Análise Arkade – SpongeBob SquarePants: The Cosmic Shake é simpático, mas pouco imaginativo

31 de janeiro de 2023
Análise Arkade - SpongeBob SquarePants: The Cosmic Shake é simpático, mas pouco imaginativo

Não há imparcialidade em uma coisa para mim: Bob Esponja (ou para os mais puristas, SpongeBob) é uma das coisas mais criativas que eu vi nessas minhas décadas de vida e, mesmo sendo uma IP muito famosa, ainda é pouco reconhecida pela inventividade não só nas situações mais estapafúrdias que coloca seus protagonistas, como também pela leveza que consegue lidar com temas nem sempre tão simplórios quanto a inocência do Calça Quadrada faz parecer. A série animada é, na falta de um adjetivo mais apropriado, genial.

Dito isso, eu não poderia ter mais expectativas para SpongeBob SquarePants: The Cosmic Shake, jogo original que vem na esteira da reinvenção de SpongeBob SquarePants: Battle for Bikini Bottom, cuja versão original é de 2003 e que teve seu remake rebatizado Rehydrated, produzido pela pr´ória Purple Lamp Studios, feito que lhe concedeu a responsabilidade de criar esta nova aventura que, se não pode ser chamada de uma continuação direta narrativa do game anterior, é um sucessor que herda suas principais características, sejam elas mecânicas, sejam audiovisuais. Resta saber se agora com uma história original em mãos eles conseguiram manter o ótimo nível estabelecido.

Análise Arkade - SpongeBob SquarePants: The Cosmic Shake é simpático, mas pouco imaginativo

Um dia qualquer na Fenda do Biquini

Desarranjos dimensionais, criaturas perigosas gelatinosas por todos os lados, gente perdida no tempo e no espaço e um mundo caótico tomado por uma geleca estranha são os ingredientes de um verdadeiro desastre em qualquer lugar, mas lá pelas bandas da Fenda do Biquini é só mais uma terça-feira tranquila. Graças a um desejo mal feito (claramente as pessoas confiam poderes errados ao sujeito), nosso intrépido herói se vê em meio à uma confusão que claro, só ele, mais uma vez ao lado de seu fiel escudeiro Patrick Estrela, consegue resolver.

Para tal, ele precisa se embrenhar em universos paralelos para encontrar e resgatar seus amigos e, de quebra, limpar toda a bagunça que está consumindo seu mundo e afundando tudo em um mar de geleia gosmenta. Graças a uma ajuda improvável, ele deverá viajar para sete ambientes distantes, cada qual com um tema bastante particular, como o velho-oeste, mares tomados por navios piratas, os corredores de Hollywood ,e até as catacumbas assombradas pelo sobrenatural. Tudo, claro, usando as melhores roupas para se misturar com os locais.

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Com esse arremedo de trama em mente, não demora muito para percebermos que a jornada, que poderia ser tranquilamente mais um episódio semanal da série, não é das mais criativas e usa de alguns artifícios bem batidos como desculpa para encadear uma série de fases temáticas e reconhecíveis. Em tempos onde o multiverso já começa a demonstrar sinais de desgaste enquanto fio condutor no cinema e também nos games, essa questão da quebra dimensional, explorada por exemplo em Ratchet & Clank: Em Uma Outra Dimensão só pra citar um exemplo mais recente, parece muito aquém do potencial non sense da franquia.

A execução, porém, é onde o clichê fica mais evidente, já que como método de organização não traz absolutamente nada que não tenhamos visto antes. Aliás, o jogo de 2003 sabia fazer isso de um modo muito mais orgânico do que aquilo que agora, 20 anos depois, se apresenta como novo. A sensação é que o esqueleto do roteiro é não só requentado de algum modelo pronto qualquer, como já ultrapassado para o momento atual. Se a marca Bob Esponja confere credibilidade e simpatia por si, ela também traz uma carga onde o inesperado é parte de sua essência, e a história aqui segue exatamente na contramão disso.

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Uma bagunça organizada

O conceito do título, uma mistura cósmica se podermos traduzir livremente, traz a ideia de caos, daquela mistureba onde nada faz sentido e tudo se confunde, e nada mais adequado para a franquia do que isso. O que se vê no game, entretanto, é uma estrutura muito segura e quase cartesiana, tão organizada que chega a ser decepcionante. Encadeadas linearmente em missões a serem acessadas via o hub principal, cada tarefa é muito bem desenhadinha como uma parte do todo com começo, meio e fim. Se é verdade que o jogo anterior está muito longe do conceito de mundo aberto, mas tinha suas áreas de exploração livre, o atual vai além assume outra postura ao oferecer níveis muito menos amplos, cujo caminho principal é praticamente uma linha reta e com um ou outro extra em corredores alternativos.

