Análise Arkade – Lost Records: Bloom & Rage mistura amizade, nostalgia e mistério

Esta semana a Don’t Nod Entertainment (do marcante Life is Strange) lançou a primeira parte de seu novo jogo: Lost Records: Bloom & Rage. Bora ver qual é a dessa aventura nostálgica e misteriosa?
De volta para 1995
A premissa de Lost Records: Bloom & Rage é imediatamente familiar para quem já leu IT: A Coisa ou O Homem de Giz, ou assistiu a série de TV Yellowjackets. Todas estas obras tem algo em comum: acompanham 2 momentos diferentes na vida dos protagonistas — um deles na infância/adolescência, outro vários anos mais tarde, com todos já adultos.

O primeiro destes recortes se passa em Velvet Cove, no verão de 1995, época em que formou-se a amizade das quatro protagonistas — Swann (que é quem nós controlamos diretamente), Nora, Autumn e Kat. Elas tornaram-se grandes amigas naquele verão: trocaram confidências, riram, choraram, formaram uma banda e se ajudaram. Porém, algo aconteceu e elas firmaram um pacto de nunca mais se encontrarem novamente.
Obviamente, este pacto precisará ser quebrado, e é aí que entra o segundo momento da trama. Em 2022, vamos presenciar o reencontro das 4 garotas — agora mulheres ali na casa dos 40 anos — e a troca de memórias e lembranças daquele verão que mudou suas vidas.

O que aconteceu no verão de 95? E o que rolou tantos anos depois que lhes obrigou a quebrar o pacto? Obviamente não vou te contar nada disso aqui — esta é uma análise sem spoilers. Sem contar que, né, estamos falando de um jogo com foco total em sua narrativa, então entregar detalhes da história realmente estraga a experiência.
Lost Records é um jogo que tem uma vibe muito agradável. Sua estética retrô e colorida, suas músicas cheias de significado e a própria nostalgia da década de 1990 constroem uma atmosfera muito familiar. Há algo de sinistro latente naquele mundo, mas o que realmente conta (até agora) é a amizade e companheirismo das garotas.
Andando, filmando e conversando
Em se tratando de jogabilidade, é bom que você venha com suas expectativas bem calibradas, pois o gameplay de Lost Records: Bloom & Rage é bem limitado. Ele é basicamente um walking simulator, totalmente focado em contar uma história e em construir, de forma deliberadamente lenta, as relações entre os personagens.

Há muita conversa. E, em boa parte destes diálogos, o jogador tem o poder de decidir o que dizer, ou mesmo o que não dizer: se abster de escolher o que dizer também é uma opção. Ainda que esperar as barrinhas de escolha se esvaziarem para não falar nada possa ser uma tortura para os mais ansiosos, é legal que o jogo leve isso em conta — nem sempre concordamos com as opções de diálogo neste tipo de jogo, não é mesmo?
Para não ficar somente nisso, o jogo traz uma enorme variedade de colecionáveis, que se apresentam na forma de coisas para serem filmadas. Swann está sempre com sua câmera na mão, e há pontos de interesse por todos os cantos: paisagens, animais, pichações, objetos, personagens e muito mais.

Documentar as aventuras de Swann é uma atividade opcional na maior parte do tempo, mas tem sua importância, uma vez que este traço “videomaker” é uma das características definidoras da personagem. O mais legal é que podemos assistir as captações (mais ou menos) editadas, narradas pela própria Swann e com aquela “estética de vídeo cassete” que acerta em cheio na nostalgia.
Mecanicamente, o jogo se resume a isso: vamos andar um bocado, filmar um bocado e conversar um bocado. As decisões tomadas afetam o desenrolar da história e a afinidade que as demais meninas tem com Swann.

No futuro (ou melhor, em 2022), não há câmera, e o foco é totalmente no reencontro das personagens. Um detalhe curioso e intrigante é que, em 1995, acompanhamos o jogo em terceira pessoa. Já em 2022, a visão é em primeira pessoa. Será que essa mudança de perspectiva tem algo a nos dizer?
Personagens muito reais
Após se aventurar por outros gêneros de jogos — empreitadas de qualidade inconstante, como Banishers: Ghosts of New Eden, Jusant, Vampyr e Twin Mirror –, é legal vermos a Don’t Nod retornando ao que lhes consagrou: um adventure adolescente, com personagens bastante densas e reais.

Lost Records: Bloom & Rage não mira em um visual hiperrealista, mas retrata pessoas mais reais do que muito jogo Triple A com gráficos ultrarrealistas. E falo tanto de imperfeições físicas/estéticas quanto psicológicas — o jogo tem até aviso de gatilho sobre temas sensíveis como “comentário homofóbicos, questões de peso e imagem corporal”.

A protagonista, Swann, por exemplo, é uma garota um pouco acima do peso que tem problemas de socialização. Já Nora é a roqueira rebelde que fuma, fala palavrão e tem a pele do rosto marcada por acne.
Pense por um momento e me diga: quantos jogos você se lembra de ter visto em que os protagonistas tinham problema tão mundanos quanto acne e sobrepeso?
(E por favor, não venha me falar de “agenda woke”. Nem só de heróis musculosos e mulheres de corpos perfeitos é feito um bom game).

Indo bem além das características físicas, as personagens também são muito bem escritas. Há conversas bobas, claro — na maior parte do tempo acompanhamos elas como adolescentes, afinal — mas também há papos profundos. Traumas, incertezas, mágoas, medos, sonhos. Tudo isso constrói personagens muito autênticas e verossímeis.
Confesso que, quanto mais velho eu fico, menos paciência tenho para histórias focadas em dramas adolescentes. Life is Strange mexeu muito comigo, mas isso foi há quase 10 anos. Eu estava perto dos 30, hoje já estou perto dos 40. 😅

Mas, ao contrário dos adolescentes estúpidos, excitados e estereotipados de jogos como Until Dawn ou The Quarry –, aqui tudo parece mais real. Há uma pitada de sobrenatural na história, mas o que realmente importa são as emoções que parecem reais de personagens que parecem reais.
Conclusão
Nesta primeira parte de Lost Records, a fita Bloom, não há grandes acontecimentos. A história cozinha em fogo baixo, e o foco é muito mais nos pequenos momentos que construíram a amizade das garotas do que no mistério em si.

Apesar disso, tudo o que acontece aqui é importante para que o jogador conecte-se com as personagens e se importe com elas. Sem esse cuidado com a construção dos relacionamentos, o tal pacto não teria peso nenhum, e a história em si não conseguiria manter ninguém engajado, querendo saber mais.
Bloom é uma história sem um final, a parte 1 que prepara o cenário para a conclusão, Rage. Felizmente, a espera será curta: ao contrário de Life is Strange, aqui temos uma história dividida em apenas dois episódios, e a fita 2 já chega em meados de abril.

Apesar da minha preguiça com dramas adolescentes, fui fisgado pela história, e estou curioso para ver o que o destino (ou seriam as minhas escolhas?) reserva para Swann, Nora, Autumn e Kat.
Lost Records: Bloom & Rage (a parte 1, Bloom), foi lançado em 18 de fevereiro, com versões para PC, Playstation 5 (versão analisada) e Xbox Series. O jogo não possui dublagem em nosso idioma, mas conta com menus e legendas em português brasileiro.