Análise Arkade – Just Dance 2023 inova e diverte, mas deixa alguém para trás
Festas de fim de ano tem coisas que não podem faltar: panetone genérico ganho na cesta da firma, pisca-pisca falhando, árvore falsa espalhando sujeira pela casa, a família lavando toda a roupa suja do ano inteiro e… Just Dance. O jogo anual de dança (e constrangimento consentido) da Ubisoft chega mais uma vez nesta reta final do ano trazendo, como sempre, um novo e eclético repertório de novas canções e coreografias, mas diferente das edições anteriores, também propõe algumas reformulações necessárias, que, entretanto, acabam deixando algumas consequências inesperadas.
Deixe a timidez de lado
Como comentamos na análise da edição do ano passado, Just Dance é uma franquia que mesmo se mostrando um produto de nicho, para um grupo muito específico de pessoas, ele acabou assumindo uma lacuna tanto de jogos de ritmo, sobretudo depois da queda de popularidade de games como Guitar Hero e Rock Band, quanto de party games familiares, raros nos dias de hoje, sobretudo em plataformas como Playstation e XBox. O específico, portanto, se torna acessível, e ao se compreender nesta posição de mercado, o jogo busca a diversidade como um dos seus principais pilares.
Isso se traduz, em termos práticos, em mais um grande acerto no que se refere à seleção musical desta edição, que obviamente privilegia canções coreografadas e dançantes, mas que traz uma amplitude de gêneros que busca atender todo tipo de preferência, e o único pré-requisito é, de fato, se despojar de quaisquer receios e bloqueios pessoais e, bem, se dispor àquela vergonha familiar raiz, correndo o risco de parecer ridículo, em favor de uma diversão física descompromissada.
Just Dance 2023 não traz, dito isso, uma grande revolução em termos de gameplay, mesmo que tenha passado por um refinamento que valoriza a precisão e a constância. Os comandos, vale relembrar, não são dados pelos joysticks convencionais (no caso das plataformas de Sony e Microsoft), mas sim pelo smartphone com um aplicativo próprio. As melhorias, porém, trazem algum prejuízo, já que nem todo dispositivo é adequado ao novo app do game. Enquanto as últimas 6 edições funcionavam pelo mesmo software, o atual pede um novo, que infelizmente em um dos aparelhos aqui de casa não funcionou. A sugestão é que, antes de comprar o jogo, você baixe o app Just Dance 2023 Controller (para Android ou iOS) e veja se ele funciona normalmente, senão o jogo será inútil para você.
Superada a dificuldade (sim, precisei pedir aparelhos emprestados dos parentes para testar o multiplayer local), foi fácil se relacionar com a seleção, e enquanto eu retomei momentos da juventude em Bring Me To Life, do Evanescence, minha filha pequena não se importou com a dificuldade mais dedicada de We Don’t Talk about Bruno (um dos temas do filme animado Encanto, da Disney), que ao lado de outras trilhas (disponíveis para assinantes do serviço complementar Just Dance +) podem atrair até as crianças mais reservadas.
A seleção ainda traz mais uma versão de Toxic, da outrora chamada de princesinha do pop, Britney Spears, e que é um grande ponto de comparação para outras duas edições anteriores que demonstra um amadurecimento da franquia não só na sofisticação das coreografias como também na linguagem audiovisual com a qual elas são apresentadas. Ainda que na maioria do tempo tenhamos silhuetas capturadas com profissionais em um fundo digital, é notável que movimentos de câmera e qualidade gráfica estão ainda mais atraentes que na edição passada, que por sua vez já tinha subido o sarrafo nesse aspecto.
Seguindo a tradição de, como conjunto, a seleção ser uma daquelas compilações que lembram álbuns de novelas e outras mixagens oficiais muito comuns nos anos 1990, você vai poder, em sequência, curtir Telephone, das estrelas Lady Gaga e Beyonce; Radioactive, de Imagine Dragons; e Numb, do Linkin Park; sem receio de fugir da coerência ao emendar tudo isso com os inevitáveis BTS, Dua Lipa e Taylor Swift.