Para chegar do ponto A ao famoso ponto B, podemos pular (com a habilitação do salto duplo e da planagem logo nas primeiras horas); usar uma esquiva rápida; atacar com uma rede; usar bolhas para imobilizar os inimigos mais comuns e acionar interruptores; e rebater projéteis. Também ganhamos um gancho para pendurar em anzóis; o movimento complementar de assustar um tipo de adversário vigia e, quando possível, o poder de usar montarias e outras traquitanas de movimentação. Tudo, porém, totalmente esquemático com hora e local certos de serem usados. Nada de chamar um cavalo para progredir mais rápido ou usar uma prancha de bolha para transitar entre plataformas altas a nossa bel vontade.

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Esta objetividade, se pode desagradar quem gostaria de ter mais liberdade para andar a esmo só buscando a plenitude de todos os objetivos, acaba sendo salutar para o jogo que, desde modo, consegue se manter sempre em alto nível de engajamento. Mesmo que tenha um nível de dificuldade bastante generoso, e muito mais permissivo que outros games de plataforma tridimensionais mais conhecidos, há uma certa exigência de habilidades que o tempo todo oferecem a experiência da progressão, de vitória. Em outras palavras, a intensidade de sentir que a história está sempre caminhando adiante é ótima e se mantém até o fim da campanha, que dura cerca de 7 a 8 horas.

Deixar caminhos inicialmente inacessíveis para trás também não chega a ser um problema, porque no final das contas, nada que se faça a mais vai favorecer ou ajudar no que interessa. Ao contrário de jogos de ação e aventura mais atuais, que usam de árvores de habilidades ou progressão de personagem para valorizar uma dedicação mais complecionista, aqui tudo que se faz a mais se resume a ter recursos para comprar mais roupinhas in-game. Como cada mundo diferente tem sua própria skin, o que significa que estamos sempre usando coisas diversas, a exploração é muito mais uma satisfação de fan service do que uma ferramenta do game em si.

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Mas se a linearidade não é um problema em si, e muito provavelmente é uma boa qualidade para a proposta do jogo, o design de níveis acaba transparecendo uma instabilidade entre os caminhos em linha reta e alguns bons trechos de plataforma e avanço vertical, com pitadas de níveis ramificados e (pouco) labirínticos, uma mistura que faz parte da receita de sucesso do gênero, desde que bem equilibrada. Em Cosmic Shake, porém, falta inspiração e criatividade, e tudo o que se coloca é uma sucessão de repetições não só em relação a outros jogos, como dentro de si mesmo.

Nada de novo no fundo do mar

Talvez o maior pecado do jogo tenha sido ignorar inclusive os próprios clichês das obras que certamente servem de inspiração aqui e que já estavam com caminho aberto para serem reaproveitados. Se em cada mundo há uma roupa diferente, porque não haver também uma habilidade única que pudesse oferecer variedade de gameplay? Se é óbvio que cada novo traje seja sim um afago em nossa memória afetiva ao remeter a episódios icônicos, porque não lhes dar também uma função prática?

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Como em todos os mundos os obstáculos são praticamente os mesmos, havendo só uma progressão (mínima) na variedade de inimigos, cada um deles pouco tem a acrescentar à narrativa emergente, com coisas que só seriam possíveis ali. Um exemplo banal é, por exemplo, uma mecânica de locomoção pela lava escaldante de um nível, que mais tarde só seria replicada a qualquer outra superfície líquida sem qualquer rodeio. Se havia algo de especial em não cair no magna, o efeito é o mesmo de cair na… água! Isso porque, claro, Bob Esponja não pode nadar.

A falta de elementos instigantes em cada uma das fases só não é mais grave do que a falta de diversidade dos inimigos do jogo, que são basicamente monstrinhos de geleia que tem um tom roxo mais azulado quando em repouso e intensificam quando provocados. E… é isso. Há os mesmos monstrinhos em todos os cantos e suas variações, um pequeno e ágil, um fortão, um que atira, um que joga bombas… todos são praticamente os mesmos com formas arquetípicas diferentes. Ou seja, nada de cowboys no velho-oeste, nada de dinossauros na pré-história, nada de assombrações no além-túmulo. Ainda que cada variedade seja apresentada em fases separadas, eles são só um elemento de dificuldade a mais, não de integração conceitual ou ambientação.

