Análise Arkade: Immortality, um brilhante mistério cinematográfico
Immortality foi um jogo bastante comentado em 2022, quando foi lançado para PC e Xbox. Na época, eu acabei não tendo tempo de jogá-lo. Esta semana ele finalmente está chegando ao PS5 — uma desculpa mais do que propícia para eu me permitir mergulhar em seu mundo sombrio!
Um mistério cinematográfico
Antes de mais nada, acho importante dar um pouco de contexto: Immortality não é bem um jogo, mas um grande puzzle interativo que se apresenta na forma de um filme. Aliás, um não: três filmes.
Sem entregar muitos spoilers, o pano de fundo é o seguinte: uma jovem e promissora atriz chamada Marissa Marcel atuou em três filmes que nunca foram lançados: Ambrosio, de 1968; Minsky, de 1970; e Um Par Para Tudo, de 1999.
Depois desse último filme, ela desapareceu misteriosamente, e seu paradeiro é desconhecido. Como os filmes nunca foram realmente lançados, seus fãs resolveram reunir todos os materiais de Marissa em um programa de computador que funciona como uma espécie de banco de dados virtual.
Isso inclui não só os três filmes em que ela atuou (recortados em centenas de cenas), mas também filmagens de bastidores, entrevistas, ensaios, making offs… há, toneladas de conteúdos sobre Marissa neste acervo, bem como de outros atores e pessoas que participaram da produção dos filmes. Nossa missão é assistir e catalogar tudo isso, tentando encontrar pistas que expliquem o que aconteceu com a atriz e qual seu paradeiro.
É um mistério instigante, apresentado de forma intrincada e não linear. E, com tudo o que podemos assistir de material extra, fica claro que existem rixas e inimizades entre os personagens, que podem (ou não) ter relação com o destino de Marissa. Será que há uma grande conspiração por trás de tudo?
Na prática, a gente nem sabe realmente o que está procurando, e vai assistindo cenas de forma um tanto aleatória… até que, sem querer, vemos uma coisa estranha aqui, outra ali… e é aí que o mistério de Immortality começa a ficar realmente interessante.
Mais filme do que jogo
Immortality é brilhante. E não falo nem como jogo, mas como a experiência interativa e narrativa que ele é. Porém, ele também pode ser chato. É um caso óbvio de jogo que não é para todos. Sua história precisa muito da curiosidade do jogador para funcionar. Se você não for fisgado pelo mistério, pode acabar entediado.
Digo isso porque Immortality é mais para ser assistido do que para ser jogado. É aquele tipo de “jogo de interface”: usando um equipamento chamado Moviola, o grosso da nossa interação com o título se resume a dar play, pausar, rebobinar e avançar as cenas.
O que acrescenta um saborzinho especial é o modo de imagem. Funciona assim: a qualquer momento, podemos pausar uma cena para análisa-la em busca de pontos de interesse. Se o cursor assumir a forma de um olho, significa que aquele é um elemento “clicável”. E, quando interagirmos com ele, vamos ser levados para uma outra cena em que aquele objeto (ou algo similar a ele) aparece.
Aliás nao só objetos: no modo imagem, também podemos “clicar” em pessoas, equipamentos, elementos do cenário, e muito mais. E ao visitarmos outras cenas, vamos, aos poucos, encaixando as peças do grande quebra-cabeças que é a narrativa de Immortality. É não linear, você explora do jeito que quiser, e vai tentando, na sua cabeça, achar uma lógica nos acontecimentos que vê fora de ordem.
O jogo até dá uma ajudinha organizando e catalogando tudo, mas, novamente, cabe à curiosidade do jogador encontrar ligações entre os arquivos, revisitar cenas e fuçar em tudo o que puder para encontrar segredos e pistas.
Essa curiosidade nos leva a descobrir algumas bizarrices: em certas cenas, um som característico (acompanhado de uma sutil vibração no controle) indica que há uma anomalia naquele arquivo. Rebobinar e avançar essas cenas pode revelar segredos bizarros — ou até perturbadores –, e acrescentam ainda mais camadas ao mistério do sumiço da atriz.
E por fala em coisas perturbadoras, é importante avisar que a trama de Immortality trata de temas bem pesados. Há violência sexual, uso de drogas e referências a suicídio. Se algum desses elementos lhe dá gatilho, fique avisado.
Uma aula de cinematografia
Como já avisei, Immortality é um jogo 100% filmado com atores reais. E, já que não podemos avaliar os seus gráficos, como faríamos em um jogo tradicional, é válido ressaltar suas qualidades cinematográficas. E nisso, ele dá um show.
Para começar, 3 filmes completos foram REALMENTE gravados. Isso inclui roteiros, figurinos, atuações, cenários, efeitos especiais e tudo mais o que um filme “de verdade” possui. Só isso já é de uma magnitude impressionante — e envolve dezenas de profissionais e milhares de dólares em produção e equipamentos.
E não para por aí: além dos filmes, ainda temos horas e horas de ensaios, entrevistas, cenas de bastidores, e muito mais. Tudo produzido com muito esmero e legendado em português brasileiro — recurso que é essencial para um jogo tão focado em diálogos.
Também é digno de nota o respeito com o período em que cada filme foi “não lançado”. Há um intervalo de 3 décadas entre Ambrosio (de 1968) e Um Par Para Tudo (de 1999), e isso é refletido não só na aparência dos atores, mas também nos equipamentos de filmagem e na própria qualidade de produção. Eles realmente parecem ter sido gravados com vários anos de diferença.
A qualidade das atuações é outro ponto de destaque. Vamos ver os mesmos atores interpretando diferentes papéis, entrando e saindo de seus personagens, sendo retratados em diferentes momentos de suas vidas. E o elenco, em geral, manda muito bem nessa parte, com destaque óbvio para Manon Gage, atriz que dá vida à Marissa Marcel e brilha no papel.
Por último, mas não menos importante: Immortality é um jogo de Sam Barlow, roteirista conhecido por seus jogos/filmes “fora da caixa”, como Her Story e Telling Lies. Ele sempre gostou de narrativas misteriosas, subsersivas, e aqui entrega o que, até agora, é o ápice desse seu jeito diferenciado de contar histórias interativas. Immortality é arrojado não só como game, mas como experiência audiovisual.
Conclusão
Talvez essa análise não tenha sido muito “didática”, mas é porque Immortality não é um jogo fácil de explicar e analisar. Acho até difícil chamar ele de “jogo”, para ser sincero, uma vez que nossa interação com ele é bastante limitada — mas crucial.
Como eu já disse, Immortality é brilhante, mas também pode ser chato. É um tipo de experiência que não vai agradar a todos. É confuso, não nos dá muitas informações de “por onde começar”, e tem um pacing que pode ser meio arrastado.
E, como já dito, para que tudo funcione, a curiosidade do jogador é essencial. Você precisa ser curioso. Precisa ficar engajado com a história. Precisa querer ativamente fuçar, se aprofundar na trama. Precisa querer saber o que houve com Marissa.
Se você gosta de boas histórias de mistério e tem uma curiosidade natural dentro de você, Immortality é um prato cheio. Mas venha com seu mindset ajustado, e sabendo que você vai assistir muito mais do que jogar.
Immortality já estava disponível para PC, Xbox e dispositivos mobile (onde está incluso na assinatura da Netflix). E agora, em 23 de janeiro de 2024, chegou ao Playstation 5, que é a versão que analisamos. O jogo possui menus e legendas em português brasileiro.