Análise Arkade – Grounded chega ao Playstation como gente grande

7 de maio de 2024
Análise Arkade - Grounded chega ao Playstation como gente grande

Acredite, a guerra entre consoles já foi divertida um dia. Nos anos 1990, quando Nintendo e SEGA adoravam se provocar em propagandas de televisão; quando ambas emulavam as estratégias adversárias, ou mesmo as ironizava buscando novos públicos, tudo era bastante intrigante, a ponto de gerar uma série de documentos fascinantes, como livros e documentários.

Eram tempos mais simples, talvez porque nós éramos jovens e entendíamos que certas coisas não são feitas para se levar a sério demais. Isso, claro, antes da popularização da bendita da internet e, principalmente, das redes sociais. O que era provocação se tornou outra coisa, as crianças que debatiam se Sonic era maior do que Mario se tornaram (ao menos biologicamente) adultos, e ficaram chatos. Muito chatos.

Análise Arkade - Grounded chega ao Playstation como gente grande

Hoje, tudo se tornou uma espécie de disputa entre verdadeiras seitas, e o mais novo capítulo da história ganhou novos contornos quando foi anunciado que os estúdios do ecossistema da Microsoft estavam iniciando uma abertura que colocaria alguns de seus exclusivos em seus maiores concorrentes de hardware e software, algo que enfureceu idólatras de ambos os lados dessa picuinha e acirrou os ânimos nesse mundinho virtual, terra de ninguém.

Birras e esperneios passam, e os primeiros resultados desta nova estratégia começam a chegar a nós. Eis que Grounded é a bola da vez.

Querida, as crianças estão pequenas

Para além da dicotomia acéfala, o que sobra no final das contas? Grounded chega ao Playstation em sua versão mais atual, com uma série de melhorias e adições que ganhou ao longo de seus quase quatro anos desde o lançamento original.

Com mais atividades, New Game +, criaturas e obstáculos distintos, há uma percepção que todo o tempo que teve de refinamento fez bem a um dos jogos mais subestimados da atual geração. Grounded está em sua melhor forma.

A base da trama jamais se afastará da óbvia referência da cinessérie “Querida, Encolhi as Crianças” por se tratar do mesmo princípio básico ao colocar um monte de pré-adolescentes em tamanho diminuto tendo que enfrentar toda a fúria selvagem do jardim de casa tentando sobreviver para enfim, encontrar um modo de ser grande de novo.

Ainda assim, ao longo da aventura, o game ganha vida própria e identidade suficientes para se sustentar para além da sensação de uma adaptação não oficial dos filmes com Rick Moranis.

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A diferença, no entanto, está na quantidade de informações que são entregues ao jogador ao longo da jornada. Não há uma indicação prévia do que, afinal de contas, aconteceu com Hoops, Max, Pete e Willow para que eles se encontrassem nesta situação inusitada.

Estes esclarecimentos são negados, felizmente, para eles e para nós, e será pela exploração e pela descoberta que encontraremos dicas de um tal Dr. Wendell Tully em gravações perdidas do que teria acontecido e, mais importante, de como reverter a coisa toda.

A história que nos é desvelada não foge muito de uma desventura vespertina de um clássico da Sessão da Tarde, e nos coloca em uma jornada de busca de itens espalhados pelo jardim para, no fim, tudo fazer sentido e as coisas terminarem como a gente já imagina.

Laboratórios encolhidos, robôs com amnésia, insetos gigantes e estranhos fenômenos são a receita de uma trama que, por si só, não tem lá o melhor roteiro do mundo, mas que certamente serve muito bem ao modelo de sobrevivência adotado pelo game.

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Um mini-passo de cada vez

Tudo o que mais interessa, portanto, é o modelo de progressão baseado na exploração de um mundo aberto hostil e cheio de desafios complicados para quem tem alguns milímetros de altura.

Em grande parte do tempo, estaremos buscando recursos para comer e beber, respeitando aquele velho sistema de fome e sede que sempre me enfadonha em jogos do gênero, mas que aqui está muito bem dosado e perfeitamente integrado ao contexto geral.

Claro que a pé, sozinhos e vulneráveis, não dá pra ir muito longe, então outros elementos, como plantas, pedras e itens de construção serão primordiais para qualquer progresso.

Entra em cena um dos melhores sistemas de crafting and building dos últimos tempos, que é bastante recompensador ao valorizar o esforço imediato de quem estiver no comando.

Logo nos primeiros minutos da jogatina, já estaremos analisando ingredientes nas bases espalhadas pelo mapa, compreendendo para que serve cada coisa que coletamos e como aproveitar melhor nosso tempo. Uma lança e um machado são itens básicos que saem quase que automaticamente, até que novas receitas estejam disponíveis.