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Ainda que funcione na essência de sua proposta, a sensação é que SpongeBob SquarePants: The Cosmic Shake jamais abandona o seu lugar de conforto e nunca aposta alto. Ele não só mantém muito que já vimos no anterior como ainda simplifica tudo o que de melhor havia ali, como as mecânicas de movimento e de acesso a áreas mais complicadas, sistemas de combate e diversidade de abordagem diante obstáculos e cenários mais amplos. Nada disso torna o jogo ruim, nem nada perto disso, mas tudo só parece algo já feito antes com uma roupagem que apela para nossas memórias afetivas.

Mais fofo, menos ousado

Bob Esponja é, salvo em camadas semióticas mais sofisticadas, um produto para um público amplo, diversificado, mas principalmente aquele mais jovem, algo na linha pré-adolescente. Cosmic Shake, por sua vez, parece voltado a atender uma parcela ainda mais jovem, o que se traduz em textos mais diretos e curtos, piadas infantilizadas, muito humor físico pastelão e um valor estético bem menos sujo do que estamos acostumados na TV. Obviamente que o 3D oferece recursos de nitidez diferentes do que é usual no desenho tradicional, mas não é só aqui que está a diferença.

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As cores vivas estão presentes, bem como o traço característico da obra, herança do criador do personagem Stephen Hillenburg. Há, contudo, uma suavização da intensidade em todos os aspectos, principalmente nas texturas e nas formas do fundo do mar. O resultado é muito mais limpo, mais harmonioso e mais palatável para um público comum, algo que vai agradar famílias e sobretudo os pequenos, mas também, consequentemente, mais pasteurizado e menos ousado que o produto original.

Por outro lado, cada personagem regular conhecido da animação marca sua presença aqui e estão todos muito bem modelados, com atenção aos mínimos detalhes e, como um ótimo complemento, vozes nos mais diversos idiomas, incluindo o nosso português brasileiro. Wendel Bezerra e todo o elenco de dubladores repetem seus papéis aqui e oferecem todo um brilho especial para a obra, dando sentimento e até valorizando o texto que, como dito anteriormente, é muito raso para os padrões da franquia. Se não tem a sujeita, se não é disforme como estamos acostumados, todo o conjunto audiovisual é belíssimo e agrega valor ao produto final.

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O game não passa imune a problemas técnicos, contudo. Há alguns engasgos mesmo no Playstation 5, seja na mudança de cenas, seja em algumas passagens mais carregadas de informações. Há ainda os velhos problemas de câmera, seja se portando de forma estranha quando estamos perto de quinas e outros acidentes de ambiente, seja quando estamos em um veículo e precisamos sair deles. Não foram poucas as vezes que acabei falhando em uma tarefa só porque a câmera mudou quando passei de uma pedra rolante para o chão, por exemplo.

Conclusão

Por mais que se destaquem as características menos brilhantes nesta análise, SpongeBob SquarePants: The Cosmic Shake é inegavelmente um jogo bastante divertido e muito competente em nos apresentar um mundo colorido que não respeita quaisquer noções de lógica ou algo parecido com isso. Como um típico jogo de plataforma 3D, oferece uma boa dose de desafio, que na maior parte do tempo, principalmente nas tarefas principais, é bem acessível a um público variado, aliado a certos aspectos de combate e resolução de pequenos puzzles. É um conjunto que não deve em nada para outros games similares do gênero.

Análise Arkade - SpongeBob SquarePants: The Cosmic Shake é simpático, mas pouco imaginativo

Sendo um fã confesso do game anterior, sobretudo de sua remasterização, eu confesso que esperava um pouco mais de uma aventura nova e já pensada para as plataformas atuais, principalmente no que se refere ao modelo de combate, diversidade de inimigos e seus respectivos comportamentos, e principalmente em uma forma mais agressiva de se experimentar coisas novas que cabem nesse mundo como em quase nenhum outro. Talvez por uma exigência de mercado, talvez pelo perfil de quem está por trás do projeto, mas é fato que falta ousadia, falta irresponsabilidade.

Se é verdade que o jogo não vai desagradar o público ao qual se destina, ele certamente também não mantém o nível de inventividade subversiva dos protocolos e modelos tradicionais tal como a animação sempre mostrou ser capaz. O game é como encontrar um velho amigo de infância que era totalmente fora-da-caixinha e que agora, depois de envelhecer, se tornou mais calmo e maduro. Com certeza, haverá muita coisa boa a se aproveitar e as melhores coisas continuarão lá, mas ele não vai arrancar aquela risada constrangedora como faria se não tivesse se encaixado em uma forma.

SpongeBob SquarePants: The Cosmic Shake chega ao Xbox One, PlayStation 4, PC, Nintendo Switch no dia 31 de janeiro de 2023 e está, como bem destacado na análise, localizado para o nosso português brasileiro tanto em textos como por voz.

Paulo Roberto Montanaro

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