A amizade entre Brasil e Japão, através da cultura pop japonesa

31 de março de 2020
A amizade entre Brasil e Japão, através da cultura pop japonesa

Em 18 de junho de 1908, o navio Kasato Maru aportou em São Paulo, com 781 imigrantes, vindos do Japão, para o trabalho da lavoura no interior do Estado. Assim iniciava uma história de amizade entre brasileiros e japoneses. Os dois países, de culturas, línguas e costumes tão diferentes, desenvolveram, ao longo dos anos, um grande relacionamento.

Hoje, o Brasil conta com 2 milhões de nikkeis, 60% destes em São Paulo, que são os japoneses e seus descendentes, que vivem fora do Japão. Que faz do nosso país o maior território de população japonesa, fora do Japão. Mas, muitos que não tem descendência japonesa, acabaram sendo impactados, de maneira direta, pela cultura pop japonesa.

Desde os tempos de National Kid e Ultraman, passando pela febre de Jaspion, e outros heróis contemporâneos, o sucesso de animes como Cavaleiros do Zodíaco e Dragon Ball, chegando aos dias de hoje, com muitos fãs das produções do país, que consomem sua cultura pop e participam de eventos pelo país, como o Anime Friends, são muitos os brasileiros que admiram as produções vindas do Japão. E, através dela, buscam aprender mais: o idioma, a maneira de desenhar, e até o sonho de conhecer a Terra do Sol nascente.

A amizade entre Brasil e Japão, através da cultura pop japonesa
Yasushi Noguchi, Cônsul-Geral do Japão em São Paulo

Para entender mais sobre o que aconteceu para que nossa amizade com os japoneses se tornasse algo tão impressionante, conversei com o Cônsul Geral do Japão em São Paulo, Yasushi Noguchi, no Consulado Geral do Japão em São Paulo. E, em nossa conversa, pude conferir muita informação interessante, e que ajuda a entender bem o que nos aproximou tanto de nossos amigos do outro lado do mundo.

Confiança – O início de tudo

A amizade entre Brasil e Japão, através da cultura pop japonesa
Imigração Japonesa no Brasil. Foto: Assembleia Legislativa de São Paulo

Comecei perguntando sobre o início de tudo. Me interessa saber sobre os elos que ligaram brasileiros e japoneses nos primeiros dias, há 112 anos atrás. Noguchi me explicou que acredita que foram os valores japoneses que conquistaram os brasileiros naqueles dias. Ele mencionou a disciplina, o fato de trabalharem duro, o cumprimento de seus objetivos, além de saberem fazer bem o que propõem.

Além disso, o Cônsul também mencionou o respeito, pelas pessoas, especialmente idosos e antepassados. Todos estes elementos geraram respeito dos brasileiros pelos japoneses. E, com o respeito, a confiança. Esta confiança seguiu através dos tempos, sendo mostrado a todo o mundo nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. A torcida brasileira recebeu a delegação japonesa com muito carinho, sendo a maior delegação não-brasileira a ser ovacionada de maneira tão calorosa.

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Delegação Japonesa nos Jogos Olímpicos Rio 2016 – Foto: Extra

Na Copa do Mundo de 2014, também foi lembrado o exemplo de limpeza da torcida japonesa nos jogos de sua seleção. Brasileiros compartilhavam em redes sociais este exemplo, mostrando o respeito por aqueles que voluntariamente, limpavam todo o estádio no final das partidas. Foram estes, os valores iniciais, que geraram o reconhecimento ao povo japonês em seus anos vivendo em solo brasileiro.

Judô e Futebol – Grandes elos de ligação

Noguchi também mencionou dois grandes elos, que ligam brasileiros e japoneses de maneira muito interessante: o esporte. Os japoneses trouxeram ao Brasil a prática do judô. E, entre técnicas de combate, a disciplina e a filosofia do esporte, os brasileiros se tornaram a maior população de judô no mundo: cerca de dois milhões de praticantes, de acordo com a Confederação Brasileira de Judô.