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Esse microcosmos não está vazio e, claro, não demora para que habitantes, alguns mais agressivos do que outros, queiram nos eliminar. Aranhas de várias espécies, pulgões incansáveis e formigas provocadas são só o começo de um exército de inimigos muito amplo, que se não são tão variados assim no que se refere a um modus operandi básico, oferecem uma amplitude de vida para esse jardim aparentemente inofensivo.

Uma lista de chefes e sub-chefes inesperados acrescenta um pouco de adrenalina a cada dungeon mal planejada, mas os benefícios de uma busca sistemática por melhorias são colhidos quando percebemos que em certa altura somos páreo para qualquer inimigo, incluindo os maiores e mais aterradores.

Mas é quando monstrinhos corrompidos começam a nos caçar desde o começo que a coisa fica um pouco mais complicada, e exatamente por isso, ainda mais interessante.

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Enfrentar inimigos poderosos nem sempre é a melhor estratégia, até porque o sistema de combate é um tanto quanto desajeitado e não permite tantas estratégias elaboradas.

Ataque corpo-a-corpo, arremessos a distância e defesa não empolgam pelas mecânicas, e funcionam muito mais pelo contexto. Múltiplos atacantes são um problema a mais, e gerenciar o campo de batalha não é das tarefas mais prazerosas do jogo. Não será raro fugir primeiro para voltar depois, com mais segurança.

Nosso personagem, seja qual deles tenhamos escolhido, não é um grande exemplo de resistência física. São, afinal de contas, pessoas comuns enfrentando perigosos animais de carapaça espessa, veneno mortal, garras poderosas e outras armas desenhadas pela natureza.

Contra isso, é necessário se proteger, criar armaduras, fortificar abrigos, proteger recursos, se cercar em bases sólidas e fazer de tudo o que nossa inteligência for capaz para equilibrar as coisas.

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O fracasso, porém, é quase inevitável. Seja em batalhas mal planejadas, quedas, inanição, contaminação ou qualquer outro perigo, a morte é uma possibilidade palpável, nos enviando para a última base que estabelecemos para o ressurgimento.

As coisas que estamos carregando, sobretudo ingredientes, ficam para trás e precisam ser recuperados, o que pode ser ainda mais desafiador seja porque a causa da nossa morte está lá nos esperando, seja porque ainda não estamos devidamente preparados para voltar lá. Por isso, aprender a trabalhar com bases é importante, depositando excedente, salvando o que é importante e se protegendo daquilo que está à espreita.

Interface, missões e descobertas

Em primeira ou terceira pessoa, seja jogando sozinho, seja compartilhando a jornada com outras pessoas (algo que, para quem gosta do formato multiplayer, potencializa toda a diversão), Grounded deixa claro que não é (pelo menos não integralmente) uma caixa de areia de ciclos infinitos de dia e noite.

Com missões bem estabelecidas, há uma trama linear que guia nossas peripécias enquanto nos prepara para o que há de mais intenso adiante.

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Claro que podemos sair andando a esmo para arrumar confusão com o bicho mais parrudo que encontrarmos, mas seguir o roteiro torna tudo mais coerente, seguindo um ritmo confortável e intenso do começo ao fim. Mesmo sem entregar demais, o aspecto de condução do jogo é bastante equilibrado e recompensador.

Nem sempre haverá um marcador piscando na tela mostrando onde se deve ir e o que fazer lá, e muitas vezes, será necessário entender melhor as indicações em texto ou sugestões mais sutis.

O mesmo vale para equipamentos e infraestrutura, cujo menu lida bem com a iconografia do que pode ser feito e como deve ser feito – as vezes onde estivermos, as vezes em mesas e lugares mais especializados – sem muito melindre. Nada de sistema de níveis, permissão, coisas mais complexas como em outros jogos que usam um modelo de forja. Se tem o que precisa e o local pra fazer, faz aí.

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Essa simplicidade não quer dizer que as tarefas são simplórias, mas pelo contrário, são só uma forma de não complicar ainda mais tudo o que deve ser gerenciado pelo jogador. Você sente sede o tempo todo, mas poças são sujas e beber delas traz consequências indesejadas.

Comer cogumelos pode ser útil por um tempo, mas só cozinhando coisas com sustança nos dá condições para se arriscar a ir mais longe. Usar um atalho para chegar a um ponto de interesse pode até economizar tempo, mas basta se aproximar de um percevejo mal humorado para a coisa degringolar. Escolhas demandam consequências e Grounded é ótimo em oferecer ambos em quantidade bem generosa.