Como um quase quarentão sem absolutamente nenhuma tradição na bela arte da dança, cheguei a um momento onde escolhia minhas coreografias muito mais pela escala de dificuldade informada pelo jogo do que pelas minhas preferências anteriores. Um movimento de quadril mais moderado, meus amigos, supera quaisquer ideologias musicais prévias.
Para ficar mais fácil consultar, segue a lista oficial das músicas presentes na edição, lembrando que há um catálogo bem maior para quem se propor a assinar o serviço extra:
Anything I Do – CLiQ ft Ms Banks, Alika
As It Was – Harry Styles
Boy With Luv – BTS ft. Halsey
Bring Me To Life – Evanescence
Can’t Stop The Feeling – Justin Timberlake
Danger! High Voltage – Electric Six
Disco Inferno – The Tramps
Driver’s License – Olivia Rodrigo
Dynamite – BTS
Good Ones – Charli XCX
Heat Waves – Glass Animals
I Knew You Were Trouble – Taylor Swift
If You Wanna Party – The Just Dancers
Jamais Lâcher – Michu (French exclusive)
Locked Out of Heaven – Bruno Mars
Love Me Land – Zara Larsson
Magic – Kylie Minogue
Majesty – Apashe ft. Wasiu
Million Dollar Baby – Ava Max
More – K/DA Ft. Madison Beer, (G)-IDLE, Lexie Liu, Jaira Burns & Seraphine
Numb – Linkin Park
Physical – Dua Lipa
Playground – Bea Miller
Psycho – Red Velvet
Radioactive – Imagine Dragons
Rather Be – Clean Bandit Ft. Jess Glynne
Sissy That Walk – RuPaul
STAY – The Kid LAROI & Justin Bieber
Telephone – Lady Gaga ft. Beyonce
Therefore I Am – Billie Eilish
Top of the World – Shawn Mendes
Toxic – Britney Spears
Wannabe – ITZY
Walking On Sunshine – Top Culture
Watch Out For This (Bumaye) – Major Lazer Ft. Busy Signal, The Flexican e FS Green
We Don’t Talk about Bruno – Elenco de Encanto
Witch – Apache ft. Alina Pash
Woman – Doja Cat
Wouldn’t It Be Nice – The Sunlight Shakers
Zooby Doo – Tiger Monkey
Confira também um vídeo de divulgação que exemplifica algumas dessas canções:
Interface moderna, controles sólidos
Uma das grandes reformulações da edição deste ano, além da melhoria no aplicativo, está na interface totalmente repaginada, limpa e mais coerente com as tendências atuais. O resultado é um hub de seleção mais clean e, de certa forma, relaxante, se contrapondo à agitação das danças performáticas e quase sem respiro. Alterações como essa são exemplares de algo que a gente não sabe o quão necessário é até que seja implementado. Em retrospectiva, fui revisitar o jogo do ano anterior só para fazer a comparação e agora a acho poluída e confusa.
Não há dúvidas de que o novo estilo facilita a busca pelas músicas que queremos jogar, com a possibilidade inclusive de usarmos filtros que classificam as músicas por ordem alfabética, pontuação, acessibilidade, gênero ou, meu preferido, nível de dificuldade. Outros atalhos complementares também são bem mais práticos agora, como o acesso a funções de configuração de nosso perfil, a inclusão de mais dispositivos de controle, modos auxiliares, etc. Levou-se a sério o conceito de que, em termos de usabilidade, menos é mais.
