Análise Arkade – Pokémon Legends: Arceus e a esperada evolução da franquia

5 de fevereiro de 2022
Análise Arkade - Pokémon Legends: Arceus e a esperada evolução da franquia

Uma das propriedades intelectuais mais importantes dos últimos 30 anos, Pokémon tem passado por uma relação, digamos, um tanto quanto conturbada com seus incontáveis fãs. Com a chegada do Nintendo Switch, a famosa aventura de capturar bichinhos para treiná-los em batalha, ser o maior treinador do mundo e, por vezes, salvar o mundo no processo, não estava mais restrita à linha exclusivamente portátil da Nintendo, o que significou, naquele momento, uma grande mudança de paradigma para a franquia.

De lá para cá, recebemos um semi-remake da primeira geração em Let’s Go Pikachu / Eve; uma nova aventura na linha principal em Sword / Shield e o remake de uma das mais celebradas gerações da era DS, Brilliant Diamond / Shining Pearl, e a sensação de estagnação da franquia parecia ponto pacífico dentro da comunidade. A fórmula narrativa mostrava sinais de desgaste, as experimentações gráficas pareciam não honrar o potencial da plataforma, e tanto exploração como combate já não traziam o frescor de anos (ou décadas) atrás. Por mais que venda como água no deserto, Pokémon havia parado no tempo.

Análise Arkade - Pokémon Legends: Arceus e a esperada evolução da franquia

Quando tivemos a revelação de um novo jogo original da franquia, aquele que finalmente traria algumas mudanças significativas em tudo o que já conhecíamos, incluindo um novo período histórico, uma nova forma de relação com os monstrinhos de bolso e, principalmente, um modelo mais livre de exploração do mundo, a comoção foi gigante, e a expectativa cresceu. Você, caro leitor que nos acompanha sempre, compartilhou conosco o grande hype que alimentamos pelo jogo no nosso resumo do que já sabíamos do jogo e pode confirmar (ou não) se essa espera valeu a pena em nossas primeiras impressões de Pokémon Legends: Arceus, publicadas logo no lançamento do jogo.

Uma semana depois e finalmente pudemos avaliar, com mais calma, tudo – ou quase tudo – do que o jogo pode oferecer para formular nossa análise crítica. Portanto, para não nos tornarmos repetitivos, não vamos nos alongar em alguns descritivos (como o sistema de combate, personagens ou o pano de fundo, os quais já foram bem explicados nos dois textos linkados acima) e vamos nos focar na percepção de como estas grandes (algumas sim, outras nem tanto) mudanças transformaram, ou não, a experiência do jogo. Afinal, Arceus é tão diferente assim de seus antecessores? As novidades atendem realmente aquilo que a comunidade esperava?

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Caindo do céu

A mudança da perspectiva em relação às motivações do jogador foi certamente a primeira coisa que chamou a atenção. Sem o objetivo de ser uma criança que sai de casa para ser um andarilho em busca de insígnias para competir no maior torneio Pokémon da região, nos encontramos no controle de um (ou uma, como no meu caso) jovem que misteriosamente chega a essa terra quase selvagem séculos antes do tempo presente, em uma premissa que se não é de toda original, ao menos é diferente para os padrões da franquia.

Ao chegar, conhecemos um pouco da organização social e política da ainda pequena Vila de Jubilife (aquela que se tornaria uma das principais cidades da região de Sinnoh) e sem-querer-querendo acabamos sendo integrados ao Galactic Team, responsável por pesquisar e catalogar essas criaturas que habitam a região. Não demora para que a missão principal, a de construir uma Pokédex parruda, se mostre algo maior, com a organização (e o jogador) assumindo um papel fundamental na solução de um estranho fenômeno que estava perturbando o equilíbrio natural ao causar um efeito estranho de frenesi em alguns dos mais importantes Pokémon da área.

