, isso sem mencionar shows, filmes e peças de teatro que o consagraram como um dos maiores nomes da história da arte moderna. Mas, não há dúvidas, ao acompanhar os episódios, que o cuidado e a atenção nos mínimos detalhes de Marcelo, para adaptar tal genialidade vinda do México, fez com que Chaves e Chapolin fossem potencializados, deixando ser de possíveis seriados “comuns” no nosso país para verdadeiros fenômenos culturais.
Marcelo dirigiu e deu voz a Chaves e Chapolin em quatro lotes de episódios, que a Televisa enviou ao SBT nos anos de 1984, 1988, 1990 e 1992. Tais episódios, como todo fã dos personagens de Chespirito sabe, foram exibidos, reexibidos e exibidos mais uma vez, um monte de vezes, pela emissora de Silvio Santos até a retirada do seriado da TV, em 2020, devido a disputas de interesses entre a Televisa, a emissora que exibiu os episódios no México, e o Grupo Chespirito, que cuida dos espólios artísticos de Roberto Goméz Bolaños.
Três anos após dirigir o último lote de dublagem, em 1995, Marcelo faleceu, no dia 3 de agosto, com 50 anos de idade. Não se sabe a exata causa de sua morte, mas não importa, ao menos para nós, neste momento. O que importa é que, neste dia, o Brasil perdeu um grande nome do entretenimento. Mas, como qualquer pessoa que participou ativamente da vida de crianças e adultos pelo país, se tornou imortal, assim como os personagens que interpretou. Afinal, na tela da TV, Chaves continuará fazendo das suas, e Chapolin continuará dizendo seus ditados errado, com a voz de Marcelo Gastaldi (e ás vezes Tatá Guarnieri e Daniel Müller, que honram o legado do “mestre”). E continuarão fazendo isso, para sempre.
Para falar desta lenda do entretenimento brasileiro, encontrei informação do Forum Chaves, IMDB e Dublapédia.