Quando o som sobe e as coreografias se iniciam, como já adiantado nesse texto, veteranos vão se sentir confortáveis em ver que muito pouco mudou em termos de jogabilidade. Além do exemplo principal a ser imitado (em forma espelhada) mostrando como a dança deve se parecer, as instruções no canto da tela são bem didáticas e reconhecíveis. Just Dance é, contudo, um jogo cuja imersão é emergente e, portanto, depende quase que exclusivamente do próprio jogador. Isso porque por mais sensível que seja o seu aparelho smartphone, nem todas as nuances são facilmente reproduzíveis e reconhecíveis, ao mesmo tempo que todos os movimentos podem ser emulados sem o esforço da dança em si.
Em outras palavras, é possível você imitar um movimento com perfeição e obter o mesmo reconhecimento de alguém que o fez do jeito certo, mas de forma mais desajeitada. A trapaça, aliás, é um modo muito fácil para obtenção de altas pontuações, já que o sensor obviamente considera só o movimento de uma das mãos, e não do corpo inteiro. Ou seja, se alguém desejar ficar sentado e só repetir o movimento exigido na tela, conseguirá ter um resultado quantificável tão bom ou melhor do que quem se esforça de verdade. A boa notícia é que, sinceramente, esses rankings são o que menos importa em Just Dance para a grande maioria de nós.
Claro que há quem seja mais competitivo, e basta dar uma zapeada nos recordes mundiais de cada música e comparar com o nosso desempenho pra ver que há gente muito, muito dedicada por aí. Mas este é dos melhores exemplos de que o resultado final é só uma consequência, uma derivação complementar, da experiência em si. Há uma satisfação em obter as tais cinco estrelas de reconhecimento e serve inclusive como parte da diversão compartilhada se exibir para os demais, mas nada disso tem qualquer sentido se não tiver o engajamento na coisa em si.
Visuais caprichados
Como já citado, se há algo a se exaltar na franquia é que ano após ano, até para fugir do lugar comum e da mesmice, há um cuidado todo especial com os clipes de cada canção para eles se tornem, de fato, únicos. Em Just Dance 2023 há um novo salto de qualidade que também traz para o contexto da música representações e simbolismos visuais que amplificam o sentido e a emoção de cada uma delas. Não serão raros os momentos onde nos prenderemos a olhar para detalhes pequenos, como a composição de maquiagem e figurino, ou para grandes espetáculos visuais em cenários com sutis movimentos de câmera que abusam de cores e formas psicodélicas quando a experiência pede.
Destaque ainda para produções em stop motion, pixel art, elementos de animação e cenários com uma bela percepção de profundidade de campo, além de figurinos, dos mais sóbrios aos sem qualquer limite criativo, que estão cada vez mais elaborados e coerentes com a proposta. A sensação é que, como um todo, há um cuidado ainda mais especial dedicado a cada unidade, a cada música, algo que não chega a ser uma surpresa, já que os direitos de uso dessas propriedades devem ser financeiramente salgados, mas há uma evolução, edição a edição, do tratamento individual, resultando em espetáculos visuais com momentos bem raros onde plano de fundo e elementos gráficos pareçam genéricos.
Modos novos, ausências sentidas
Os adeptos a jogatinas aleatórias com desconhecidos provavelmente sentirão falta do já clássico World Dance Floor, modo onde basicamente podíamos entrar em uma run mundial compartilhada com uma playlist contínua, um modo muito bem quisto e que aqui, pelo menos para o lançamento, não está presente. Por outro lado, há um bem-vindo sistema de cross-play e um robusto modo de hospedagem de sessões com seus amigos, então para aqueles que tem a intenção de jogar com outras pessoas conhecidas on-line, as notícias são ótimas. Mas eu ainda prefiro, por tradição ou por minha experiência pessoal, o bom e velho competitivo local, com todo mundo se esbarrando na mesma sala adaptada como salão de dança.