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Ainda que narrativamente tenhamos nos distanciado bastante do esquema dos ginásios, na prática a estrutura é basicamente a mesma, ao nos levar para uma área onde precisamos cumprir algumas metas e missões de contextualização até podermos enfrentar o chefe da fase, por assim dizer. A GameFreak preferiu ousar pouco nesse sentido, então ainda estaremos bastante limitados a chegar num local novo, andar bastante, coletar (e/ou enfrentar) espécies novas para preencher nossas anotações, e aí chegar preparados para o confronto central. Uma vez cumprida a tarefa, seguimos para a próxima e assim por diante.

A maior diferença deste para tudo o que veio antes está na forma como encaramos esse desafio macro. Ainda que em alguns casos possamos ter ajuda de nosso seleto time de elite de Pokémon, o enfrentamento é mais direto, sendo necessário usar um arsenal de bálsamos especiais para acalmar a criatura da vez, utilizando a mesma mecânica de arremesso de pokébolas que aprendemos quando o tutorial (longo e modorrento como já é padrão para jogos similares) trata de capturas e provocação de batalhas. Ou seja, ao invés de descobrir qual o tipo onde investir no treinamento, nossa meta é treinar o braço para tacar coisas na fuça de um bicho doido.

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Olhos vermelhos por toda parte

Contudo, o pedágio narrativo necessário até chegar lá nos ajuda a melhorar nosso time, afinar estratégias e coletar muitos consumíveis, e o grande desafio nesse meio tempo é enfrentar os chamados Alphas, basicamente versões maiores, mais poderosas (e muito mais ariscas) dos principais tipos da região. Pessoalmente, acabou se tornando natural para mim caça-los para compor um time mais forte, uma vez que, a princípio, eles estão em níveis mais altos do que os Pokémon comuns da área e, via de regra, maiores também que aqueles que temos em nosso time.

Curiosamente, acabou se tornando mais prático – ao menos para mim – capturar Alphas ao invés de investir tempo nos que já temos. É um exercício de desapego, algo que foge bastante daquilo que eu gostava de fazer nos jogos anteriores da franquia, quando basicamente passava o jogo todo com um time fixo com uma ou outra substituição mais pontual ou para me adaptar aos adversários, ou para favorecer a busca por um certo tipo de alvo. Em Brilliant Diamond, por exemplo, terminei a campanha principal com três dos seis bichos principais sendo aqueles com quem comecei – um Infernape, um Staraptor e um Luxray, já que claramente era uma vantagem cuidar deles. Em Arceus, essa alternância é muito mais frequente.

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Um dos méritos que favorecem essa constante reconfiguração de time é a diversidade de espécimes espalhados por todos os cenários do mundo de Hisui, algo realmente surpreendente. Logo nas primeiras duas horas de jogo você já terá uma Pokédex com 10, 15 criaturas diferentes, incluindo até evoluções uns dos outros, algo que se mostra muito mais dinâmico do que os encontros aleatórios repetitivos de outrora. Claro que ajuda o fato de vermos os Pokémon em seu habitat natural, além da possibilidade da captura direta pelo modo stealth, mas não há dúvidas de que o tempo todo estamos achando algo diferente.

Mundo amplo, mas não aberto

São dois os fatores que contribuem para essa maior variedade disponível. A primeira delas é uma sofisticação daquilo que é necessário para que possamos assumir que temos sim um Pokémon catalogado. Não basta capturar um indivíduo no meio do mato, mas sim uma série de pré-requisitos organizados em níveis, que consideram quantidade de capturas, quantidade de vitórias sobre eles, vê-los em ação, utilizar um tipo específico contra eles, e muito mais. Demora para que isso aconteça, o que demanda muitos encontros com cada um deles, a favor ou contra. Felizmente, aqui os encontros são intencionais.

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Outro fator é a possibilidade de exploração relativamente livre que o jogo proporciona. A essa altura, você já sabe que, categoricamente, Pokémon Legends: Arceus não é um jogo de mundo aberto e se parece, como já havíamos projetado, com uma mistura entre Dragon Age: Inquisition e os últimos jogos da série Monster Hunter, onde há um hub central que conecta algumas regiões para as quais partimos em expedições. Ainda que sejam até bastante amplas, esses pontos são limitados e não guardam conexões diretas in-game. Para resolver isso em termos diegéticos, as missões estão sempre na linha do “vá, resolva e volte para nos contar”, justificando esse retorno à base o tempo todo.

