Análise Arkade – Oportunidades perdidas em ARK: Dinosaur Discovery

23 de dezembro de 2022
Análise Arkade - Oportunidades perdidas em ARK: Dinosaur Discovery

Se você é fã – ou ao menos um pouco interessado – na temática de dinossauros (e animais extintos, como um todo) e toda a memória coletiva que criamos desde produções da cultura pop como King Kong, O Elo Perdido e, principalmente Jurassic Park, já se deparou com alguns games que trouxeram, de uma forma ou de outra, estas criaturas magníficas que habitaram o nosso planeta por cerca de 200 milhões de anos.

A série Dino Crisis (DC3, não estou falando de você) é a minha favorita e aquela que está na minha listinha de desejos para um remake da Capcom; mas você também vai se lembrar de games como Turok e, mais recentemente, ARK: Survival Evolved, que está prestes a ganhar um segundo jogo com direito a Vin Diesel e tudo mais.

Surpreendente, porém, é que a marca acaba de lançar uma produção muito diferente do jogo original, voltado para um público infantil e com carácter primordialmente educacional.

ARK: Dinosaur Discovery é uma experiência que estaria no limiar das definições mais clássicas que estabelecem o que é ou não um jogo, mas como eu já coloquei minhas crenças sobre isso à prova há muito tempo, desde que me apeguei a experiências narrativas com as da Telltale, vou deixar essa discussão (inútil) para depois.

A princípio, este é um jogo casual exclusivo para Nintendo Switch, que visa apresentar estes animais pré-históricos aos mais jovens. Pena que é um modo detestável de fazer isso.

Análise Arkade - Oportunidades perdidas em ARK: Dinosaur Discovery

Bem-vindo, explorador

A premissa é bastante simples e nos coloca em uma simulação orquestrada pela IA chamada de HLN-A que tem como objetivo possibilitar que exploremos um lugar intitulado “A Ilha” que abriga um total de 64 espécies de animais divididos em diversas eras da nossa pré-história, iniciando a jornada pelo período Jurássico.

Não há uma explicação muito detalhada sobre como essa realidade é construída ou materializada, e no final isso pouco importa, já que a apresentação do plot não é mais do que o carregamento inicial do jogo disfarçado de introdução.

Não há, deste modo, uma história propriamente dita sendo contada, ou qualquer fio narrativo perceptível. Ao escolhermos um avatar – que deve ser selecionado sempre que retornamos ao jogo – adentramos este lugar que é basicamente uma emulação de biomas típicos de eras antigas.

Cada grande período está dividido dos demais por uma muralha enorme com um único acesso e o portão se abre quando descobrimos ao menos um espécime de cada criatura da região atual. Simples assim: se tem 13 dinossauros disponíveis no Cretáceo, ache todos eles, os catalogue e o portão da área seguinte se abre.

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Não há muito mais o que fazer além de encontra-los andando e vivendo suas vidas, e como não há agressão mútua, não tem sequer a possibilidade de ver um caçando o outro. As outras atividades são a de cumprir uma pequena missão para alguns deles que nos permitem ganhar sua confiança para que assim possamos montá-los, e encontrar as muitas esferas colecionáveis – mil delas, para ser mais exato – espalhadas pelo ambiente.

Em algum momento, também somos habilitados a criar algumas construções, como se fossem moradias ou estações para nós, mas como elas não servem de muita coisa a não ser existirem, é um extra que funciona muito mais como passatempo do que como atividade em si.

E, bem, esse é o jogo. Encontre dinossauros, leia sobre ele em livros que aparecem em nosso inventário, que se apropriam de uma estética bem reconhecível de livros educacionais para crianças pequenas, faça uma tarefinha para poder montá-los, e procure por outro em seguida.

De resto, o game é uma não-tão-grande caixa de areia a qual podemos explorar andando, correndo, nadando, cavalgando as espécies maiores, planando em alguns tipos voadores, sem pressa, orientação ou objetivo mais direto, algo que pode ser muito aberto para quem busca algo mais tradicional, mas que tem como meta ser realmente um passeio relaxante para crianças, como por um zoológico a céu aberto ou um safari a pé.

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Controles nem tão tranquilos assim

O que deveria ser uma experiência absolutamente descompromissada e livre se torna uma verdadeira dor de cabeça, porém, quando começamos a controlar nosso personagem. Com comandos inexplicavelmente duros e antiquados, andar por aí é um desastre e ignora tudo o que já vimos antes.

Primeiramente, porque o jogo simplesmente ignora o sistema com dois direcionais para movimentação tridimensional que se tornou padrão desde o PS2/GameCube e o controle de câmera se dá pelo mesmo direcional esquerdo de movimentação. Ou seja, andar e olhar são comandos unificados, como nos primeiros jogos da era 32 bits.

