Análise Arkade – Postal 4: No Regrets deveria se arrepender de existir

22 de março de 2023
Análise Arkade - Postal 4: No Regrets deveria se arrepender de existir

Eu gosto de jogos ruins. Não estou falando daqueles jogos que tentam ser incríveis e falham em alguns aspectos, ou de jogos que acabam exagerando em algum quesito que acaba estragando a experiência, desses eu gosto menos. Eu gosto mesmo é daqueles que tem o propósito de serem a antítese do ideal perfeito pasteurizado da maioria das produções AAA atuais.

O exemplo mais recente dessa categoria de (falta de) respeito é o subestimado Goat Simulator 3, do qual falei há alguns meses aqui na análise e que continua instalado permanentemente no console para tardes enfadonhas ou madrugadas descompromissadas.

Contudo, o charme em produções cuja proposta disruptiva é uma capacidade de elevar ao absurdo coisas cotidianas ao ponto de atingir níveis interessantes de sarcasmo e ironia, características das melhores paródias do mundo das artes, inclusive dos games.

E como tudo na vida, há paródias boas e outras que são só um tipo de ofensa gratuita, e infelizmente esse segundo é o caso de Postal 4, que parece muito mais uma tentativa patética de emulação do jogo anterior da franquia lá de 2003 (e não, não há um Postal 3) do que um jogo realmente novo. Ao tentar dar um passo adiante, a franquia caminha quilômetros para trás.

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Um exemplo de não-engajamento

Em Postal 4, o protagonista criminalmente incorreto Postal Dude, acompanhado de seu cachorro Champ, está totalmente desabrigado depois do eventos que culminaram na completa destruição de seu lar em Paradise e agora em Edensin, eles precisam encontrar uma forma de sobreviver.

Para tanto, começam sua jornada à procura de emprego e abrigo e, bem, o que segue depois é um festival de banalidades e desculpas esfarrapadas para sair atirando, urinando ou atropelando um bando de NPCs despropositadamente repetidos, toscos e perturbadores. E isso é tudo o que se precisa saber sobre aquilo que o jogo chama de narrativa.

Sim, este é antes de mais nada um jogo de ação em mundo aberto em primeira pessoa que estabelece liberdade total para o jogador simplesmente tocar o terror pela cidade e seus arredores, e as missões que se encadeiam em nossa lista de tarefas são muito desculpas esfarrapadas para que lidemos com elementos diversos e cenários distintos do que propriamente pontos de interesse real.

Até aí, tudo bem, e não é muito diferente de outras produções muito aclamadas e bem quistas. O que realmente torna Postal 4 uma verdadeira ofensa ao mundo é fazer isso tudo de forma enfadonha, com mecânicas desleixadas e um mundo desinteressante, pra dizer o mínimo.

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Uma das primeiras missões, por exemplo, envolve arrumar um trabalho, e uma das tarefas que nos é atribuída é limpar canos de esgoto cheios de, bem, daquilo que tem no esgoto.

Para tal, é necessário passar por uma sessão de escalada com elementos de plataforma 3D que não só são um martírio pela imprecisão absurda de comandos como principalmente pelo desenho de nível simplesmente medonho, com caminhos que dão em lugar nenhum ou passagens que se fingem de labirínticas mas que nada mais são que corredores tortos.

O mesmo vale para a cidade que hospeda a aventura, um aglutinado de pequenas blocos com construções genéricas em meio a um terreno montanhoso qualquer.

Se no início o desenho interno das construções é até promissor, não demora para que percebamos que não passam de modelagens com leaiaute repetitivo e que nada oferecem além de alguns colecionáveis e consumíveis. Não demorou mais do que duas horas de exploração livre para que eu já estivesse desejando só fazer as missões obrigatórias e terminar logo com o sofrimento.

Jogar no modo full pistola, que é facilmente o jeito incentivado pela produção, poderia parecer engraçado e caótico ao permitir que saiamos destruindo tudo o que vemos pela frente, mas é só um jeito grotesco de forçar a atenção pelo choque, o que até funcionou há duas décadas atrás, mas que agora só parece uma versão tosca e feita de qualquer jeito de GTA. Não há polêmica, não há provocação, não há transgressão ou subversão. Só uma sequência de bobeiras que beiram a tristeza.

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Fica pior

Se a forma desleixada da narrativa ou da organização do mundo parecer o jeito peculiar dos desenvolvedores de extrapolar temáticas politicamente incorretas, todo o resto é ainda mais irritante. A movimentação é leve como uma pluma e nem por isso é fluída, mas mesmo assim dirigir um veículo ou sair correndo desembestado não chegam a ser um problema em si, mas o jogo consegue o feito de, na passagem entre blocos do mapa, congelar para carregar. Isso rodando em um PS5!

É bizarramente inacreditável! A cidade é feia, tem poucas construções, as texturas já seriam simplórias lá geração PS2, há poucos elementos em movimento ou efeitos de partículas, e mesmo assim o jogo consegue o (e)feito – proposital ou não, tanto faz nesse caso – de ter o pior desempenho que já vi nestas últimas décadas.

Nada supera, porém, o sistema de tiro e de combate. Para quem teve a oportunidade de testar Exoprimal há alguns dias (cujo preview também pode ser conferido aqui no site), e que mesmo não sendo lá um grande craque gosta de se aventurar em Destiny 2, é uma ofensa velada ter que lidar com um modelo de mira impreciso, travado, lento e irritante como o de Postal 4.

E aí tanto faz usar uma pá, uma espingarda, um fuzil, um esfregão ou um facão para combate próximo ou a distância, porque são todos terríveis, lentos e desajeitados de se controlar. Atirar em um simples rato selvagem (ou algo que parece, de longe, ser isso) que está na sua frente ´´e um ato de coragem e resiliência.

