Análise Arkade – O quebra-cabeça engenhoso de Reus
Já imaginou um game onde você assume o papel de um planeta e precisa se virar para fazer a vida prosperar na sua superfície? Descubra como é desafiadora a vida da mãe natureza com a nossa análise de Reus, da Abbey Games.
Reus, da debutante holandesa Abbey Games, é um god game extremamente simpático, e ao mesmo tempo intrigante. Não é fácil descrevê-lo: o jogo apresenta poderes divinos e elementos de estratégia (como vilas e recursos), misturados com uma engenhosa e desafiadora levada puzzle.
No game, você é o espírito de um planeta vazio que após eras de hibernação resolveu acordar e cultivar a vida em sua crosta. Você conta com a ajuda de quatro criaturas colossais para cumprir essa tarefa: quatro avatares que representam elementos da natureza: os pântanos, as montanhas, os oceanos e as florestas.
Com esses quatro ajudantes de peso, você deve criar mares, selvas e desertos, tudo em uma interface 2D giratória muito divertida e inovadora. Parece legal, e bem tranquilo de se fazer, certo? Bem, pense de novo, pois Reus é um dos jogos mais “poker face” da história recente: o que ele tem de inocente na apresentação, ele tem de complexo e desafiador debaixo do capô.
O visual simpático de Reus conquista logo de cara. Você é apresentado à um planeta fixo no centro da tela, enquanto gira a câmera à vontade ao redor da superfície para interagir com os gigantes e o cenário. Tudo bem desenhado, num estilo leve e colorido.
A música dá um tom calmo e progressivo, remontando à grandes games de estratégia como a série Sim City e Civilization. Os enormes corpos dos gigantes rangem, estalam e seus passos pesados retumbam enquanto eles cruzam o planeta atrás de seus afazeres. Sinais sonoros marcam eventos importantes e ajudam a guiar o jogador. Para todo efeito, o som de Reus é muito bacana e bem elaborado.
No que diz respeito a apresentação do game, apenas alguns detalhes poderiam ser melhorados. O principal deles é o fato de que os elementos do jogo (árvores, minerais e animais) não são tão distintos quanto poderia se esperar. Você não vai ter problemas para distinguir um tipo de rocha do outro, por exemplo, mas uma caracterização mais enfática com certeza cairia bem.
Isso é importante porque o game todo gira em torno da criação e combinação constante de pedras, bichos e plantas, e o jogador precisa saber o que cada um faz para se dar bem.
Toda rodada de Reus começa da mesma forma: você, o planeta, é vazio e inabitável, nada mais que uma rechonchuda bola de pedra boiando no universo. Mas você tem o espírito da vida e quer ver a natureza crescer e prosperar em sua superfície. É aí que entram em cena os gigantes.
Cada um desses simpáticos titãs tem habilidades ligadas à uma força da natureza: o gigante dos oceanos – um caranguejo colossal – pode criar mares, por exemplo. Escolha o lugar, mande ele trabalhar, e voilà: a base para a vida está assentada.
A partir daí, os demais colossos entram na brincadeira. Crie florestas e pântanos ao redor dos mares, crie montanhas e desertos entre elas. Plante árvores frutíferas com o gigante das florestas, crie animais peçonhentos e ervas com o gigante dos pântanos, e assim por diante. Cada um dos seus ajudantes pode criar um tipo de elemento, e esses elementos mudam de acordo com o lugar onde são colocados.
Como não poderia deixar de ser, esse paraíso natural acaba atraindo um tal de ser humano. E aí é que os desafios começam.
A essência de Reus é a luta constante entre o equilíbrio da natureza e o progresso humano. Você se dividirá entre dar recursos aos humanos e manter eles na linha. O game une de forma fantástica essa ideia de estratégia e progresso com um puzzle de combinações.
Os humanidade precisará de recursos naturais para prosperar, e cabe a você fornecer isso a eles. Mas não adianta plantar mil pés de tomate em uma vila: você precisará combinar as coisas para que elas funcionem melhor. Reus chama essas combinações de “simbioses”, e é essencial que o jogador as entenda.
Por exemplo: coloque uma planta ao lado de um animal, e este animal vai gerar muito mais alimento. Faz todo o sentido. Por cima disso, você tem a opção de melhorar cada recurso, transformando o carvão em um minério mais valioso, por exemplo. Isso é feito pelos gigantes, e às vezes eles precisam de embaixadores (uns carinhas que as vilas te dão de presente) para poder fazer isso.