Dito isso, é fácil dizer que esse universo do jogo é muito convidativo para que possamos nos perder na exploração. Se eu já sou daqueles que, em um RPG, gosta de fazer tudo o que tiver antes de cumprir a próxima missão primária, aqui o perigo é não voltar mais para essa linha principal. Andar a esmo, achar um tipo novo a se capturar, enfrentar Alphas de nível elevado, cumprir o loot de matérias primas… tudo faz parte de um ciclo muito viciante. Se nos jogos anteriores havia um esgotamento da paciência, da metade para frente, nos encontros aleatórios com selvagens repetidos, aqui é exatamente o contrário. É algo que diverte, funciona, alimenta a imersão e é incentivado pelo modelo mais profundo de catalogação.

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Então se você tem problemas com o vai-e-volta de RPGs mais clássicos, talvez não se divirta tanto quanto eu aqui, mas gosto dessa retroalimentação que nos faz querer, por vontade própria, voltar horas depois para, por exemplo, um lugar que havia aquela bendita Rapidash Alpha nível 40 que nos deu uma surra quando ainda estávamos patinando com um time nível 10. Aliás, as possibilidades de fazer marcações no mapa para retorno é uma ferramenta pouco explorada nos tutoriais do jogo, mas muito útil para coisas desse tipo. Não é algo novo, longe disso, mas para o escopo da franquia, faz toda diferença.

Inovação, originalidade ou revolução?

Ao elaborar esta análise e mesmo antes, a cada novo passo dado dentro do jogo, uma sensação conflitante martelava em minha mente. Tudo parecia tão fresco e, ao mesmo tempo, ainda parecia velho. Sim, Pokémon Legends: Arceus é um novo velho jogo, porque traz todas as atualizações necessárias e exigidas pelos fãs mais antigos, e o faz de forma satisfatória e muito orgânica. Finalmente temos um universo vivo, pulsante e que realmente parece existir independente da presença da protagonista. Mas essa novidade já parece datada e primária, se mostra uma coleção de ideias que já foram aplicadas à exaustão em tantos outros games, algumas delas já superadas, como a IA de humanos e criaturas com comportamentos bastante simples e rotinas limitadas, algo que se mostra muito inferior a, inclusive, New Pokémon Snap lançado no ano passado.

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O modelo de exploração de um mundo amplo não se distingue de uma infinidade de RPGs de duas ou três gerações atrás, com pontos de interesse espalhados estrategicamente; batalhas por turnos com algumas opções de velocidade; acampamentos como pontos de viagem rápida; missões secundárias de simples “vá e me traga algo” e crafting de plantas e minérios para confecção de itens avançados. Em resumo, não há nada em Arceus que já não tenhamos jogado antes. Paradoxalmente, não há nada que tenhamos jogado antes como Pokémon, porque nenhuma outra produção tem as especificidades e o carisma desta franquia. Sim, racionalmente, estou em conflito.

O que quero dizer com tudo isso é que Pokémon Legends: Arceus está longe de ser um jogo inovador, seja qual for o aspecto analisado. É narrativamente reconhecível, estruturalmente seguro, e aposta na descoberta do mundo e em um sistema de batalha melhorado para renovar as suas bases. Visualmente, aliás, parece ainda estar muito aquém do potencial já estabelecido pelo Nintendo Switch, e parece que a GameFreak ainda não concebe que agora Pokémon também pode ser jogado na tela grande, com controle na mão e com o jogador sentado no sofá da sala.

