Análise Arkade: Darksiders Genesis é diferente, mas honra o legado da série
Os Cavaleiros do Apocalipse estão de volta, em uma aventura infernal que sacode os alicerces da franquia, e chega na forma de um jogo isométrico com pinta de twin stick shooter. Confira agora nossa análise de Darksiders Genesis!
Um retrospecto conturbado
A série Darksiders teve uma carreira conturbada, coitada. Só para fazer uma recapitulação bem por cima: o primeiro jogo foi muito bem, obrigado (e é muito bom), e o segundo meio que deu um passo maior do que as pernas, transformando o que era um jogo de ação/MetroidVania linear em uma aventura maior e mais expansiva, com mundo bem mais aberto e toneladas de loot para ser coletado.
Até aí tudo bem. Porém, lá em 2012, Joe Madureira, o diretor criativo da franquia, abandonou a produtora (que eu ajudou a fundar), Vigil Games. Aí foi só ladeira abaixo. Em 2013, a THQ faliu e fechou suas portas, e suas IPs foram à leilão.
Depois de muito perrengue, a Nordic Games adquiriu ou direitos da série Darksiders… aí ela foi lá e também ressuscitou a própria THQ , que renasceu sob a alcunha de THQ Nordic. Alguns anos depois, já em 2017, Darksiders III vazou e deixou os fãs otimistas. O game foi lançado em novembro de 2018, e embora eu não tenha achado ele tão bom assim (leia aqui minha análise), sem dúvida foi animador ver que, após tantas tretas, a franquia ainda estava viva — e trazendo uma nova protagonista.
Enfim, o Quarto Cavaleiro
Corta para 2019: Darksiders Genesis é anunciado, e embora enfim traga o quarto (e último) Cavaleiro do Apocalipse, Strife (Conflito), como personagem controlável, ele também muda completamente a apresentação do jogo, que chega na forma de um game isométrico com cara de Diablo-like e gameplay no estilo twin stick shooter. Será que essa mudança fez bem para o novo jogo?
Olha, vou te dizer que sim: depois de um terceiro episódio que flertou com o Souls-like e pareceu um tanto genérico (em uma época com tantos Souls-likes), Darksiders Genesis soa muito mais como um legítimo Darksiders, e a nova perspectiva de câmera não denigre a experiência, que traz combate de qualidade, mantendo bons environmental puzzles e aquele toque de MetroidVania que aumenta o fator replay.
A história não é grande coisa, e segue subaproveitando o gancho épico que foi deixado no fim do primeiro game — na verdade, este novo game se passa antes do primeiro jogo da série. Basicamente, o Conselho das Chamas descobre que Lúcifer, o Rei dos Demônios, está querendo subverter o equilíbrio entre céu e inferno ao conceder novos poderes para um grupo de “protegidos”.
O Conselho fica sabendo disso, e como seu objetivo é manter esta balança cósmica equilibrada, eles mandam Strife (Conflito) para caçar estes demônios e dar uma liçãozinha no próprio Lúcifer. War (Guerra), protagonista do jogo que deu origem a todo o universo da franquia, irá acompanhar seu irmão, explorando masmorras demoníacas e aniquilando criaturas das trevas enquanto cumpre as ordens do Conselho.
Gameplay diversificado
War (Guerra), Death (Morte) e Fury (Cólera) foram personagens de combate próximo: embora todos acabassem descolando algum tipo de arma de longo alcance, suas armas primárias eram, respectivamente espadas, foices e chicotes. Strife (Conflito) chega para mudar isso, trazendo um par de enormes pistolas como suas armas principais.
Justamente por isso, o gameplay estilo twin stick shoooter cai como uma luva para ele, que pode equipar dois tipos de munição distintos, e no decorrer da jornada, vai adquirindo novos tipos de projéteis, desde lasers até raios que atingem múltiplos inimigos. É aquele esquema básico: ande com uma alavanca direcional, mire com a outra, e use o gatilhos direitos para atirar com os diferentes projéteis equipados.
