Análise Arkade: Past Cure mistura ação, stealth, puzzle e terror, mas deixa a desejar

23 de fevereiro de 2018

Análise Arkade: Past Cure mistura ação, stealth, puzzle e terror, mas deixa a desejar

Past Cure é um projeto ambicioso. Primeiro game do estúdio indie Phantom 8, o jogo prometeu misturar elementos de ação cinematográfica, stealth, survival horror e puzzle, tudo isso com uma trama cheia de conspirações e plot twists. Será que essa mistura funciona? Vamos descobrir!

Um thriller interativo

Past Cure nos apresenta ao ex-soldado Ian, que passou um tempo desaparecido, sendo “cobaia” de experimentos científicos que visavam aprimorar suas habilidades para níveis sobre-humanos. O lado bom é que ele ganhou poderes como telecinese, projeção astral e controle da mente… O lado ruim é que ele pagou com sua sanidade e perdeu boa parte de suas memórias.

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Quanto mais usa estes poderes, mais cresce sua insanidade, e isso está arruinando a vida do cara. Desde os experimentos, ele é atormentado por pesadelos sinistros, e quando os bizarros “homens de cerâmica” destes pesadelos começam a invadir o mundo real, ele percebe que já passou da hora de busca umas respostas (e vingança, claro) com aqueles que causaram este inferno.

Depois de muitas buscas sem sucesso, seu contato Markus lhe informa que um executivo tentará comercializar drogas experimentais em um hotel. Ian toma uma dessas drogas para controlar suas alucinações, e sabe que a indústria por trás delas deve lhe dar uma pista de quem ele deve caçar. Assim, depois de um tempo recluso, Ian recarrega sua arma e volta à ação.

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Conceitos como “sujeito em busca de vingança” e o “protagonista desmemoriado” podem não soar lá muito originais, mas a maneira como Past Cure aborda estes clichês tenta ser um diferencial: a trama do game se esforça para ser densa, elaborada e instigante, e o mix do mundo real com o mundo dos pesadelos de Ian poderia tornar o andamento do jogo bem dinâmico e variado… mas não é bem isso o que acontece.

A verdade é que esta premissa interessante não entregou uma história realmente boa. Ela não é ruim, mas é confusa, um tanto enrolada e meio que não vai pra lugar nenhum, o que é um problema se considerarmos que o jogo meio que se vendeu em cima de sua narrativa.

Muitas ideias mal aproveitadas

É louvável o esforço que a pequena equipe do Phantom 8 colocou para fazer de Past Cure algo realmente versátil. Realmente temos momentos de terror, outros de tiroteio, outros de stealth e alguns bons puzzles… o problema é que, salvo raras exceções, nada disso foi muito bem executado, e o jogo peca pelo reaproveitamento de situações, tornando-se repetitivo apesar de sua curta duração (entre 5 e 6 horas).

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Pegue por exemplo uma das primeiras missões do game, que nos coloca para invadir um hotel onde as drogas misteriosas do game serão vendidas clandestinamente. Na demo que jogamos recentemente (leia nosso preview), este trecho consistia basicamente em uma área, onde devíamos abrir caminho a tiros até o quarto 1303.

Foi uma experiência breve, mas intensa. No jogo completo, porém, nosso amigo Ian chega de carro ao último andar da garagem… e deve encarar vários andares genéricos cheios de inimigos genéricos, para então chegar a um enorme saguão… onde devemos agir em modo stealth para evitar mais inimigos genéricos e conseguirmos acesso aos elevadores, para só então ganhar acesso ao andar que conhecemos na demo, onde trocamos mais tiros até achar o quarto certo.

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É um trecho demasiado longo — especialmente a parte da garagem — que se torna chato porque, em termos de mecânicas, o jogo não é assim uma maravilha. A mira é um tanto capenga e atirar protegido por uma cobertura é quase impossível, de modo que eu matei a maioria dos inimigos usando o poder de “câmera lenta” para conseguir mirar decentemente. Isso não torna os tiroteios cinematográficos como os de Max Payne, apenas deixa a ação arrastada e sistemática.

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Aliás, falando em poderes, a insanidade de Ian nunca afeta realmente o gameplay em si. A barrinha azul serve apenas para limitar a utilização dos poderes, não afetando fisicamente o protagonista, nem causando transtornos ou alucinações… rola no máximo uma borradinha na tela quando esgotamos a barra. É mais um elemento que está solto ali, e poderia — deveria, aliás — ser melhor aproveitado e integrado ao jogo.

Pesadelos e poderes

No mundo dos pesadelos, por mais que eu goste do clima e da atmosfera, o jogo também erra um pouco a mão, ao entregar ambientes labirínticos sem nos dar um mapa ou uma forma prática de nos localizarmos. Geralmente estamos desarmados nestas áreas, e precisamos usar uma postura stealth para prosseguir, combinando-a com os “poderes” de Ian para evitar os inimigos.

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Uma de suas habilidades lhe permite controlar uma projeção astral fora de seu corpo, e seu “fantasma” pode chegar até lugares inacessíveis para seu corpo físico, podendo também realizar ações simples como apertar botões, desativar câmeras de segurança e acionar mecanismos, além de servir para nos dar um panorama geral do ambiente e do cone de visão dos inimigos.