Um pequeno-grande mundo

Tudo isso poderia ser um tanto quanto genérico como dezenas – quiçá centenas – de outros games de mundo aberto por aí, não fosse a beleza impressa em cada detalhe do cenário.

Um jardim gramado norte-americano poderia ser um mar de texturas verdes, mas ao invés disso, aqui há uma infinidade de biomas muito coesos em si, que vão de cavernas mal habitadas a campos inóspitos; canions corrompidos a laboratórios hi-tech; gramados úmidos e descampados opressores. Nunca se sabe o que vem alguns passos adiante.

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O ciclo de dia e noite traz ainda algumas variáveis interessantes, já que o sono não é um grande problema, mas as criaturas atraídas pela escuridão, sim. Explorar pontos afastados à luz esparsa da lua pode ser tão proveitoso quanto arriscado, a ponto de muitas passagens se tornarem um verdadeiro thriller de suspense e tensão.

Se esgueirar por entre as folhas torcendo para não ver os olhos vermelhos e brilhantes de uma aranha-lobo alerta é um exercício de paciência. Tudo funciona muito bem, em uma verdadeira consonância entre narrativa e audiovisual.

A modelagem de cada um dos inimigos é especialmente impressionante, com destaque para os detalhes de carapaça e pelagem que trazem personalidade para cada inseto, para cada aracnídeo presentes no jogo.

A vegetação tem seus destaques também, mas as texturas de plantas poderiam ser um pouco mais diversificadas, mesmo que várias delas tenham suas variações aqui e ali. Terreno e objetos artificiais, como lixo humano, por exemplo, também impressionam pela escala diante uma pessoa diminuta.

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Contudo, é no modelo de iluminação global onde a coisa ganha contornos brilhantes. Por entre tantas plantas que emulam uma selva densa, o sol tem um papel impressionante e impositivo.

Não faltam ótimas paisagens a se admirar, reflexos ajudam a dar escala e os contrastes de dia e de noite deixam tudo mais interessante, fugindo da armadilha de simplesmente ficar só mais claro ou mais escuro, maior ou menor. A sensação, na soma dos elementos, é de realmente estarmos encolhidos diante um mundo tão enorme, não só de sermos normais com coisas grandes ao lado, se é que isso faz sentido.

A trilha musical, por sua vez, funciona como um indicativo de perigo, já que se mantem mais tranquila até o ponto de estarmos em estado de conflito. A passagem de uma coisa para outra pode ser um pouco desgastante já que muitas vezes a transição acontece com frequência acelerada, mas considerando uma boa mixagem com a ambiência e o pouco, mas eficiente, trabalho por vozes dá um toque genuíno à produção da Obsidian Entertainment.

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Conclusão

Alheio a quaisquer rusgas clubísticas, Grounded é uma belíssima obra que merece ser jogada por quantos jogadores for possível, não só porque oferece um sistema de exploração, crafting e construção de bases equilibrado e que, sem se tornar punitivo, é exigente e pede engajamento por parte do jogador, mas também porque traz uma temática que, mesmo sendo familiar aos velhos quarentões que cresceram assistindo filmes na TV aberta, ainda é bastante inovadora ao partir de um ponto de vista pouco ortodoxo em games do gênero.

Se é pouco explícito ao indicar o passo-a-passo do “quê” e do “como” fazer uma missão, ele valoriza a atenção sem abandonar quem decide sair por aí curtindo a sua pequenez. Ao incentivar a colaboração multiplayer sem punir quem prefere a jornada solo, também abre espaço para perfis diferentes, o que é o melhor dos mundos considerando alcance e universalidade de acesso.

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Provavelmente a melhor palavra para definir Grounded seja equilíbrio, uma vez que ao respeitar cada escolha que fazemos para aproveitar o game, ele se permite cobrar o preço justo. E não é isso que esperamos que qualquer experiência? Provavelmente, não é à toa que o jogo foi escolhido como parte de uma nova era de integração entre marcas outrora dissonantes. Que seja o pontapé inicial de algo maior, muito maior.

Grounded foi lançado em 28 de julho de 2020 em acesso antecipado para Xbox Series X/S, Xbox One e PC, chegando em sua versão definitiva para estas plataformas em 27 de setembro de 2022. Agora, desde 16 de abril de 2024, também está disponível para Playstation 5 e Nintendo Switch. Seja qual for a versão, o jogo está totalmente localizado para o nosso português brasileiro em legendas, mantendo o áudio em inglês e japonês.

Paulo Roberto Montanaro

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