War, por sua vez, traz um gameplay mais no estilo hack ‘n slash tradicional, valendo-se de sua espada para trucidar os inimigos, e podendo inclusive (re)encontrar alguns dos equipamentos de sua aventura solo, como o enorme shuriken (que segue sendo útil nos puzzles) e as enormes manoplas que são capazes de destruir cristais para abrir caminhos.
Estas mecânicas diferenciadas dos dois Cavaleiros é um dos principais triunfos do game: é como se Conflito e Guerra fossem personagens de classes diferentes, com habilidades e equipamentos próprios. As habilidades deles se complementam (especialmente na resolução dos puzzles), o que faz do modo cooperativo uma baita adição ao jogo. Como recebemos 2 códigos do jogo (valeu THQ Nordic <3), eu pude jogar a campanha toda em modo coop com o nosso camarada Renan, e jogar com um amigo sem dúvida é a melhor maneira para se desfrutar Darksiders Genesis.
Jogando sozinho, é possível alternar entre os dois personagens, mas isso deixa tudo bem menos dinâmico, pois há coisas que só um deles pode fazer. Em dupla, enquanto um jogador faz uma coisa, o outro já vai fazendo outra, e a própria dinâmica de combate diferenciada (longo e curto alcance) torna as batalhas mais interessantes se jogadas em 2 players.
Novidades boas (outras nem tanto)
Além do gameplay, Darksiders Genesis traz novas formas para evoluir os personagens. Aqui não temos aquela subida de níveis do jeito tradicional, mas há um grid onde podemos acoplar cristais — chamados Cernes — de inimigos caídos, que podem aumentar (ou diminuir) os atributos dos heróis conforme equipados. Há diferentes tipos de Cernes, e estudar um pouco a melhor forma de equipá-los pode fazer uma baita diferença no seu nível de poder.
Sem um sistema de upgrades tradicional (com pontos de experiência, e tal), comprar novas habilidades, ataques e upgrades para seus combos acaba sendo a melhor maneira de melhorar os personagens — mais ou menos como já acontecia no primeiro Darksiders. Isso até funciona, só que as lojas são meio confusas. Por exemplo: há pedras rúnicas específicas para melhorar a saúde de Conflito e Guerra, individualmente. Porém, ambas ficam disponíveis para os dois jogadores, então cuidado para não acabar investindo suas almas em upgrades para o herói errado.
(Lembrando que, sim, é possível trocar de personagem com o outro jogador, mas me pareceu que se cada um “se especializar” em um personagem, o jogo flui bem melhor, até porque, como já dito, as mecânicas de cada um são bem específicas).
O jogo deixou de ser um MetroidVania com um mapa enorme e interligado para se tornar um jogo dividido em Capítulos, que são acessados individualmente através de um hub, onde podemos comprar itens e habilidades — de Vulgrim, velho conhecido da série, e de Dis, uma nova personagem — e trocar uma ideia com Samael, outra figurinha clássica da franquia.
Alguns capítulos são bem longos, outros são apenas batalhas contra chefes que mal duram 10 minutos. Os mais longos rolam em mapas enormes, que você pode explorar livremente e inclusive revisitar mais tarde, depois que já tiver algum novo equipamento/chave que abra novas possibilidades de exploração. Quem não tiver paciência de explorar pode até perder habilidades e munições especiais, que ficam bem escondidas e podem passar batidas por jogadores mais apressados.
A exploração do jogo seria ainda melhor se houvesse um mapa decente, mas o que tem aqui é uma porcaria: além de não ser possível deixá-lo minimizado na tela, ele simplesmente mostra a fase toda SEM mostrar a posição do jogador. Além disso, ele não desmarca baús e itens já coletados, o que deixa tudo ainda mais confuso. Na prática, o melhor é explorar na unha, sem ficar dependente do mapa.
Falando em novidades nem tão boas, não posso deixar de mencionar a habilidade Centelha de Éter, exclusiva do quarto Cavaleiro. Muito utilizada em puzzles, ela cria um orbe de energia que deve ser guiado por pequenos trajetos para alimentar painéis que abrem novas passagens. Só que guiar essa bolinha de energia por estes trajetos é um saco, e qualquer esbarrão te obriga a recomeçar do zero. De longe a novidade mais pentelha do jogo.