Há ainda um modo, o Danceverses, que parece ficar entre um sistema de Carreira, similar ao que já vimos em jogos de ritmo com instrumentos no passado, e um modo História mais moderno, que basicamente é um jeito minimamente contextualizado para que o jogo nos guie por todo o catálogo desta edição. De forma metalinguística, acompanhamos uma fã de Just Dance em uma jornada surpreendentemente bem elaborada (para o que se espera de um jogo do gênero), com direito a cutscenes cheias de estilo, para salvar outros como ela de poderes corruptores, aqui chamados de Night Swans. Certamente não deve ganhar nenhum prêmio de narrativa, mas vale muito a pena usar esse modo como boa desculpa para um tour por todas as músicas disponíveis.
Vale ainda citar algumas coisas que me fizeram falta, sendo a primeira e mais gritante delas a impossibilidade de criar as minhas próprias playlists personalizadas. No jogo anterior, a primeira coisa que fiz foi montar algumas seleções específicas para cada membro da minha família e desta vez essa função foi, ao que tudo indica, substituída por um algoritmo – estou começando a pegar birra dessas coisas – que determina quais músicas são mais adequadas para mim de acordo com as minhas escolhas pontuais. Não vejo problema na IA me sugerindo coisas, mas gostaria de continuar com o controle das minhas próprias escolhas, ou ao menos ter essa opção disponível.
Além disso, para um extra, o Just Dance + também é uma ótima forma de expansão que basicamente é um rebrandind do que já conhecíamos como Just Dance Unlimited. Só que surpreso fiquei quando percebi que o catálogo do serviço está muito mais restrito do que era até então. Considerando que o jogo passou por algumas reformulações, incluindo remodelagem de controles para um novo aplicativo, é razoável arriscar dizer que músicas antigas podem ser incompatíveis com o atual sistema e, se assim for, que logo voltem ao serviço para que ele cumpra seu papel de oferecer o máximo da experiência Just Dance de tantos anos. Espero que não sejam problemas de licenciamento, porque estes devem dar muita dor de cabeça para renovar.
Conclusão
Just Dance 2023 é, dentro do que vimos nos últimos anos, a maior renovação da franquia possível sem perder, no processo, suas principais características. Quando a música começa, tudo está lá como já vimos antes, incluindo estilo gráfico, coreografias reproduzíveis (algumas bem complicadas, confesso) e comandos claros na tela que, unidos ao modelo a se imitar, nos dão conforto em arriscar alguns bons passos. Contudo, a falta de modos tradicionais e a inclusão de outros; o novo aplicativo (que pode atrapalhar quem ainda usa smartphones mais cansados); e principalmente a nova interface parecem dar dicas dos caminhos a serem trilhados daqui pra frente.
O recheio do produto, a sua seleção de músicas, mantém o nível com o qual já estamos acostumados, mesmo que pareça um pouco mais carente do que chamamos no review anterior de World Music, ou seja, de músicas típicas de outros lugares do mundo, e parece apostar numa pegada mais pop norte-americana, mas ainda assim consegue ser eclético e diverso o suficiente para agradar todo tipo de dançarino amador. A amplitude de dificuldade e os filtros mais customizáveis de busca também adicionam pontos ao produto, mesmo sem opções básicas como a criação de playlists individualizadas.
Como um todo, o jogo continua a ser aquilo que se espera dele: um misto de diversão descompromissada familiar, cujos controles são algo completamente distinto do que é visto em qualquer outra produção, e que exige dos adeptos um desprendimento pessoal e uma pré-disposição ao constrangimento controlado, e só assim o jogo pode alcançar todo o seu potencial inerente de divertimento. Além disso, para quem busca uma boa justificativa para exercícios aeróbicos, pode ser esta uma ótima solução, e por experiência própria, talvez seja o jeito mais proveitoso de ficar fisicamente exausto enquanto se libera a mente das coisas sérias do dia a dia.
Lançado em 22 de novembro de 2022, Just Dance 2023 está disponível em praticamente todas as plataformas atuais (Xbox Series X/S, PlayStation 5, e Nintendo Switch) abandonando a geração passada, bem como os PCs e o (surpresa!) Google Stadia. Como sempre, o game está muito bem localizado para o nosso português brasileiro em menus e textos complementares.