Não bastasse isso, o movimento em si é extremamente truncado, duro e enroscado, sendo difícil mudar de direção até quando estamos a pé. No controle de grandes dinos, algo que deveria ser o ápice da experiência, tudo se torna ainda pior e totalmente impraticável até em terrenos abertos e pouco acidentados.

Ajuda, porém, o fato de gigantes ignorarem árvores as derrubando quando elas ficam na frente, mas ainda assim, sempre que eu (e minha fiel escudeira, minha filha que sempre me acompanha em análises como essa) encontrava um bicho dos mais famosos, como o Tricerátopo, o Mamute ou o Tiranossauro Rex, o desejo de montar nele se desfazia em dois ou três segundos de pura agonia tentando dar dois passos sem enroscar em uma beirada qualquer.

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Assim, mesmo considerando as liberdades e facilidades do jogo quanto a exploração, tudo é muito sofrido e penoso. E olha que os limites são bem generosos, já que não há qualquer perigo ou ameaça, não tem tempo limite para nada (nem mesmo para trechos submersos), pode-se subir encostas e barrancos bem íngremes sem qualquer esforço, e coisas do tipo que evitam, em tese, qualquer amarra a um desnecessário realismo para valorizar a aventura aberta.

O que deveria servir para qualquer jogador, mesmo quem tem pouca habilidade com jogos 3D em terceira pessoa, se torna um horror até para quem já tem mais experiência.

As demais opções de ação se dão pelos botões de rosto de forma bem simples, onde a função de cada um deles é determinada pela proximidade ou não com os animais. Por exemplo, se estamos perto de algum que já catalogamos, há uma opção de montá-lo que se habilita ao encostarmos nele.

Há sempre nossa biblioteca em mãos, uma espécie de Pokedex simplificada, e há ainda opções para ordenar que a criatura urre para a ouvirmos. Há, de vez em quando, a opção de um radar que destaque e nos oriente para objetivos próximos, como um animal novo ou uma esfera ainda não coletada. Tudo bem simples e, felizmente, intuitivo.

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Como é um jogo onde não se espera ação, e sim interação, as coisas deveriam e foram, imagino, projetadas para ser o mais tranquilo e fluído possível. A implementação, todavia, é grosseira e se parece muito com um protótipo criando em uma jam experimental sem qualquer trabalho de refinamento posterior, talvez até utilizando algum motor padrão de templates mais baratos no mercado.

Pessoalmente, lamento muito que esteja assim, já que mesmo sendo leigo no que tange desenvolvimento, sei que há ferramentas prontas e até gratuitas que são melhor acabadas que o estado atual de ARK: Dinosaur Discovery.

Tecnicamente, trágico

A jogabilidade seria um problema imperdoável, mas surpreendentemente se tornou o menor dos problemas do jogo quando comparada a questões técnicas. Eu tive a oportunidade de jogar videogame desde a geração Atari, passei por toda a década de 1990 jogando como um adolescente curioso e as duas décadas seguintes como um adulto interessado, e jamais vi um produto final tão estragado e cheio de bugs como esse.

Se você, caro leitor, acha imperdoável o que aconteceu com o recente Pokémon Scarlet/Violet e principalmente com o desastre do lançamento de Cyberpunk 2077, nem imagina o que é tentar jogar ARK: Dinosaur Discovery.

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A cada cinco segundos, é uma parede craquelada que surge no caminho, é um fundo que some, uma textura que desaparece, um dinossauro que fica atravessado em uma árvore, um Tigre Dentes-de-Sabre que fica dividido ao veio com uma parede que acabamos de construir, um fundo do mar que simplesmente some e faz parecer que estamos nadando em um buraco vazio, e todo tipo de problema que não deveria aparecer nem na versão alpha de um produto profissional. Isso sem contar coisas flutuando o tempo todo, que de tão comuns eu nem ligava mais e se tornou só uma piadinha frequente.

Pior que tudo isso é o fato de o jogo simplesmente crashar o tempo todo, e houve um momento que a cada novo dinossauro descoberto o game simplesmente fechava e me obrigava a reiniciá-lo. Do nada, sem nenhuma sobrecarga, sem nenhuma exigência maior. Chegou ao ponto de adivinharmos quando ele iria fechar sozinho com aquela mensagem de erro na tela do Switch de tão óbvio que era o problema.

Para fins de avaliação, fiz questão de contabilizar um total de cinco crashes em menos de 15 minutos de uma tarde tranquila de jogo, isso porque a maior parte deste tempo foi utilizado para recarregar o game a cada inicialização. Comparativamente, em dois anos que tenho o console, só houve um crash similar, e normalmente é o tipo de coisa que não me incomoda tanto. E não, não há problemas no hardware, porque já joguei coisas depois de ARK e tudo continua funcionando lisinho.

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Acabou? Não, tem mais. Para que uma criatura seja definitivamente dada como encontrada, é necessário fazer a segunda tarefa, aquela que permite que montemos nela depois. Esta atividade é sempre muito simples, como ir até um local encontrar um filhote e guiá-lo de volta à mãe; acompanhá-lo até a praia; coletar lixo para limpar a natureza; coisas que de fato são comuns e que deveriam complementar o aprendizado.