Novamente, o jogo peca pela repetição: há alguns segmentos stealth seguidos, e a distribuição arbitrária de checkpoints nos obriga a rejogar vários minutos caso sejamos pegos. Gostei muito dos puzzles e desafios encontrados aqui — todos excelentes testes de raciocínio lógico, nada aleatório ou que dependa da sorte –, mas são momentos de satisfação pontuais perdidos no meio de trechos pentelhos.

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Os puzzles envolvem ligar cabos, resolver charadas e alinhar plataformas.

Potencial desperdiçado

Com tudo isso, fica a sensação de que Past Cure atira para todos os lados, mas nunca acerta realmente o alvo. Suas mecânicas de tiro e combate são capengas, os “poderes” de Ian são subaproveitados, e o excesso de tiroteios chatos tira o espaço dos puzzles e dos trechos de terror, que no geral são mais interessantes.

Ao jogar Past Cure, me lembrei constantemente de vários jogos diferentes: seus tiroteios tentam emular o feeling de Max Payne, seu jeitão de thriller cinematográfico lembra bastante o meia-boca Quantum Break, seus momentos de terror bebem na fonte de The Evil Within. Referências que até são boas, mas que foram “juntadas” de um jeito que provavelmente era legal na teoria, mas não funcionou tão bem assim na prática.

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O problema não é nem a mistura em si — que até funciona e deveria ser o grande diferencial do título — mas a cadência do jogo, que separa tudo por longos tiroteios enfadonhos ou partes de stealth forçado que podem rapidamente se tornar frustrantes. É triste, mas o potencial de Past Cure perdeu-se em uma execução de qualidade bem questionável.

Audiovisual

Past Cure é um jogo bem cinematográfico. Certas limitações orçamentárias são nítidas, mas no geral o visual dele é interessante, e no PC, conseguimos curtir o game com tudo no máximo a 60fps, sem engasgos. Há um constante efeito de lens flare, cutscenes com ângulos de câmera estilosos, mantendo uma aura meio Matrix nos trechos de ação, meio The Evil Within nas partes de terror.

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Se no macro ele faz um bom trabalho, no micro a impressão não é tão boa: as animações são um tanto truncadas e há um óbvio reaproveitamento de cenários (sim, estou falando da parte da garagem). As cutscenes adoram aproximar a câmera do rosto de Ian para fins dramáticos, mas com isso vemos como seus olhos são estranhos e seu cabelo é bizarro. E esse é um problema que afeta todos os personagens tanto no gameplay quanto nas cutscenes, causando aquele incômodo uncanny valley.

No departamento sonoro, também temos problemas: não houve cuidado (ou verba) para trazer bons dubladores, de modo que as vozes e diálogos vão do “desprovido de emoção” ao “pastelão” sem nunca achar o tom certo. É difícil criarmos empatia com Ian quando ele simplesmente não possui carisma ou personalidade para nos apresentar sua própria história de forma interessante.

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A trilha sonora cumpre seu papel — e a ausência dela geralmente é mais impactante –, e, para alegria dos brasileiros, o game possui legendas em português brasileiro… mas o trabalho de localização não foi lá muito bem feito, de modo que há trechos que continuam em inglês, ou (pior) omissão de alguns caracteres, o que dificulta muito a vida da gente. Na área da prisão, por exemplo, há uma charada cujas pistas estão incompletas em português, de modo que fica impossível resolver o enigma.

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Em português, as pistas dessa charada estão incompletas, o que torna impossível decifrá-la.

Em termos gerais, eu achava que Past Cure seria muito maior, com mais missões e cenários, mais situações para conhecermos o background de Ian e sua mente perturbada. Mas no geral o game é curto, com pouca variedade de ambientes e muita “encheção de linguiça” para dar corpo ao conjunto  da obra. Isso faz com que, mesmo sendo curto, ele pareça bem mais longo, e esse não é um bom feeling para nenhuma obra de entretenimento.

Conclusão

Eu embarquei no trem do hype de Past Cure desde o início. Postei vários trailers do game aqui no site, e vibrei quando a distribuidora me concedeu as keys para a produção do preview e deste review.

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Aliás, por mais curioso que pareça, acho que a experiência incompleta da demo foi melhor do que a do jogo inteiro. Ué, como assim? Explico: a demo é curta, intensa, instigante. O jogo final enterra tudo isso no meio de tiroteios chatos e repetitivos. Esse excesso de partes chatas é o maior problema: fica a impressão de que os desenvolvedores quiseram “esticar” o jogo alongando trechos de gameplay que simplesmente não são legais.

Past Cure é um jogo audacioso que poderia ser excelente, mas no fim das contas é apenas ok. Eu queria gostar mais dele e dizer que é um jogo imperdível, mas infelizmente ele não é.

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O pessoal da Phantom 8 é ambicioso e tem talento, mas espero que em futuros projetos eles aprendam que menos pode ser mais.

Past Cure está sendo lançado hoje (23/02), com versões para PC, Playstation 4 e Xbox One. Este review foi feito com base na versão PC do game, que recebemos antecipadamente da assessoria da Phantom 8.

Rodrigo Pscheidt

Jornalista, baterista, gamer, trilheiro e fotógrafo digital (não necessariamente nesta ordem). Apaixonado por videogames desde os tempos do Atari 2600.

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