Análise Arkade: MLB The Show 2019 é tudo o que o baseball pode oferecer
Se você esteve conosco na análise da versão 2018 de The Show, sabe que, assim como é para qualquer outro brasileiro médio, baseball não é lá um esporte que acompanhamos diariamente. Afinal, é uma prática que fica muito longe dos campinhos, quadras e escolas do país (no máximo, jogamos bets/taco na rua com garrafa pet e um pedaço de madeira qualquer), e também não é dos mais comuns nos canais esportivos mais tradicionais, a exceção da ESPN.
Sendo assim, uma análise meramente técnica de MLB The Show 19 é quase que insuficiente, uma vez que a experiência do jogo depende do interesse, ou mesmo da abertura do jogador, em tentar entender porque americanos, japoneses e até países latino-americanos tem paixão por esse esporte. Então, se você chegou até aqui nesse texto, vem com a gente buscar entender o que o baseball (e sim, vamos utilizar a escrita no idioma inglês pra manter o padrão de outros posts) virtual tem a oferecer.
Rebate, arremessa, pega… e muitas regras
Hoje, já tendo o background da versão do ano passado, não vamos nos dedicar aqui a detalhar as regras do esporte, porque nesse sentido, a versão 2019 não muda praticamente nada de como essa parte foi tratada em relação a edição anterior. Deste modo, para dinamizar o texto, vamos partir direto para o jogo em si e convidamos você, leitor, a visitar a nossa análise do ano passado para uma entrada mais profunda nas minúcias do esporte em si.
É importante entender que o baseball é, antes de mais nada, um jogo de conquista de território por turnos. É curioso, mas enquanto alguém que conheceu o esporte principalmente pela versão digital, fica mais fácil trazer essa compreensão para o nosso “dialeto”. Basicamente, dois times se intercalam entre defesa e ataque em um total de 9 rodadas, ou innings, buscando pontuar e evitar que o adversário faça o mesmo.
A grande dificuldade para um iniciante no esporte é que o MLB The Show 19 é muito amigável para quem já é iniciado no universo do esporte, mas bastante arisco com quem não conhece direito a parada. Assim, logo de início, os tutoriais e dicas que vão sendo ofertados ajudam a entender como jogar, bem como adaptam possibilidades de controle automático ou manual para cada função do jogo. Ao começar qualquer modo principal do game, você já configurou todas as opções possíveis quase que sem querer — mas ainda não entende bulhufas das regras do baseball.
Aqui vão alguns questionamentos que podem acometer os leigos do assunto:
Afinal, porque aquela rebatida bonita não valeu nada quando o cara agarrou a bola antes dela cair no chão e aquela espirada que saiu rasteira rendeu uma corrida até a primeira base?
Porque eu rebato o primeiro arremesso e já perco a vez, enquanto quem erra ou nem tenta tem mais chances?
Porque eu arremesso uma bola um pouco mais baixa e o cara que fica atrás do rebatedor não pega e do nada todo mundo começa a correr?
O que aquele povo todo fica fazendo enquanto um arremessa e o outro rebate?
O que está acontecendo aqui?
Pois é… me fiz todas essas perguntas no ano passado e, para melhorar, fui assistir a um jogo oficial transmitido na TV nos últimos tempos. E continuo sem entender muita coisa. Senti falta de um Arnaldo César Coelho do baseball dizendo que “a regra é clara” a cada novo lance, mas parece que realmente não é uma preocupação. É um esporte hermético, que já pressupõe que quem está assistindo/jogando entende o que está rolando. E essa é a maior dificuldade com o The Show: ele parte desse mesmo entendimento que saber as regras é pré-requisito.
Por outro lado, não há qualquer outro game de esportes que trate tão bem planilhas e estatísticas. Para quem faz análise de dados, MLB The Show 19 é um deleite. Tem informações de rendimento muito bem esmiuçadas, com características, ações, pontos fortes e a melhorar, números, notas, humor… enfim, dependendo do modo de jogo escolhido para uma carreira mais longeva, dá para usar mais tempo estudando essas estatísticas do que participando das partidas em si.
Mas quando tudo isso — regras, números, ou a estranheza de um esporte desconhecido — fica para trás, o jogo mostra porque é um lançamento anual de peso: a sensação de controle e de simulação é algo pouco visto em qualquer outro game do gênero. As possibilidades de ação e de estratégia oferecem tensão a cada novo arremesso, sobretudo nos modos e dificuldades menos guiados. É possível, a partir da experiência, saber se para um certo rebatedor vale a pena lançar uma bola rápida mais baixa ou uma curva mais próxima do corpo dele, só pra dar um exemplo.