Seria ótimo, não fosse nesse ponto onde várias vezes o jogo bugasse, simplesmente não reconhecendo o cumprimento da missão. Como para seguir adiante é necessário que tudo esteja contabilizado, foram várias as vezes que ficamos tentando recomeçar a demanda até que em algum momento funcionasse e pudéssemos continuar.

Em análises, evito ao máximo tratar de temas técnicos e pormenores deste aspecto, porque na grande maioria das vezes bastam duas ou três boas atualizações e um suporte mínimo para que isso seja corrigido. Entretanto, a soma de todos os problemas em ARK: Dinosaur Discovery está para além de arestas a serem ajustadas e mostram que o jogo está muito, muito longe de um estado mínimo para lançamento, porque chega a ser inviável, não por preciosismos como contagem de frames ou quedas momentâneas na qualidade de textura, mas sim por simplesmente ter problemas estruturais graves que impedem o avanço do jogador ou mesmo de o jogo continuar funcionando por um tempo mínimo. Não há pano a ser passado que chegue.

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Apesar de tudo, bonito

Superando todos os senões acima listados, quando o jogo roda suficientemente bem, quando ao menos permite que se progrida, é possível notar algumas de suas melhores qualidades, que dão total destaque para as estrelas do show, os animais. 64 espécies não é um número baixo, sobretudo quando grande parte delas é desconhecida do grande público, principalmente aquele ao qual o jogo se destina.

Os mais conhecidos estão lá, plenos, as vezes um pouco mais próximos das recentes descobertas do que das formas mais famosas assumidamente híbridas dos filmes de Jurassic Park, e alguns inesperados também marcam presença, nos desafiando a decorar novos nomes complicados.

Esteticamente, são modelos muito bons e relativamente bem detalhados, que somados a ilustrações didáticas nos arquivos de inventário alcançam os objetivos de nos fazer conhecê-los um pouco melhor. Também há uma boa representação sonora, diversa e variada que busca emular aquilo que a ciência compreende como urros e rugidos aceitáveis para essas criaturas.

O som ambiente, ainda que não tenha a riqueza e a sofisticação que se espera de um cenário selvagem, cumpre aquilo que se propõe e não atrapalha.

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Boa parte desta percepção positiva está em um bem pensado e cell shading que favorece o disfarce de imperfeições e possíveis serrilhados na modelagem, além de permitir um uso mais intenso de cores vivas e vibrantes. A se lamentar, o trabalho com vegetação não é dos mais interessantes da plataforma, e há inconsistências na iluminação, principalmente nos efeitos de sombra e difusão pela folhagem. São problemas que, perto do resto, parecem insignificantes, mas que estão lá.

A bem da verdade, é possível que a avaliação relativa seja complicada. Este está longe de ser um dos jogos mais bonitos do Switch mesmo quando comparados a produções mais modestas e menos pretensiosas, mas quando o componente artístico do game é colocado lado a lado com outros como a jogabilidade e a solidez técnica, parece a única coisa que pode ser salva.

Mas ao mesmo tempo, a modelagem dos dinossauros, aves e mamíferos é realmente interessante e suficiente, e não tenho nenhuma preocupação com os modelos humanos parecerem avatares aleatórios comprados em qualquer base comercial disponível por aí.

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Conclusão

Eu, como um pseudo-nerd de dinossauros, gostaria, de verdade, de ter apreciado meus momentos com ARK: Dinosaur Discovery. Era meu desejo estar aqui recomendando a produção para entusiastas, crianças de todas as idades e – porque não? – professores e instituições de ensino como uma ferramenta potente e agenciadora para uso em sala de aula, uma vez que essas possibilidades estão latentes na produção, intrínsecas ao projeto, e há uma falta enorme de produtos bem acabados para essa finalidade.

Contudo, é impossível dizer que o jogo tem qualidades suficientes para que alguém invista dinheiro, tempo e paciência com ele. Se a jogabilidade bruta e o visual inconstante são algo a se relevar pelo bem de uma experiência leve e de bom aprendizado, as questões de acabamento são tão absurdas que corroem qualquer boa vontade para com ele.

Já faz algumas semanas desde o lançamento e nada mudou, e muito menos indica que mudará, o que significa que se você tem interesse na temática, o jeito é buscar outras fontes para saciar essa vontade, porque ao menos nesse estado, ARK: Dinosaur Discovery só vai fazer com que você perca qualquer encanto com esse mundo ancestral fascinante da nossa pré-história. Que pena.

Disponível desde 09 de novembro de 2022 para o Nintendo Switch, ARK: Dinosaur Discovery está disponível somente no idioma inglês tanto em áudio quanto em textos, menus e legendas.

Paulo Roberto Montanaro

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