Análise Arkade: Bleed é ação, nostalgia e muita diversão
Quando o trailer de lançamento de Bleed para os consoles de nova geração foi lançado há algumas semanas, criou-se a expectativa de uma nova investida na estética retrô que aposta na nostalgia e na simplicidade narrativa da geração 16-bit. Agora com o lançamento do game, essa expectativa foi correspondida e, melhor ainda, de uma forma muito competente e divertida, em um shooter de ação de progressão lateral com elementos de plataforma cheio de estilo, identidade e muito carisma!
A história de todos nós
Confesso: em algum momento da infância — e até um pouquinho depois disso — sempre me peguei fantasiando sobre ser um grande herói. As vezes, o maior herói. Quem cresceu lendo Marvel e DC, ou assistindo Cavaleiros do Zodíaco e Power Pangers, em algum momento, pode ter pensado a mesma coisa. Wryn, protagonista de Bleed, decidiu dar um passo adiante na imaginação e foi em busca desse objetivo: o de ser uma heroína. A maior heroína. E para ser a maior, precisa vencer os maiores. Esta é a jornada a ser vencida.
Nesse sentido, o jogo nos guia por uma série de mundos, com desafios, inimigos e obstáculos dos mais diversos. Serão robôs, lagartos gigantes, criaturas bizarras e outros inimigos poderosos que colocarão à prova as habilidades do jogador, sem muitos meandros ou quaisquer preparações super elaboradas. Tudo o que se passa entre uma fase e outra se resolve em linhas de diálogo diretas — e muito bem humoradas — só para dar o tom do que se passou e do que vem adiante.
Como um todo, Bleed é fiel em sua proposta de, tal como nos anos 1990, não se prender demais a uma estrutura narrativa que tente explicar tudo de forma detalhada ao jogador. Nada de ficar contextualizando cada um dos mundos por onde Wryn passa, nem dar uma justificativa para a ação de cada personagem. Tudo é tão simples como deveria ser em uma história da busca pelo reconhecimento e do heroísmo. Uma clássica jornada do herói, sem frescura.
Atire no que se mexer, fuja do que se aproximar
Como uma dinâmica de evolução bastante tradicional de progressão linear lateral, Bleed traz esta proposta simplificada também para a jogabilidade. O jogo é bem direto, sem muitos caminhos alternativos ou qualquer tipo de puzzle. Em cinco segundos, o jogador sabe que a missão é seguir adiante, matar os inimigos que surgirem pelo caminho, e atirar naquilo que se mexe — e em algumas coisinhas paradas que estivem dando bobeira no percurso.
Assim, o jogo se baseia no bom e velho andar, pular e atirar. De mais elaborado, somente o domínio do salto duplo — e as vezes triplo — que se torna fundamental para combates mais trabalhosos e plataformas verticais; e o efeito bullet time, que permite desacelerar o tempo para maior precisão durante a ação. Tudo isso devidamente explicado, exemplificado e praticado já na primeira fase do game.
A vantagem do game é o quão fluido ele funciona. Tudo se desenvolve com muita facilidade, sem aquela necessidade de adaptação à física do jogo. Talvez o que mais precise de prática é mesmo o direcionamento dos movimentos aéreos, e sua mistura de saltos múltiplos com dash. Algo que é muito mais simples do que parece na descrição.
Nesse sentido, o level design do jogo é muito generoso em oferecer elementos desafiadores sem forçar a barra com inimigos demais ou muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo. Tudo está bastante equilibrado e permite ao jogador estabelecer uma estratégia justa e que, ao mesmo tempo, traga uma sensação real de dever cumprido e de obstáculos superados. Há pouca ousadia em termos de exploração, mas tal como Contra, a meta de chegar do ponto A ao ponto B em linha reta é difícil e, ao mesmo tempo, bem divertida.
Com a possibilidade de algumas melhorias para serem compradas, o jogo não se preocupa muito em limitar a experiência do jogador. Cada fase pode ser jogada a qualquer momento depois de ser vencida pela primeira vez, em qualquer dificuldade, e sempre oferece uma premiação justa pelo desempenho. Isso ajuda muito a aumentar o valor de replay do game, já que não tem aquela história de só poder jogar na dificuldade com que começou, ou de não ganhar dinheiro depois da primeira vez. Jogue e jogue mais!