Aqui, entra um grande ponto positivo do game: tanto rebater quanto arremessar são igualmente divertidos. A ação menos interessante durante a partida é ser um dos outros caras que ficam lá esperando a bola sobrar, mas são ossos do ofício, e é uma parte bem menor da experiência. Fazer um Home Run é algo muito satisfatório, mas também é muito bom eliminar o melhor rebatedor adversário com 3 strikes consecutivos. Se as regras são um saco de vez em quando, dá pra deixar o motor do game se preocupar com isso e só se importar com a próxima base.
Haja criatividade para modos de jogo
Tal como sua versão anterior, o grande destaque para MLB The Show 19 está na capacidade norte-americana em transformar suas paixões es espetáculo. O game não precisa se preocupar, como os jogos de futebol são obrigados nos dias atuais, com o que acontece no resto do mundo. Primeiro, porque é algo muito mais voltado ao público americano em si. Segundo, que o seu nome mostra bem o quanto a intenção é valorizar a Major League Baseball e suas estrelas.
Sendo isso tudo verdade, não espere poder jogar a “Copa do Mundo de Baseball” ou treinar, sei lá, a seleção chilena do esporte, como o modo carreira padrão de qualquer jogo de futebol permite desde sempre. O que não significa que os modos são mais limitados. Ao contrário, há uma surpreendente diversidade de formas diferentes de se jogar The Show. E, o melhor de tudo para quem já acompanha a franquia: dá pra importar o save da edição 2018 e continuar a partir dele em alguns desses modos.
O Road to the Show é aquele que permite que o jogador siga um único personagem customizado, saindo da base pré-profissional até atingir a fama e o topo da carreira. Mais do que só agir durante as partidas aproveitando as oportunidades, tanto visual quanto personalidade podem ser moldadas ao longo da jornada. Além disso, valorizando aquele quesito das estatísticas detalhadas, é possível investir em diferentes características para melhorar pontos fortes ou ajustar qualquer defasagem. Quanto mais equilibrado, melhor.
Já o Franchise é aquele modo onde se pode dedicar o maior tempo para quem prefere uma carreira mais robusta no offline. É onde o jogador vai enfrentar a liga profissional enquanto gerencia seu time em todos os aspectos. Há uma série de possibilidades de contratos, treinamentos, patrocínios, gestão de grupo e análises que podem assustar um pouco quem só quer jogar a próxima partida, mas que ao longo de uma temporada completa fica mais natural.
Contudo, como tem se mostrado uma tendência nos últimos anos para qualquer jogo de esporte, o destaque é o modo onde o jogador cria seu time ideal para disputas tanto online quanto offline, aqui chamado de Diamond Dynasty. É extremamente viciante encontrar a formação ideal, os melhores jogadores, e as melhores estratégias para enfrentar desafios dinâmicos e players ao redor do mundo. é também aquele mais desafiador, já que ao comparar suas habilidades com os mais experientes no esporte, fica evidente o quanto ainda somos amadores.
Além desses grandes modos, há outros menores, com amistosos, desafios semanais mais direcionados a situações específicas, treinamentos, etc. Destaca-se o rápido Moments, que permite reviver algumas das jogadas mais memoráveis da história da liga. E, dentro de cada modo, há diferentes formas de jogar em si, que vão desde o óbvio “jogar a partida inteira” até aproveitar o game em um sistema retrô ou acompanhar somente um jogador nas suas diferentes funções. E há também a chance de atuar somente como um manager, montando o time e simulando a partida em si.
E aí, cada possibilidade faz variar o tempo das partidas e o controle que você tem sobre o placar. Pode ser frustrante, por exemplo escolher jogar só com o José Altuve, um dos maiores astros da liga, fazer um home run logo de cara e ver o resto do time tomar uma surra antes de chegar a sua vez novamente. Mas ao mesmo tempo, nem todo mundo vai curtir partidas que duram entre 30 e 45 minutos se jogadas em sua totalidade sempre, principalmente se preferir só rebater ou só arremessar. O bom é que o jogo se adapta a essas preferências.