A conquista do ouro de Aurélio Miguel nos Jogos Olímpicos de Seoul, em 1988

E o judô fez história no Brasil. É o esporte mais vitorioso do Brasil nas Olimpíadas, com 22 medalhas, sendo quatro de ouro, três de prata e 15 de bronze. Sua primeira medalha veio com Chiaki Ishii, japonês naturalizado brasileiro, que conquistou o bronze em Munique, em 1972. E, em 1988, em Seoul, Aurélio Miguel conquistou o primeiro ouro na modalidade. E, ainda, as artes marciais brasileiras, como o jiu-jitsu, são extremamente populares entre os japoneses.

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Zico fez grande sucesso no Japão, jogando no Kashima Antlers. Foto: Lance

Enquanto isso, o futebol brasileiro fez o mesmo pelo Japão. O apoio direto de nomes como Zico, César Sampaio, Leonardo, Bebeto, e tantos outros, fizeram a J-League, que teve a sua primeira temporada realizada em 1993, se tornar o campeonato mais importante da Ásia. Além disso, participaram de maneira efetiva do desenvolvimento da JFA, a Federação Japonesa de Futebol. Zico, inclusive, comandou a seleção do país na Copa de 2006.

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Musashi Mizushima, o japonês que se aventurou no futebol brasileiro nos anos 80, e inspirou Super Campeões – Foto: Reprodução

E até o Super Campeões, conhecido no Japão como Capitain Tsubasa, teve como inspiração a aventura de um jogador japonês no Brasil. Oliver Tsubasa (ou Tsubasa Ozora), foi inspirado em Musashi Mizushima, adolescente que veio para o “país do futebol” realizar seu sonho de se tornar um grande jogador de futebol. Passou sua adolescência no São Paulo Futebol Clube, o mesmo time que Oliver joga no anime e mangá, e sua história pode ser conferida aqui.

Artes Marciais e Efeitos Especiais – O Início do sucesso da Cultura Pop japonesa

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National Kid, o primeiro herói japonês que fez sucesso no Brasil. Foto: Reprodução

E esta ligação de amizade contou com um novo capítulo em 1964. National Kid chegava ao Brasil. E, mesmo sem cumprir o seu papel principal, que era o de promover a National Electronics, a atual Panasonic, fez bastante sucesso por aqui. Mas só no Brasil, pois, como lembrou o Cônsul, o herói não fez muito sucesso no Japão.

Mas, por que o herói fez sucesso aqui, afinal? Noguchi acredita que nesta época, já havia uma boa imagem do japonês no Brasil. As artes marciais já eram praticadas e queridas por nós, e os efeitos especiais eram uma novidade bem interessante. E o Cônsul acredita que foram estes mesmos valores que fizeram com que, nos anos 80, as produções japonesas explodissem no Brasil com muito sucesso.

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Jaspion foi o líder de uma grande explosão de produções japonesas no Brasil nos anos 80 – Foto: Reprodução

O sucesso de Jaspion, Changeman, Jiban e tantos outros heróis japoneses no Brasil, se justifica, além das lutas e das artes marciais, com os valores, aqueles mesmos apresentados a nós no início do século XX, agora eram representados em aventuras espaciais. Em meio a lutas contra monstros, o brasileiro era exposto a valores como respeito, amizade e solidariedade.

E tais valores foram sendo definitivos na memória dos brasileiros. Tanto que o Jaspion, três décadas depois, segue forte na memória dos brasileiros, com direito a mangá em produção e um filme que segue em desenvolvimento.

A explosão dos animes e a vontade de conhecer o Japão

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Os Cavaleiros do Zodíaco lideraram a “segunda onda” de sucessos japoneses no Brasil. Desta vez, com animes – Foto: Reprodução

E, se os anos 80 viram a explosão das produções tokusatsu no Brasil, nos anos 90 uma nova onda fez sucesso no país: os animes e os mangás. Primeiro com Cavaleiros do Zodíaco, e depois com Dragon Ball Z, e muitos outros animes e mangás, um novo fenômeno aconteceu: além do sucesso das produções em si, os brasileiros começaram a se interessar pelo Japão: seu idioma, sua maneira de desenhar, sua cultura, e até mesmo a vontade de morar no país.