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A sensação de se estar fazendo um esforço fora do normal para coisas corriqueiras é constante e o que deveria ser uma forma descontraída de se utilizar mecânicas tradicionais só parece ser algo feito propositalmente para atrapalhar a diversão do jogador. Outro exemplo clássico disso é a organização da interface de usuário.

A disposição de missões é descartável; o mapa é quase inútil a não ser para dar a mínima direção de onde está a próxima missão; e o inventário é inacreditavelmente burocrático, confuso e cheio de furos; o uso do direcional D-pad do controle não faz muito sentido; a roda de seleção de armamentos é arrastada demais e a segunda roda de itens consumíveis não tem qualquer critério inteligível.

As melhores sátiras são aquelas que se apropriam de muitas coisas que já conhecemos e dominamos e as transformam em uma piada de si mesmas, nos convidando a rir junto com elas. Postal 4 faz o exato contrário, ao simplesmente ignorar tudo em favor de simplesmente repetir, só que de forma ainda pior, o que o jogo anterior fez e que acabou o transformando em uma espécie de clássico cult por rir dos padrões da época.

Sem atualizar nada, nem linguagem narrativa, nem jogabilidade, nem visuais, o game parece só rir de si mesmo e, pior, rir do próprio jogador que se importa em querer jogar. É como aquele tiozão que faz a mesma piada 20 anos depois e esquece que não só não tem mais graça como ainda está ofendendo a pessoa que parou pra ouvi-lo uma vez mais.

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Esteticamente, sofrível

Muito provavelmente, Postal 4 não foi feito para ser bonito, nem agradável, nem impressionante, quiçá palatável, e respeito que os desenvolvedores tenham se mantido fiéis à premissa de realmente parecer sujo e perturbador. Mas infelizmente, tudo o que de pior existe aqui é só um despropósito sem fim.

As texturas são borradas e horrorosas sem um motivo aparente; as construções parecem modelos prontos comprados nos bancos públicos de imagens para, bem, só para parecerem assim mesmo; os efeitos de partículas e a iluminação que variam entre o borrado, o low poly tosco e o embaçado também só querem ser assim. E os modelos humanos são um qualquer coisa que nem merecem ser analisados. E tudo só… porquê sim.

Não é só isso, infelizmente. A movimentação precisaria melhorar muito para parecer robótica e a IA seria melhor se fosse inexistente. No campo sonoro, o trabalho de vozes faz com que Duke Nukem Forever pareça uma obra de arte sofisticada e definitiva e só não é pior do que a trilha sonora que quando aparece só irrita tentando ser um elemento diegético de ambientação, isso sem contar os efeitos de tiro e outros ruídos que nem mesmo são bem mixados e até no volume são desbalanceados, com trechos, por exemplo, onde os passos parecem ser mais altos do que os tiros. Seria engraçado se fosse, mas só é bobo mesmo.

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A sensação, de novo, é que ao tentar exagerar alguns aspectos que já foram questões de estranhamento para torná-los cômicos, a produção meio que se perdeu nos motivos pra isso. Então modelar um bicho como se fosse feito de papelão ou deixar com que as pessoas caídas fiquem em posições impossíveis como se fossem de borracha pode parecer até provocativo na mesa de ideias, mas que quando foi implementado não tem nenhuma força.

Brincar com o exagero é uma forma bastante potente de se fazer novas leituras de verdades sisudas dos dias atuais, mas se não houver um processo de agenciamento do público, se torna só uma ideia sem propósito, sem sentido, e se perde em si mesma.

Conclusão

Postal 4: No Regrets é, definitivamente, uma coleção de equívocos imensuráveis, obviamente que a grande maioria proposital, o que não redime ou melhora a percepção destas escolhas. É como a piada do pavê que a gente até pode ter rido quando ouviu pela primeira vez ainda criança, ria de desconforto quando adolescente, mas que começa a se tornar irritante e até ofensiva depois de nos tornarmos adultos.

Porque pior do que ser sem graça e ser um insulto à nossa inteligência, à nossa atenção e até o nosso interesse. Em uma campanha que pode durar umas oito horas na dificuldade padrão, tudo o que se consegue no final é desapontamento. Com o jogo, claro, mas principalmente consigo mesmo por ter perdido esse tempo todo com ele.

Análise Arkade - Postal 4: No Regrets deveria se arrepender de existir

Não digo que o game não possa encontrar o seu nicho, porque como tudo na vida, certamente há quem vá ver tudo isso como algo divertido, e sinceramente torço para que esse seja o caso de quem escolher se aventurar pelas estradas de Edensin junto a esse projeto inacabado de Duke (que, curiosamente, é homenageado no jogo com a presença de Jon St John dentre as vozes disponíveis), mas esse não é o meu caso.

Pela narrativa, o que mais vale são as artes no estilo HQs que ilustram certas passagens; e pela gameplay, nada passou nem perto de ser divertido, nem mesmo quando o nosso parâmetro é a tosquice. Eu continuo dizendo que gosto de jogo ruim, mas esse, no caso, não consegue cumprir os requisitos de ser um jogo, e é muito mais um meme interativo. Um meme interativo ruim.

Postal 4: No Regrets já estava disponível para PCs desde 20 de abril de 2022 e agora chega – sabe-se lá porquê – ao Playstation 4 e ao Playstation 5 neste dia 21 de março de 2023, ainda sem qualquer localização, em vozes ou em textos, para o nosso português brasileiro.

Paulo Roberto Montanaro

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