Com tudo isso em jogo, os seres humanos prosperam, e isso significa que eles podem se tornar gananciosos, entrando em guerra com outras vilas ou até perdendo o respeito pelos gigantes – e os atacando. Nesse caso, será necessário aplicar uma boa dose de disciplina (do tipo “estou enviando um gigantesco monstro de rocha para ter uma conversinha com vocês” de disciplina).
Os comandos do game são muito ágeis e fáceis de assimilar – os gigantes podem ser selecionados usando-se as teclas de 1 a 4, e suas habilidades podem ser ativadas com o grupo de teclas QWER e próximas, uma boa pedida já que a mão esquerda de 99% dos jogadores de PC se concentra nessa área.
Isso dá um ritmo muito legal a Reus. Em instantes você se verá mandando os gigantes pelos quatro cantos do planeta para plantar, melhorar e combinar recursos, atacar e defender vilas e finalmente atender os requisitos dos projetos de cada uma.
Reus é um god game de combinações e experimentação fantástico, porém infelizmente este que é um de seus grandes pontos altos também acaba revelando o seu principal ponto negativo: a falta de intuitividade.
O game não comunica tão bem como poderia suas próprias regras ao jogador. Não que ele não explique elas por escrito, porque isso ele faz e extensivamente, em seus tutoriais e em sua Wikia – para a qual existe até um link dentro do jogo. O problema é que ele não faz isso de forma intuitiva.
Quer um exemplo? Em determinado momento, você perceberá que um tipo de minério precisa ser melhorado. Quem colocou esse minério foi o gigante da terra, mas o upgrade só pode ser feito pelo gigante dos oceanos. E para completar, o gigante dos oceanos só tem acesso à habilidade de upgrade se ele ganhar um embaixador das florestas – o que por sua vez exige todo um outro conjunto igualmente complexo de interações para ser conseguido. Intrincado, não?
Pois é disso que estamos falando. Talvez sequências um pouco mais lógicas/diretas ajudassem aqui, e com certeza conquistariam de cara os jogadores mais casuais. É ótimo que o game tenha essa complexidade, uma raridade nesta época recheada de AAA’s fúteis, mas isso não significa que uma melhor apresentação das regras não viesse bem a calhar.
Resumindo: você entende e curte as combinações e coisas interligadas de Reus, mas você não consegue pegar elas “de cara”.
Essa falta de intuitividade na jogabilidade de Reus é a grande “bola na trave” do pessoal da Abbey Games. Não é demérito do game nem da equipe, mas é a grande diferença entre um game se tornar massivamente bem sucedido – algo que Reus teria potencial para ser -, ou tornar-se bem sucedido apenas para um grupo de jogadores.
Reus se divide em dois modos: um modo de “eras”, onde você tem tempo marcado para tentar atingir o máximo de desafios possíveis (do tipo “criar uma vila com 200 pontos de prosperidade à beira-mar”, ou “completar todos os projetos de uma vila desértica”), e o modo livre.
É no último que você poderá experimentar combinações, usar o máximo do potencial dos gigantes e literalmente estudar o game, com calma.
Ambos são muito interessantes e divertidos. Enquanto o modo mais objetivo te desafia com tarefas pré-definidas e te recompensa com uma porção de conquistas e novos elementos (como tipos de animais diferentes, minérios mais ricos, etc), o modo livre te deixa moldar a face de um planeta inteiro e suas civilizações à vontade.
Graças à um sistema muito bacana de experimentação e recompensas, Reus tem um ótimo fator replay, que premia e ensina ao mesmo tempo, algo que tira o melhor do seu lado puzzle. Além de tudo, o game conta ainda com 123 achievements no Steam.
Por fim, Reus é um ótimo game, que leva a experimentação a um nível sensacional, e cuja grande falha é apenas o fato de não tornar esta que é a sua maior qualidade mais intuitiva e acessível.
Uma apresentação melhor das próprias mecânicas poderiam facilitar a vida dos jogadores, sem prejudicar de forma alguma a sua bem-vinda complexidade. Não se trata de tornar as coisas mais simples só por tornar, e sim de apresentar de maneira mais nítida os seus próprios elementos.
De todo modo, o game é um feito incrível da Abbey Games, uma experiência bastante divertida e potencialmente muito cativante. O visual simpático pode esconder uma mecânica complexa e às vezes difícil de assimilar, mas ainda assim o jogo recompensa e muito bem pelo seu próprio aprendizado.