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Dragon Ball vendeu diversos mangás no Brasil através da Editora Conrad, nos anos 2000. E gerou em muitas pessoas o interesse de conhecer mais sobre o Japão – Foto: Reprodução

O Cônsul Geral do Japão em São Paulo explicou que, naqueles tempos, a cultura pop japonesa, de fato, foi um grande divulgador do país no Brasil. Mas, além disso, a busca por uma vida melhor (vistas nas produções), atraíam os brasileiros. A melhor qualidade de vida em território japonês, além da economia japonesa, mais forte do que a brasileira, também era um dos argumentos de quem queria, naqueles dias, viver no Japão.

Todo este sucesso se reverteu em situações bem interessantes. Com as redes sociais, os brasileiros que vivem lá mostram de forma mais direta muito do país. Seja com um post no Instagram, ou com canais do formato “brasileiros no Japão”. Além disso, a Embaixada do Japão no Brasil e seus Consulados são os que possuem mais seguidores, entre todos todas as representações diplomáticas japonesas, em todo o mundo.

A tecnologia e os videogames também aproximam

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O Mega Drive foi o primeiro grande sucesso em videogames japoneses no Brasil. Tanto que a Tec Tony relançou o console recentemente. Foto: Tec Toy.

Os videogames japoneses chegaram ao Brasil em 1989, com o Mega Drive e Master System sendo fabricados pela Tec Toy, com autorização da SEGA. Em 1993, foi a vez da Nintendo, representada pela Playtronic (a famosa joint-venture entre Gradiente e Estrela), trazer o Super Nintendo, Game Boy e o NES ao território Brasileiro.

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O Playstation foi um dos consoles mais queridos do Brasil entre os anos 90 e 2000

E, mesmo sem representação oficial, o Playstation e o Playstation 2 da Sony foram campeões de venda no país, até a chegada oficial da Playstation Brasil, que oferece grande parte de seus serviços, além da venda e suporte oficial do Playstation 4, atualmente, no país. Mas é interessante saber que, mesmo com a presença de empresas de games japonesas no Brasil, como a Bandai Namco, ou a própria Sony, a aproximação do brasileiro com a tecnologia japonesa vai além.

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O PRODECER. Mais uma colaboração da tecnologia japonesa para o Brasil – Foto: jica.go.jp

O PRODECER (Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento Agrícola dos Cerrados), por exemplo, nasceu em 1979, e busca levar a tecnologia japonesa para desenvolvimento do cerrado brasileiro. Isso ajudou muito o Brasil a se tornar um grande exportador de soja, com conhecimentos japoneses. A NEC, empresa japonesa que inclusive se aventurou com videogames através do PC Engine / TurboGrafx-16, está atualmente em aeroportos brasileiros com sua tecnologia de reconhecimento facial. Além da Japan House São Paulo, onde também foi implementado.

Há, por parte do brasileiro, um grande interesse pela tecnologia japonesa, incluindo itens que não podem ser usados aqui, como celulares, que contam com particularidades com redes do Japão. Incluindo nos anos 90 quando, mesmo com travas de região, jogos e consoles japoneses estavam presentes nas locadoras, com jogadores curtindo seus games sem entender o idioma, e ás vezes, até aprendendo japonês devido aos videogames.

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Consoles da Nintendo sempre foram queridos no Brasil

Mais uma vez, de acordo com o Cônsul, é a confiança que faz com que os produtos japoneses sempre sejam “os mais legais”, nos olhos de gamers e fãs de tecnologia em geral. E, hoje em dia, com menores barreiras quanto aos produtos japoneses do que em outros anos, mais do que nunca o consumo de produtos japoneses, especialmente os de tecnologia, só tendem a crescer.

O interesse do Japão em promover sua cultura no Brasil

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A Japan House São Paulo – Foto: G1

O Japão segue com muito interesse em promover sua cultura no Brasil. A Família Imperial, por exemplo, faz visitas regulares ao país. A princesa Mako, por exemplo, esteve no Brasil para celebrar os 110 anos da Imigração Japonesa, em 2018. Noguchi lembrou que, pelo menos, a cada dez anos, um membro da realeza visita o país.

