Editorial: Precisamos falar sobre plágio no jornalismo gamer

11 de agosto de 2018

Editorial: Precisamos falar sobre plágio no jornalismo gamer

Talvez você tenha acompanhado a treta que rolou essa semana com a IGN gringa e o review plagiado de Dead Cells, não é? Pois bem, vamos trocar uma ideia sobre plágio e ética profissional no jornalismo de games?

Contextualizando

Para quem não acompanhou, aí vai um breve resumo: recentemente o canal gringo Boomstick Gaming publicou uma vídeo análise de Dead Cells… e alguns dias depois, o jornalista da IGN Filip Miucin soltou a sua análise do jogo. Ela tinha tantos elementos em comum com o conteúdo do canal Boomstick que estava claro que não era apenas coincidência: era plágio.

A IGN retirou o conteúdo do ar (prometendo soltar um novo review assinado por outra pessoa), publicou uma nota de esclarecimento e demitiu Miucin, o que é o mínimo que se espera de um veículo ao ser colocado diante de uma situação como esta.

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Não quero botar mais lenha na fogueira, mas vale ressaltar que esta não é a primeira vez que o grupo IGN se envolve em polêmicas do tipo: no início do ano passado, o IGN Brasil também publicou um conteúdo “autoral” sobre Zelda Breath of the Wild… que na verdade também era copiado de um Youtuber ( no caso, deste vídeo de Hamish Black).

Plágio e ética profissional

Não estou aqui para crucificar a IGN — que, apesar de ser enorme, não é onisciente, nem tem obrigação de saber de todo o conteúdo sobre cada jogo que existe pela internet –, mas para falar sobre o ato do plágio em si,  prática ardilosa onde um indivíduo literalmente se apropria de algo que não lhe pertence.

Soa como roubo, não é? Pois é mais ou menos a mesma coisa, só que ao invés de estar roubando um bem material, o plagiador está roubando o trabalho, a propriedade intelectual de uma pessoa. Segundo o dicionário Michaelis,  o plágio compreende “imitação de trabalho, geralmente intelectual, produzido por outrem”.

Para o (bom) jornalista, plágio é um dos maiores pecados profissionais que existem. Não estou aqui para “cagar regra”, é um fato: o jornalismo atual é cheio de maus hábitos — tipo clickbaits sensacionalistas, superexposição de assuntos polêmicos, fake news, etc.  –, mas o plágio é raro de acontecer (ou, pelo menos, de ser descoberto) por uma questão de ética profissional. Ou pelo menos é nisso que eu quero acreditar.

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Quem copia o trabalho de outra pessoa não está apenas transgredindo leis — algo melhor explicado neste excelente artigo de Pedro Zambom para o Drops de Jogos –, mas corre o risco de ficar marcado para sempre na indústria.

Veja como este caso do Dead Cells repercutiu no mundo todo, então é bem pouco provável que esse cara consiga trabalho em outro site de games tão cedo. Ele ficou marcado, e de quebra ainda colocou em xeque a credibilidade de um dos maiores portais de games do mundo.

Vida de jornalista de games

É fato que a popularidade do Youtube e a evolução da própria internet exigiram uma reformulação do jornalismo: jornais e revistas estão sendo extintos em prol do conteúdo online. Eu cresci lendo revistas de games (e tenho dezenas delas guardadas com muito carinho), mas pouca gente faz isso atualmente. E, por mais que eu valorize o texto e a palavra escrita, as coisas mudaram e a gente precisa se adaptar. Hoje em dia, qualquer adolescente com um celular e conexão à internet pode expor sua opinião para todo mundo ver e se tornar um influenciador digital.

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Embora nem tudo que os tais influenciadores joguem no Youtube seja realmente bom (assim com nem todo filme é bom, nem todo livro é bom, nem toda série by Netflix é boa), é fato que há muito conteúdo de qualidade sendo produzido por gente do mundo todo. Canais como o Nautilus, o Overloadr e o Writing on Games estão aí para ir além do óbvio e explorar outras facetas do universo gamer. Além disso, a segmentação de público que a internet proporciona permite que cada um consuma o que mais lhe apetece.

Se por um lado essas “modernidades” exigiram uma reformulação do jornalista “tradicional”, por outro toda essa exposição torna mais fácil a descoberta de controvérsias como plágio ou o famigerado gamergate.

Vale ressaltar que a mudança de mídia não impede a disseminação de más práticas profissionais: não faz muito tempo que uma Youtuber brasileira foi acusada de plágio — no caso, copiando o trabalho do Youtuber Geoff Thew, do canal Mother’s Basement. Ou seja, as novas mídias e as novas gerações de influenciadores também estão à mercê dos espertinhos e aproveitadores.

Além disso, tretas como o “currículo gamer” também geram polêmicas: após alguns outros rolos (também envolvendo alguém da IGN), certos grupos passaram a cobrar a gamertag do responsável por um review, para confirmarem se ele realmente jogou o game que está analisando. Algo que nosso amigo Filip Miucin provavelmente não fez, ou ele não precisaria copiar as opiniões de outra pessoa sobre Dead Cells. ¯\_(ツ)_/¯

Eu mesmo andei sendo cobrado disso esses dias, saca só:

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Fiz um desabafo meio pessoal aí em cima, mas é claro que eu estou “reclamando de barriga cheia”. Para muitos dos meus amigos, eu tenho o trabalho dos sonhos: recebo jogos, consoles e equipamentos — muitas vezes antes do lançamento — para testar e avaliar. O resultado você confere aqui: só eu tenho quase 4 mil posts publicados, e algumas centenas deles são reviews de jogos.