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Gosto da sutil atualização na organização de menus e da interface de suporte no geral, sobretudo o HUD, além da facilidade de se lidar com as formas de se interagir com o mundo. No toque de um botão, alternamos entre o menu com nossos Pokémon e outro com o inventário com as Pokébolas e apetrechos como bombas de fumaça, frutas e outras traquitanas. Muito bom que informações como nível de criaturas, sub-tarefas concluídas e outras surjam em tempo real na tela sem precisar parar a ação para isso.

Também acabou o drama para selecionar os quatro movimentos de cada componente do seu time, e até recarregar as energias depois das batalhas é muito mais simples dormindo no acampamento. Muitas mudanças que parecem bobas ou sutis demais demonstram uma preocupação em valorizar o dinamismo e diminuir ao máximo as burocracias com as quais já estávamos tão acostumados.

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Ainda há, porém, problemas de ritmo, com passagens com diálogos extremamente expositivos, cansativos e as vezes desnecessários, mesmo que se espere um tom mais infantilizado para uma jornada idealizada para pessoas de todas as idades. Entender aquele mundo é essencial para dar significado a cada nova investida, e dá substancialidade a ações e missões que, no fundo, são sempre a mesma coisa. Contudo, há que se ter paciência, porque o jogo demora a engrenar no começo, e mesmo nos intervalos de respiro na transição de uma quest para outra, na preparação para grandes momentos, ou no prelúdio para o próximo ponto de interesse, há um didatismo verborrágico que parece ainda um vício de outros tempos.

Resumindo, o jogo consegue equilibrar essa renovação com tudo o que já vivemos nos últimos 30 anos com a franquia, mantendo sua identidade e seus princípios. É uma atualização que deveria ter vindo antes, mas que ao mesmo tempo deve trazer alguns problemas para o futuro da franquia ao ponto que a partir daqui, será muito difícil retornar para um jogo novo na linha principal que não incorpore e amplie as mudanças apresentadas. Talvez seja essa a intenção ao implementar alterações tão significativas em um spin-off: testá-las para ver a aceitação do público. Se for esse mesmo o caso, parece ser um caminho sem volta, uma questão com a qual os desenvolvedores deverão lidar em um futuro próximo, porque, no final das contas, Pokémon Legends: Arceus é o melhor jogo da franquia em décadas.

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Conclusão

Pokémon Legends: Arceus marca uma das maiores e mais importantes quebras paradigmáticas da franquia, ouso dizer, desde a sua criação lá no longínquo ano de 1996. Com um sistema dinâmico de batalhas, que funcionam de forma mais integrada ao resto do jogo e que trazem algumas variações interessantes para a estratégia de combate, há uma sensação de novidade muito bem-vinda no quebra-pau entre monstrinhos de bolso. Parece algo corriqueiro, mas poder andar livremente enquanto dá comandos de ataque faz uma diferença enorme na imersão da experiência.

Se em termos audiovisuais ainda não sentimos que o jogo chega perto das melhores e mais ousadas produções do console híbrido da Nintendo, por outro lado a elaboração de mundo é algo a se destacar, garantindo algumas boas surpresas e muito fan-service para os veteranos que ainda tem o mapa de Sinnoh fresco na memória. Destaque para a modelagem dos diversos Pokémon, suas variações e principalmente para algumas belas animações dos golpes mais conhecidos. Também é louvável finalmente vê-los integrados ao mundo real, mesmo que isso esteja anos-luz de distância do que já vimos em outras derivações da franquia.

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Definitivamente, não é um jogo que terá a criatividade como sua principal marca, mas ao trazer elementos já bastante consagrados do gênero, enfim consegue responder algumas das principais demandas do seu público e mesmo que não seja especialmente excelente em qualquer desses quesitos, consegue entregar um conjunto coeso, divertido, em certos aspectos viciante, e ainda assim mantém um DNA que dificilmente qualquer outra franquia conseguirá emular.

Lançado em 28 de janeiro de 2022 exclusivamente para Nintendo Switch, Pokémon Legends: Arceus está disponível localizado para alguns idiomas, dentre eles o inglês e o japonês, mas como de costume, infelizmente o português ficou de fora dessa lista.

Paulo Roberto Montanaro

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