Análise Arkade: No Man’s Sky é uma enorme (e entediante) viagem pelo universo
Depois de uma semana explorando dezenas de planetas e sistemas, já temos uma opinião formada sobre No Man’s Sky, o game indie mais alardeado do ano. Embarque nesta viagem com a gente!
Antes de mais nada…
Gostaria de lembrar a você, leitor, que já temos 2 matérias bem bacanas sobre No Man’s Sky publicadas: como tivemos acesso ao game antes do lançamento, publicamos um preview completo na launch date, contando nossas impressões iniciais — baseadas em mais de 10 horas de jogatina que tivemos antes do patch de atualização. Leia aqui.
Além disso, depois que fui bombardeado com dúvidas e perguntas durante uma Live que fiz, aproveitei para responder 12 perguntas sobre No Man’s Sky simplesmente para esclarecer um pouco a “rotina” do game para quem estava meio perdido, sem entender direito qual é a do game. Leia aqui.
Agora sim, vamos ao review!
No Man’s Sky começa do mesmo jeito para todo mundo, mas em lugares diferentes: você desperta em um planeta aleatório, precisando consertar sua nave para poder sair dali. Já de cara você tem contato com o Atlas — uma espécie de entidade que armazena todas as informações do universo — e pode decidir se “segue o caminho do Atlas“ ou simplesmente vira um andarilho errante. Em ambos os casos, seu objetivo é basicamente chegar ao centro do universo.
De um jeito ou de outro, não espere muito desenvolvimento narrativo. A história de No Man’s Sky é super rasa por um motivo simples: ela não é o pilar central deste jogo. No Man’s Sky é um jogo de crafting e exploração, que quer que você viaje pelo espaço, conheça novos planetas e catalogue novas espécies. Há um fio narrativo sutil que vez ou outra aparece, mas no geral o que o jogo te dá é a liberdade de simplesmente sair e explorar.
Sendo bem honesto com você, eu ainda não cheguei ao fim de No Man’s Sky, então não sei dizer se o “final da história” é bom ou ruim. O que sei é que, depois de passar por mais de 70 planetas, 4 buracos negros e uns 20 setores diferentes da galáxia em mais de 30 horas de jogo, eu já estou meio de saco cheio do game.
A rotina espacial
As primeiras 3 ou 4 horas de No Man’s Sky são mágicas: explorar um planeta alienígena só seu, conhecer plantas e animais surreais, é incrível. Depois disso, você levanta voo e vai ao espaço sideral pela primeira vez, passando por asteroides e bilhões de estrelas… até descer em um novo planeta — com direito à nave ficando incandescente ao atravessar a atmosfera — e dar de cara com algo realmente diferente do que você viu naquele primeiro planeta. Isso é empolgante, e funciona muito bem… nas primeiras 3 ou 4 horas de jogo.
Depois, o que fica é a rotina: sem uma história que lhe faça ter um real propósito para ir de um lugar a outro, o que sobra é fazer o de sempre, de novo e de novo. Suba em sua nave, viaje pelo espaço, desça em um novo planeta, explore um pouco, catalogue umas espécies. Volte para sua nave, viaje para o espaço, desça em outro planeta, explore um pouco, catalogue umas espécies, e assim sucessivamente. De novo e de novo.
Ok, você encontra bases e estações espaciais — geralmente desertas, ainda que vejamos naves entrando e saindo delas o tempo todo — e desbrava ruínas que lhe ensinam um pouco da história de certas raças alienígenas. Também encontra anomalias espaciais onde você pode aprender coisas novas e até buracos negros que podem servir de “atalho” em sua jornada rumo ao centro do universo. Mas, em 90% do tempo você vai estar pulando de um planeta a outro e fazendo (de novo e de novo) as coisas que foram descritas no parágrafo acima.
Chega a ser engraçado como um jogo de proporções tão grandiosas — afinal, são 18 quintilhões de planetas!! — consegue se tornar entediante e repetitivo simplesmente pela falta de objetivos. Você vai passar por dezenas de planetas gerados proceduralmente, mas vai fazer basicamente a mesma coisa em todos eles: explorar, catalogar espécies, aprender umas palavras alienígenas… e só.