Sendo bem honesto, sim, há o fator “trabalho dos sonhos” envolvido, porque trabalhar com jornalismo de games sempre foi um sonho para mim. Justamente por isso eu dou muito valor para tudo o que a Arkade construiu. Para muita gente, “ganhar jogos de graça” é um sonho — era o MEU sonho –, mas além disso é trabalho, por isso trato cada jogo ou produto recebido com a atenção e o profissionalismo que ele merece.

Estou recebendo na minha porta (ou na minha caixa de entrada), um produto — que geralmente custa caro — e que muita gente gostaria de ter. Então, o mínimo que eu devo fazer é dedicar um pouco do meu tempo para experimentá-lo e redigir uma análise sobre ele. E não estou fazendo nada de extraordinário: isso é apenas a minha obrigação profissional.

Acho até meio estúpido ter de reafirmar isso, mas quando um jornalista recebe um jogo, é seu dever jogá-lo e escrever uma análise honesta sobre ele. A Arkade é um site independente, composto por diferentes indivíduos, com diferentes pontos de vista, mas que não tem rabo preso com ninguém: não é porque recebemos jogos “de graça” que temos que falar bem deles. Se quiser alguns exemplos, deixo aqui minhas análises de Past CureDream Alone e Earthfall, algumas das “bombas” que andei jogando nos últimos meses.

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Sei que há (muita) gente que sequer considera “jornalismo de games” um trabalho “de verdade”, mas estou aqui, há 7 anos produzindo conteúdo para a Arkade e posso afirmar que é, sim. E, tal como qualquer outro trabalho, o jornalismo de games demanda ralação, comprometimento e ética.

Na produção diária de nossas notícias, obviamente coletamos informações de sites gringos. É lá que estão as maiores empresas, é de lá que saem as coisas mais quentes. Porém, não copiamos nada, sintetizamos os fatos, damos “a nossa cara” para a notícia, e ao final sempre fazemos questão de citar a fonte de onde trouxemos a informação.

No caso dos reviews, ao enviar um jogo/equipamento para análise, a empresa na verdade está ganhando uma oportunidade de expor seu produto para um maior número de pessoas. Se essa exposição será benéfica ou não, bem, aí depende exclusivamente da qualidade dele. Nosso trabalho é justamente descrever nossa experiência com o produto, deixando claros seus prós e contras para que você — que vai ter que investir seu suado dinheirinho nele — tenha uma noção do que esperar.

Nem todos os integrantes da Arkade são jornalistas, mas todos os nossos colaboradores passam por um “filtro” onde nós, editores, avaliamos a qualidade de seus textos. Não é um diploma que define o caráter de alguém, então prezamos por pessoas que compartilhem da nossa paixão, e que sejam capazes de se expressar de forma eloquente… e sem plagiar o conteúdo de terceiros.

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Colaboradores já vieram e se foram por vários motivos diferentes, mas nunca por roubar o trabalho de outro profissional. Como eu disse, nem todo mundo aqui é jornalista, mas somos pessoas de bem, apaixonados por games que gostam de falar/escrever sobre games, e se esforçam para manter um site independente no ar por tanto tempo.

Nossa credibilidade foi construída com muito trabalho, e é graças a ele que mantemos boas relações com as principais produtoras e assessorias de games do Brasil e do mundo, somos parceiros da BGS e integramos a mesa de jurados do BGA. Isso para não mencionar as dezenas de outros eventos que cobrimos — quase sempre arcando com custos de viagem, alimentação e estadia do próprio bolso –, sempre tentando abordar o mundo gamer de forma diferente.

Só para fechar…

Talvez esse texto esteja com um ar de desabafo e prestação de contas, mas na verdade não é essa a mensagem que eu queria passar. Meu intuito com este artigo é deixar claro que, como jornalista, eu abomino o plágio, e como um dos editores do Arkade, tenho orgulho de poder dizer que nunca nos envolvemos em nenhum caso do tipo. “A gente é pobre, mas é limpinho”. ;P

Isso quer dizer que a gente não erra nunca? Claro que não! Somos seres humanos, e erramos como qualquer um. Porém, plágio não é um erro, é uma atitude pensada de mau-caratismo. O plagiador não faz isso “sem querer”, é algo deliberado, intencional. Curiosamente, o arrependimento só vem quando a cópia é descoberta.

Sei que o caso do review de Dead Cells que estourou essa semana não representa o “conglomerado” IGN como um todo, mas obviamente o caso afeta a imagem e a credibilidade do site. Mas eles são gigantes, e vão superar isso com o profissionalismo que se espera deles.

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Se há algo de positivo para ser tirado disso, é a exposição do “culpado” e o interesse da mídia e da comunidade em debater o tema. O diálogo e a reflexão sempre são bem-vindos, então se quiser participar da discussão, o espaço de comentários está a sua disposição! 😉

Rodrigo Pscheidt

Jornalista, baterista, gamer, trilheiro e fotógrafo digital (não necessariamente nesta ordem). Apaixonado por videogames desde os tempos do Atari 2600.

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