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A princesa Mako, em visita ao Brasil para as celebrações dos 110 anos da Imigração Japonesa – Foto: Veja

Desde 2008, com o centenário da Imigração Japonesa, mais ações foram implementadas no Brasil, a fim de divulgar a cultura japonesa no país. A Japan House São Paulo, por exemplo, foi inaugurado em 2017 e é uma ponte entre o Brasil e o Japão contemporâneo. O local apresenta mostras culturais, mas também é um local interessante para as áreas de negócios, tecnologia e educação.

Encerramento dos Jogos Rio 2016, com as boas-vindas à Tóquio, com muitos personagens famosos da cultura pop japonesa

Nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, o encerramento, que entregava para Tóquio a responsabilidade dos próximos jogos, contou com uma apresentação repletas de aparições de personagens japoneses, como o Mario, e Oliver Tsubasa. E o Festival do Japão, que já está em sua 23º edição, segue levando a cultura e tradições do país a todos os brasileiros.

Os frutos desta amizade e o futuro das relações Brasil-Japão

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A Turma da Mônica é um dos bons exemplos desta amizade entre brasileiros e japoneses – Foto: Turma da Mônica / Reprodução

Você já reparou no número de restaurantes japoneses que existem no Brasil? São Paulo, por exemplo, já conta com mais restaurantes de culinária do Japão do que churrascarias. Pois bem, esta amizade de mais de 110 anos entre brasileiros e japoneses trouxe muitos frutos positivos para o brasileiro.

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A TV Digital brasileira segue o padrão japonês – Foto: Seesp

A TV Digital brasileira, por exemplo, segue o padrão japonês. O conceito de polícia comunitária, segue também, mesmo sem ser de maneira idêntica, os conceitos japoneses. Noguchi compartilhou que o conceito de polícia no Japão é bem diferente, com os policiais no país agindo de maneira mais próxima da população, através do método Koban. A ponto da polícia japonesa organizar campeonatos de esportes, e promover eventos com as crianças.

Também é possível ver um sentimento de gratidão entre ambas as partes. Além do carinho nos Jogos Olímpicos mencionados, os japoneses são gratos, não só aos brasileiros, mas a todo o mundo, pelo apoio durante o terremoto em Tohoku, que é conhecido como “Grande Terremoto do Leste do Japão”, que assolou o país em 2011. E, para o futuro, há a esperança de que esta amizade siga evoluindo.

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Em 2011, o então Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, recebeu comissão japonesa chefiada pelo então Cônsul Geral Kazuaki Obe, oferecendo apoio a vítimas do “Grande Terremoto do Leste do Japão” – Foto: G1

Além da tecnologia, mais acessível a todos, os japoneses querem seguir influenciando com seus costumes. Na alimentação, por exemplo, com o consumo maior de peixes e legumes, e com a cultura de aproveitar tudo, ou seja, de comer tudo o que tem no prato. Quem jogou Shenmue, viu uma lição sobre isso.

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A culinária japonesa contou com um aumento exponencial em restaurantes e interesse no Brasil – Foto: Reprodução

E também há espaço para a sustentabilidade. Noguchi lembrou que as medalhas para os Jogos Olímpicos em Tóquio foram feitas de material reciclado, de smartphones e computadores. Assim, de maneira semelhante aos primeiros japoneses que desembarcaram no Brasil em 1908, os japoneses contemporâneos querem seguir levando seus valores, conhecimento e tecnologias, através da maior comunidade japonesa fora do Japão no mundo, para o brasileiro que mostra muito respeito por este povo de cultura e história tão diferentes. Ambas as partes conseguiram encontrar elos em comum, seja nos games, animes, mangás, esporte ou cultura, para estabelecer uma rica história de amizade.

Junior Candido

Conto a história dos videogames e da velocidade de ontem e de hoje por aqui! Siga-me em instagram.com/juniorcandido ou x.com/junior_candido

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