Análise Arkade: o fantástico mundo de marionetes de A Juggler’s Tale
Se você gosta de jogos no estilo Limbo, Inside e Planet Alpha, vai gostar de saber que hoje chega um jogo nessa mesma pegada que esbanja carisma e criatividade: estou falando de A Juggler’s Tale!
Um mundo de marionetes
A Juggler’s Tale cativa o jogador já por sua premissa: a história que vamos acompanhar é na verdade uma mistura de canção e poesia, contada por um bardo, em uma taverna. Então, sim, mais ou menos como em Bastion, aqui temos um narrador que participa muito ativamente do game.
Ele não só conta a história, como também a controla, até certo ponto. Isto porque A Juggler’s Tale se apresenta como um teatro de marionetes, aqueles bonequinhos articulados que são manipulados por cordões.
A história acompanha Abby, uma garotinha que trabalha no circo, mas não está realmente satisfeita com sua condição. Quando tem uma chance, ela escapa, mas claro que o dono do circo não vai deixar isso barato, e vai colocar seus lacaios na cola da menina.
Assim, acompanhamos esta jornada pela liberdade de Abby, uma aventura que é quase toda narrada pelo bardo — que é também o titereiro, o controlador dos bonequinhos.
Confira abaixo a intro animada e os primeiros minutos de gameplay, legendados em PT-BR:
A importância dos cordões
Mecanicamente, A Juggler’s Tale é um game de plataforma 2.5D que bebe na fonte de todos os jogos que mencionei lá no primeiro parágrafo. Vamos pular, arrastar objetos, arremessar coisas e, ocasionalmente, pensar um pouquinho para descobrir como superar algum obstáculo mais elaborado.
Sem medidor de vida, contador de pontos nem sidequests, este é aquele tipo de jogo que é, na verdade, uma jornada: Abby precisa estar sempre em frente para se livrar de seus captores, então o ritmo da curta campanha é constante. Estamos fugindo, afinal.
O que diferencia A Juggler’s Tale de outros jogos deste tipo é que ele realmente aproveita o fato de se passar em um mundo de marionetes. Os cordões que movimentam os personagens têm uma função não só mecânica, mas também narrativa.
Explicando: como estamos presos pelos cordões, não conseguimos passar por baixo de certos lugares, pois os cordões ficam enroscados. Isso vale para nossa protagonista, mas também para nossos perseguidores: muitas vezes, vamos tirar vantagem dessa limitação para atrasá-los ou despistá-los.
Esta é a utilidade mecânica dos cordões. Narrativamente, porém, o jogo vai ainda mais longe, e tem um plot twist espetacular que eu realmente não esperava. Não vou entrar em spoilers, mas, digamos que o bardo que está contando a história logo se mostra um tanto controlador demais, e começa a aproveitar o poder que tem para interferir em acontecimentos a seu bel prazer.
Isso acrescenta uma camada extra de profundidade ao roteiro, que é quase metalinguística. A fuga de Abby, afinal, não é apenas do dono do circo, mas de qualquer um que tenha algum tipo de controle sobre ela. O jogo usa marionetes para contar uma bela história de liberdade e perdão, e faz isso aproveitando os cordões como uma metáfora, mas também como um elemento importante no próprio game design.
Sabe com Unravel cria todos os seus desafios para aproveitar o fato do protagonista ser um bonequinho de lã? A Juggler’s Tale faz a mesma coisa, mas vai além: as amarras de Abby têm função mecânica, mas também são muito importantes para a narrativa.
Audiovisual
Embora adote um visual low poly que já está um tanto batido, A Juggler’s Tale é um jogo muito bonito e bem resolvido visualmente. Eu adoro como cada fase começa em um cenário de mentirinha (com árvores de papel), mas rapidamente evolui para uma floresta de verdade. É um teatrinho, então é tudo de mentirinha… mas ao mesmo tempo não é.
A mistura de realismo com fantasia é bem utilizada, concedendo charme e personalidade ao jogo. Bons efeitos de parallax dividem os cenários em camadas, acrescentando uma profundidade que enriquece ainda mais os cenários por onde passamos.
É no departamento sonoro, porém, que o jogo realmente se destaca. Como eu já disse, boa parte da história é cantada/declamada pelo narrador, e é bem impressionante o trabalho que foi realizado aqui para que todo o desenrolar da história seja rimado e funcione nesta estrutura dividida em versos.
Tão caprichado quanto o texto original em inglês, é a localização do game para o português. Toda a história musicada do jogo recebeu legendas em nosso idioma, e elas não são apenas uma tradução literal: houve toda um trabalho de adaptação para que as legendas rimem e façam sentido em português. A qualidade da transição idiomática realmente impressiona.
Vou deixar abaixo um pequeno spoiler de um momento específico do jogo, que mostra os bandidos cantarolando felizes depois que capturam Abby em uma determinada parte da campanha. É quase como aqueles momentos musicais dos filmes da Disney, e funciona muito bem dentro da temática do game. Bote um reparo especial na qualidade das legendas, que estão sempre rimando e adaptando o que é falado em inglês:
Conclusão
Eu adoro este tipo de jogo que nos apresenta a uma jornada breve, mas intensa. A Playdead é uma das melhores em criar este tipo de experiência, mas jogos como Stela e Little Nightmares estão aí para provar que há outros talentos investindo em jogos com essa pegada.
Os alemães do estúdio Kaleidoscube merecem um lugar nesta lista: A Juggler’s Tale é simples em uma primeira olhada, mas profundo na mensagem que quer passar. E faz isso misturando mecânica e narrativa de forma muito criativa e — ainda mais incrível — conta sua história sem perder o ritmo nem a rima!
É um jogo curto, daqueles que dá para terminar “em uma sentada”. Seus cinco capítulos não levam nem quatro horas para serem explorados. Mas, se o jogo dura pouco enquanto estamos com o controle na mão, ele sem dúvida é daqueles títulos que ficam um bom tempo na cabeça (e no coração) do jogador.
Eu não gosto de qualificar jogos com base no tempo que eles duram. Tem muito jogo de 80 horas por aí que eu não tenho paciência (nem tempo) de jogar. Sempre vou preferir um jogo curto bom do que um longo meia-boca. Se você também pensa assim, dê uma chance para A Juggler’s Tale. Ele sem dúvida pode te surpreender.
A Juggler’s Tale está sendo lançado hoje (29/09), com versões para PC, Playstation 4, Playstation 5 (versão analisada), Xbox One, Xbox Series X|S e Nintendo Switch.