Assim, considerando os modos principais e outros periféricos, há muita coisa o que fazer em MLB The Show 19, seja jogando, seja estudando, seja se debruçando sobre os detalhes por trás dos bastidores de algo que vai além do jogo em si. Há muito no game que pode ensinar aos grandes desenvolvedores que trabalham com os outros esportes a como transformar um jogo esportivo anual em um show de verdade.
Ver, ouvir e viver o baseball
Sim, você já deve ter visto muita gente incluindo a mim sempre falando do quanto os jogos conseguem resultados impressionantes ao tratar do realismo da figura humana e de como, mesmo assim, a sensação é de ver bonecos, ou cadáveres, animados. O famoso uncanny valley é um limiar que desafia animadores e assusta consumidores desde que começamos a ver filmes como Final Fantasy: The Spirit Within ou games das gerações mais recentes. E se há um salto bastante perceptível entre uma versão e outra, é aqui que ele aparece: visualmente, o jogo consegue dar vida aos astros da MLB.
Não, ainda não chegamos ao patamar de ser tão perfeito quanto o real, mas finalmente, podemos ver expressões convincentes, olhos e gestual coerentes e texturas de pele e de tecido que chamem realmente a atenção. A abertura em live action poderia evidenciar um abismo, mas ao contrário, ela só mostra o quão bom foi o trabalho de recriação de jogadores, arenas e da atmosfera de uma partida de baseball.
Somam ao resultado final o trabalho com um HUD que consegue equilibrar bem a simulação de uma transmissão da MLB TV e de um game sem poluir a tela, nem deixar informações de fora. Ainda que em um primeiro momento não consigamos saber o que é um dado que influencia ou não na jogada seguinte, o tempo de jogo permite esse olhar multidirecional para a tela entre um arremesso e outro.
E o som não fica atrás. Ambientação e narração conseguem criar um clima perfeito para a imersão na partida e, sim, conseguem trazer emoção para o esporte. Há um trabalho de mixagem de áudio que consegue trabalhar muito bem com ruídos, vozes (com os narradores oficiais da liga), ecos, reação do público e a música tradicional de estádios, que, como não poderia deixar de ser, passeia pelo pop e pela cultura urbana norte-americana. MLB The Show 19 consegue atingir um nível de excelência audiovisual como nenhum outro game de esporte conseguiu fazer.
Há algumas especificidades que contribuem pra isso, claro. O número de jogadores muito menor, se comparado a um FIFA ou um PES. Também ajuda o fato de ser um jogo de estrutura mais estática, valorizando escolhas de enquadramento e animações determinadas para cada ação e reação. É muito mais fácil trabalhar com movimentos roteirizados do que com todas as possibilidades de interação em esportes de contato, como futebol e basquete. Tudo isso favorece, mas não tira o brilho de um trabalho muito bem feito.
Conclusão
MLB The Show 19 é um game incrível em todos os aspectos de sua proposta. Tem um visual espetacular, consegue ser muito bem equilibrado em todas as nuances da jogabilidade, aborda os bastidores de forma tão profunda quanto o jogador quiser e trata um esporte pouco popular no mundo (principalmente aqui no Brasil) como um espetáculo, algo muito característico de ligas estadunidenses. Mas mesmo assim, não é uma unanimidade, uma vez que é dedicado a um nicho muito, muito específico.
Ou seja, é possível ficar entusiasmado com tudo isso e mesmo assim odiar ou ignorar o game, sobretudo se esse esporte não tiver qualquer atrativo para o jogador. Diferente de jogos casuais, como o clássico Wii Sports, onde a regra do jogo não faz diferença nenhuma, aqui tudo o que envolve o baseball é importante, e isso vai desde o entendimento (mínimo que seja) de como funcionam as regras até a compreensão da estrutura da liga em si, negociações, relações financeiras, estratégias de planejamento e tudo mais.
Deste modo, é quase impossível recomendá-lo ou não. Fica o condicional: gostar de esportes, como um todo, não é suficiente para aproveitar esse game. Não gostar de esportes também não é um impeditivo, ainda que obviamente seja uma barreira. A sugestão é: para realmente investir pesado no game, não tem escapatória: ou se conhece bem o baseball e tudo que cerca a MLB ou tem que ter muita força de vontade para aprender a partir de The Show. Com um desses dois requisitos, o game é espetacular. Sem algum deles, melhor nem tentar.
MLB The Show 19 é exclusivo de Playstation 4 e está disponível, tanto em termos de textos como de som, somente no idioma original, o inglês (algo que piora ainda mais a compreensão do que está acontecendo para nós, falantes do português).