Audiovisual e (muitos) bugs
Embora seja claramente um spin off de menor orçamento, Darksiders Genesis não deixa a desejar em sua apresentação: o visual do jogo é belíssimo, com ótimos efeitos de luz que criam uma ambientação bem imersiva e um level design inspiradíssimo, que recompensa o jogador por sua curiosidade e sabe “forçá-lo” a dominar as mecânicas dos protagonistas se quiser desvendar cada segredo.
O lado ruim é que o jogo não está lá muito leve, e exige um hardware razoável: eu joguei a campanha na mesma máquina em que rodo Red Dead Redemption 2 em “2K” a quase 60fps, mas tive que fazer algumas concessões para que Darksiders Genesis rodasse de forma aceitável (diminuindo a resolução e a qualidade das sombras, por exemplo). Ele sem dúvida poderia ser melhor otimizado, para rodar em máquinas mais modestas.
Apesar disso, é legal perceber como a mudança de perspectiva não afetou a identidade visual do game: os traços cartunescos e exagerados continuam presentes, e o universo estilo dark fantasy visto aqui ainda é totalmente coerente com tudo o que a franquia já nos entregou. As cutscenes cinematográficas dão lugar a cenas estáticas com pinta de história em quadrinhos que não conseguem ser tão empolgantes quanto cutscenes “de verdade”, mas ainda esbanjam estilo.
As dublagens (em inglês) seguem muito boas, e é bom ver que os atores que emprestaram suas vozes para War, Vulgrim e Samael retornaram para reprisar seus papeis. A trilha sonora é igualmente caprichada e atmosférica, e a presença de menus e legendas em português brasileiro sem dúvida são muito bem-vindas, pois permitem que todos entendam as boas sacadas de Strife/Conflito — o mais fanfarrão dos Quatro Cavaleiros, que tem uma personalidade meio Deadpool.
Infelizmente, nem tudo são flores: no momento em que escrevo esta análise, Darksiders Genesis já completa uma semana nas prateleiras, e ainda é extremamente bugado. Acho que é o jogo mais bugado que experimentei este ano, e os bugs são bem variados: de efeitos sonoros muito mais altos que quase te matam de susto à câmera que trava e não acompanha o seu personagem, passando por incontáveis quedas de conexão — seguidas por bugs no respawn que me obrigavam a fechar o jogo –, vou ser honesto contigo: jogar Darksiders Genesis por mais de 15 horas foi um exercício de paciência.
Acredito que boa parte dos problemas possam ser consertados com patches e atualizações (e torço para que isso seja feito), mas o resultado atual não deixa de ser um tanto decepcionante. O tempo todo eu ficava com a impressão de que estava testando um jogo em beta, quando na verdade ele já estava em sua versão final, disponível para compra.
Conclusão
Apesar destes muitos bugs, o saldo final de Darksiders Genesis ainda é bem positivo: quando funciona direito, o jogo é muito fluido e divertido, e entrega uma experiência que é diferente, mas ao mesmo tempo consegue ser bastante familiar para quem jogou os títulos principais da franquia. A perspectiva pode ter mudado, mas o espírito da saga permanece vivo.
Como fã de Darksiders, eu estava um tanto receoso pela mudança de tom deste novo jogo, mas saio satisfeito com o resultado. De fato, gostei mais deste jogo do que de Darksiders III, e muito disso se deve ao fato dele estar mais preocupado em ser um legítimo Darksiders, e não em querer ser um novo alguma-coisa-like (tipo Diablo-like ou Souls-like) genérico.
Então, se você já vem acompanhando a épica jornada dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse desde a geração passada, pode vir sem medo, pois Darksiders Genesis honra o legado da série, ainda que tenha uma cara bastante diferente. E se pretende dar uma chance ao game, faça isso com um amigo, pois a jogatina cooperativa sem dúvida agrega valor ao jogo.
Darksiders Genesis foi lançado em 5 de dezembro. Por enquanto, o jogo está disponível apenas para PCs (e Google Stadia), mas em fevereiro de 2020 deve chegar aos consoles.