Isso é fundamental no conjunto da obra, já que Bleed não é necessariamente um jogo longo. Na verdade, depois de um certo treino, é possível terminá-lo de ponta-a-ponta em cerca de 2 horas na dificuldade normal. Assim, poder ir e voltar, ganhar mais dinheiro, habilitar mais armas, melhorar a personagem, rever um chefão, tudo isso é essencial para manter o jogador dentro da experiência do jogo.
Soma-se a isso a possibilidade de, além do principal modo História, aproveitar o jogo de outras duas formas: o modo Arcade, onde a mesma jornada deve ser vencida com apenas uma vida (e também pode ser jogada em diferentes níveis de dificuldades) e o modo Desafio, onde é possível juntar de um a três dos chefes e sub-chefes do jogo em uma única batalha de arena. Ambos são meios mais avançados para jogadores mais dedicados, já que não aliviam em momento algum.
16 bits raiz (com toques de Nutella)
Nas imagens ilustrativas dessa análise, todas capturadas pela equipe nos testes com o jogo, fica claro que a proposta do jogo não foge do que hoje chamamos de pixel art, mas que 20 anos atrás era o que a tecnologia poderia oferecer. Assim, cenários, inimigos e, obviamente, a protagonista seguem essa linha, com algumas referências a composições dessa geração. Bleed acaba se tornando um misto entre o já citado Contra, Metal Slug e Mega Man, algo que a mecânica e a narrativa reforçam, em um conjunto que se mostra uma grande homenagem ao gênero.
Claro que isso não significa extremismos puristas. O jogo tem uma animação estilizada, mas ainda assim fluida e dinâmica, muito mais suave do que a de jogos antigos. A composição de tela permite uma ampla visualização do que está acontecendo, ajudando a antever eventos e inimigos distantes, ainda que o jogo saiba trabalhar momentos mais intimistas para garantir surpresas e revelações, mudando dinamicamente a distância do enquadramento.
O mesmo vale para a trilha sonora, com efeitos sonoros muito característicos e coerentes com a proposta. A música é muito agradável e dá o tom aventuresco da jornada de forma empolgante e muito bem articulada com a ambiência. Ainda é uma música que poderia estar nos jogos de duas décadas atrás, mas com batidas mais claras e uma mixagem mais limpa.
Assim, a inspiração e a homenagem não se tornam limitações para produção e, muito menos, para o jogador. Há uma boa mescla do melhor de dois mundos que permite que possamos nos deixar imergir em boas recordações de obras clássicas sem deixar que isso se torne uma âncora para jogo ou o jogador.
Conclusão
Bleed é, antes de mais nada, um ótimo jogo. Elementos como nostalgia e referências a outros games que certamente lhe serviram como inspiração direta e indireta são ótimos enquanto contexto, mas felizmente o game não está fadado a ser somente isso. Ele é um ótimo shooter 2D de progressão lateral, artisticamente muito bem resolvido e com uma jogabilidade simples e acessível, que incorpora bem questões que unem o tradicional e o contemporâneo.
Ser simples, contudo, não significa que o jogo é fácil, já que exige habilidades bastante aguçadas contra uma inteligência artificial que fica no meio termo entre a pré-programação padronizada e a reatividade ao estilo do jogador. Ainda assim, as escolhas por um level design objetivo permitem que os desafios sejam adequados e não forçados para mais ou para menos.
No geral, Bleed deve atender a diferentes públicos e dialogar com cada um deles de formas distintas, mas igualmente divertidas. A busca em ser grande nunca foi e não deveria ser fácil, e nem sempre é necessário ser complexo demais para se tornar relevante. Bleed entendeu isso, tal como sua ambiciosa protagonista.
Bleed está disponível para PC há algum tempo, e chegou recentemente ao Playstation 4 e ao XBox One com textos e menus em diferentes línguas, inclusive o português.