Explorando, “craftando” e catalogando
No Man’s Sky é um jogo de crafting. MUITO crafting. Seu traje espacial precisa da energia de isótopos para lhe manter protegido/aquecido. Sua arma — digo, multiferramenta — também precisa de energia para funcionar. Sua nave precisa de 3 tipos diferentes de combustível: plutônio para decolar, tório para voar e células de dobra para viajar à velocidade da luz e poder chegar a outros pontos da galáxia.
Como você consegue tudo isso? Basicamente destruindo coisas em busca de recursos. Destrua plantas e formas de vida para conseguir carbono, destrua rochas para conseguir ferro, destrua cristais vermelhos para conseguir plutônio. E ainda existe uma infindável variedade de matérias-primas — zinco, platina, cobre, herídio, titânio, alumínio, ouro, etc. — que podem tanto servir para criar coisas quanto simplesmente lhe render uma grana extra ao serem vendidos.
Enquanto destrói pedras e plantas em busca de recursos, você também vai descobrindo novas espécies de animais e plantas. Tudo no jogo pode ser escaneado (você precisa construir o scanner, é claro) e catalogado. E se você é o primeiro a descobrir um espécime (ou mesmo um lugar, um planeta, ou um sistema), pode dar um nome para sua descoberta, e ela ficará para sempre no enorme catálogo que é a galáxia compartilhada do game.
Tá com tempo? Então confira 3 horas de gameplay da Live que eu fiz um dia antes do lançamento do game:
Catalogar espécimes também lhe rende uma graninha fácil: há uma espécie de “Guia do Mochileiro das Galáxias” que vai sendo atualizado conforme novos mundos e formas de vida são descobertos, e se você é o primeiro a catalogar alguma coisa, a Biblioteca Galáctica te dá um dinheirinho por isso. Não é muito, mas
Com isso, quero deixar claro que, enquanto joga No Man’s Sky, você vai ficar mais tempo atirando em pedras e plantas do que realmente “vivendo altas aventuras pelo espaço”. Aliás, boa parte dos parágrafos acima foram copiados do meu preview simplesmente porque continuam valendo: seja com 10 ou com 30 horas de jogo, a rotina de crafting e exploração de No Man’s Sky permanece.
Quando menos é mais
No Man’s Sky tem 18 quintilhões de planetas. Isso é coisa pra caramba. E, como eu expliquei na matéria especial 12 perguntas e respostas sobre No Man’s Sky, eles são sim, diferentes entre si, ainda que preservem várias similaridades. A questão é: por mais que sejam diferentes, nenhum deles é único, emblemático, marcante.
Considerando que os planetas são gerados proceduralmente, o que acontece é que o algoritmo do game vai “misturando ingredientes” para gerar planetas diferentes. O problema é que o que temos são 18 quintilhões de planetas genéricos e sem nenhum carisma. Alguns são mais bonitos, ou mais exuberantes, ou radiativos, mas nenhum planeta é memorável.
Sendo bem sincero, acho que este escopo exagerado do game mais atrapalha do que ajuda: eu preferia ter apenas 20 planetas realmente únicos e interessantes para explorar do que milhões de planetas vazios e genéricos que dificilmente vão ficar na sua memória. As vezes menos é mais.
Isso está diretamente relacionado ao nível de empolgação e interesse que você sente pela exploração: como eu disse, as primeiras 3 ou 4 horas de jogo são incríveis. Porém, como os planetas tendem a se tornar genéricos e sem graça — ainda que diferentes — a exploração em si se torna entendiante assim que a “magia” da descoberta acaba.
Claro que vez ou outra você vai dar de cara com alguma criatura alienígena bem diferente das que já viu, mas mesmo as (milhões) de criaturas vivas logo perdem seu encanto simplesmente porque não são tão diferentes em termos de comportamento. Alguns fogem de você, outros de atacam, outros te ignoram.
Não há “inteligência” e como em outros aspectos do jogo, há padrões de comportamento que se repetem. Por mais exótica que seja uma criatura, ela nada mais é do que uma nova skin para uma IA que você já viu, e isso ofusca o brilho da descoberta em si.
Audiovisual
A enxuta equipe da Hello Games se esforçou muito para criar a fauna e a flora de No Man’s Sky, mas, novamente, o escopo do game mais atrapalha do que ajuda: o que de início parece exuberante e variado logo começa a formar padrões e se repetir. Mudam cores, formatos e tamanhos, mas você invariavelmente vai ver plantas, algas, formações rochosas e fungos se repetindo mais do que deveriam.
A paleta de cores do game me incomodou um pouco, mas isso é questão de gosto pessoal. Acho que o visual no geral é muito “lavado”, poderia ter um pouco mais de saturação e cores mais vibrantes para causar mais impacto. Os tons de verde e laranja são quase tons pastel, e mereciam um pouco mais de vida. Se fosse colorido como um Far Cry 4 — que se passa na Terra –, acho que o game seria mais atrativo.
A trilha sonora, por outro lado, é incrível. Imersiva, moderna e com uma vibe bem “espacial”, ela casa muito bem com o jogo, e sempre que aparece, consegue potencializar o que acontece na tela. Parabéns à banda 65daysofstatic, que conseguiu abarcar toda a essência do game em faixas que são realmente inspiradas.
Que tal mais umas 2 horas e meia de gameplay? Pois é, tem mais Live pra você aí embaixo:
Por ser gerado proceduralmente, a profundidade de campo é muito afetada. Até fica feio ver trechos de terreno “popando” na tela conforme você avança em um voo de reconhecimento. Quedas de framerate também acontecem ocasionalmente (no PS4, pelo menos, que foi onde joguei), mas no geral o game roda bem, ainda que não ultrapasse os 30fps.
Vale ressaltar que o game chega ao Brasil 100% em português. Isso ajuda muito nos menus e na criação de itens, mas no áudio em si não faz muita diferença, uma vez que cada raça alienígena fala seu próprio idioma. Voz em português? Só a do seu traje, mesmo, que lhe mantém informado das condições climáticas e do status de sua energia e suas defesas.
Conclusão
A falta de um propósito sem dúvida é o que mais atrapalha No Man’s Sky de alcançar seu potencial. A exploração logo não é mais divertida, e a rotina que o jogo impõe ao jogador logo se torna entediante. Este é um jogo de ritmo lento que pode aborrecer mesmo quem é fã de crafting e de exploração.
Já andam rolando por aí debates e montagens que comparam os trailers do game ao produto que foi entregado. Não quero me aprofundar muito neste ponto aqui — talvez em uma Além do Review a gente fale mais sobre isso — mas a impressão que tenho é que muita gente acabou “comprando gato por lebre” simplesmente porque achava que No Man’s Sky seria um jogo de ação espacial multiplayer, uma enorme aventura no estilo Star Wars para jogar com os amigos.
Eu não me senti enganado. Há tempos a gente vem falando no ArkadeCast que a chance de No Man’s Sky ser um jogo chato era grande. Porém, mesmo estando preparado para um jogo com mais exploração e menos ação, ainda assim eu acabei me entediando com No Man’s Sky. E sei que não sou o único. No dia seguinte ao lançamento já tinha gente revendendo o jogo usado por ter achado o game chato.
Eu gostaria muito que No Man’s Sky se mantivesse fresco e empolgante por mais tempo. Eu gostaria que ele não estabelecesse uma rotina tão chata. Eu queria ter mais o que fazer em cada planeta. Eu adoraria me empolgar com cada planta ou animal novo que encontrasse. Mas isso não aconteceu, e assim que o deslumbramento inicial passa, o que fica é o vazio e o tédio.
Acho até difícil afirmar que No Man’s Sky é um “jogo de nicho”, dado o barulho que ele fez muito antes de ser lançado. A Hello Games prometeu e não cumpriu? Talvez. Mas acho mais seguro afirmar que a Hello Games exagerou: criou um universo enorme, mas com pouco conteúdo. A mensagem que fica é: as vezes, menos é mais.
No Man’s Sky foi lançado em 9 de agosto para PS4 e em 12 de agosto para PCs. Esta análise foi feita com base em uma cópia que nos foi cedida pela Sony.
Não deixe de ler nossa matéria especial: 12 perguntas e respostas sobre No Man’s Sky.