Análise Arkade – Rugrats: Adventures in Gameland, um apelo barato para a nostalgia
Já não é mais novidade dizer que estamos vivendo uma era bastante curiosa diante esta indústria vital dos videogames, cujo retorno à marcas estabelecidas anos ou décadas atrás parece ainda mais presente que nas gerações anteriores. Pior do que constatar a presença massiva de continuações ou reimaginações dentre os (re)lançamentos, porém, é sentir que está cada vez mais claro que o trabalho de requentar coisas de apelo nostálgico tem se estabelecido como uma grande muleta para preencher um calendário cada vez mais escasso de produções realmente frescas e com um mínimo grau de inovação ou novidade. Imagine então quando mesmo coisas novas só parecerem antiguidades mal feitas…
Saudade daquilo que não vivemos #sqn
Rugrats: Adventures in Gameland consegue trazer à tona diferentes níveis de saudosismo, seja considerando o próprio produto — um seriado animado de imenso sucesso que marcou a TV inclusive no Brasil, onde era chamado “Os Anjinhos” — seja pela própria estrutura enquanto jogo, com todos os sintomas dos jogos de plataforma principalmente da geração 8 bits.
O problema é que há uma certa crise de identidade ao desconsiderar que o público que se importaria com ambos os aspectos cresceu, envelheceu, e muito provavelmente terá problemas em tentar se reconectar com o tom adotado na produção e com suas visíveis limitações em todos os aspectos. A sensação de saudade do que não se viveu, como diria um certo poeta, cai por terra no momento em que o jogo se apoia na emulação da aparência, não de sensações.
O resultado é um jogo que faz tanto esforço para nos carregar de volta para 30 anos atrás, na sua superfície, que esquece das questões básicas de design que fizeram sucesso naquele tempo. Ou seja, a produção, que quer se parecer com algo feito nos anos 1980/1990, se estrutura para remeter àquilo, mas no final, jamais consegue ser divertido como promete ser.
A iniciar pelo uso pobre da marca licenciada: temos como protagonistas os bebês que estrelam o show original, mas aqui eles são muito mais skins genéricas do que personagens únicos, com suas peculiaridades. Na animação, cada bebê é diferente não só por sua estética, mas também por toda uma personalidade rebelde, uma petulância inocente e imaginativa… que simplesmente não existe aqui.
Para ser justo, ao deixar o controle parado por um tempo, há uma ou outra animação que representa a coragem inconsequente de Tommy, a covardia doce de Chuckie, ou mesmo a sapecagem dos gêmeos Phil e Lil em sempre brincarem com a sua semelhança.
Para além disso, cada um tem atributos diferentes, a se destacar salto e “coeficiente de flutuação”, por assim dizer, que são importantes de se compreender para melhor utilizá-los, mas sem qualquer preocupação em ser coerente com suas contrapartes originais. São personagens mais leves ou que pulam mais alto uns em relação aos outros, como poderiam ser quaisquer quatro bonecos sem rosto. Esta capacidade de encaixar uma marca famosa em um sistema fordista de criação de jogos é sim uma característica marcante dos jogos da época, mas certamente é a menos interessante de se reproduzir nos dias atuais.
Tudo isso para colocar estes heróis em uma jornada temática (obviamente com o toque malvado da prima Angelica), inspirada em um comercial de televisão sobre o novo jogo do Reptar (o lagarto gigante que eles tanto gostam), que os leva a fantasiar sobre estarem de fato em mundos fantásticos, cada qual com sua dose de magia e imaginação, culminando no enfrentamento do próprio monstro que antagoniza o game fictício.
Essa desculpa é o suficiente para que eles lidem com cabeças de boneca e bocas flutuantes, ursos de pelúcia possuídos e gorilas ferozes, enquanto tentam atravessar cenários ambientados em reinos congelados de sorvete, florestas perigosas ou até castelos árabes amaldiçoados. Se a mente criativa das crianças era o mote de grande parte dos episódios da série televisiva, aqui aca endo só uma desculpa para termos uma mínima variedade de cenários e inimigos.
Já vi isso antes… e não gostei
A sensação de que tudo aqui é só uma coleção de convenções batidas, algumas delas já datadas, é permanente ao longo das quatro ou cinco horas de campanha. Há várias fases temáticas únicas que culminam nos personagens procurando por uma chave de fenda que dá acesso a liberar a cerquinha que abre espaço para o confronto contra o chefe de fase (geralmente um brinquedo em sua versão maligna).
Também estão espalhados por cada nível algumas moedas — três no total, além da quarta recebida ao se vencer o boss — que servirão de acesso ao chefão final. Desta forma, não é suficiente só atravessar a fase: é necessário um mínimo de exploração para coletar a quantidade mínima de 21 moedas no total, o que não é um desafio tão grande já que os itens não estão tão escondidos assim, mas é sempre importante estar ciente desse pré-requisito.
Para tanto, o jogo funciona como um plataformer side-scrolling convencional, com fases segmentadas em quadrantes e alguns caminhos alternativos. A grande maioria deles se comporta como um modelo cíclico, então a escolha pode nos levar ao final da fase antes de termos passado pelo item que o abre, por exemplo.
Estas passagens entre um trecho e outro são em sua maioria satisfatórios, exigindo habilidades de salto e de observação das possibilidades, muitas vezes incentivando que peguemos algum objeto e o utilizemos a nosso favor. Como estamos no controle de bebês, o jogo evita qualquer flerte com a violência, mas isso não impede que saiamos atordoando inimigos saltando em cima deles ou matando-os com golpes de sentada (mais ou menos na linha do Super Mario), além de permitir que arremessemos algo, como outro inimigo atordoado ou coisas pontuais, para derrotá-los.
Se as mecânicas de jogo são bem simples de se aprender e usam da física de forma direta, o principal problema do jogo está no level design desequilibrado, que não se decide entre a crueldade exigente e o simplório óbvio. Por vezes, em passagens verticais, um simples escorregão nos derruba para estados bem anteriores, que antecedem até o checkpoint. Não seria um problema dado que a escolha da punição faz parte do pacote, mas isso se une ao respawn imediato e infinito de inimigos. Ou seja, você pode muito bem ter limpado uma área, chegado ao topo, e um erro te derrubar e te fazer cair em dois, até três inimigos que tinham ficado para trás e que fortuitamente estavam no caminho da queda.
Piores são os respawns dentro do próprio quadrante: não foram poucos os momentos em que derrotei um inimigo e fui ferido por ele mesmo, ressurgido no mesmo ponto segundos depois. Mais do que punitivo, é desleal.
A soma destas coincidências mal organizadas e de artifícios baratos dedicados a só desestabilizar e machucar (e não ensinar ou desafiar, como nos bons exemplos do gênero) faz com que Rugrats: Adventures in Gameland seja bem fácil de se dominar, mas ainda assim acabe sendo um jogo enroscado e chato, não porque seus inimigos apresentam padrões complexos e merecem estudo, mas simplesmente pelo acaso de um level design confuso e pouco inspirado, repleto de trechos de nada e caminhos que levam à coisa nenhuma. É uma mistura inconsistente de passagens frustrantes e outras enfadonhas, pobreza na utilização até mesmo das mecânicas presentes e problemas estruturais de condução e ritmo. É um jogo curtíssimo que, ainda assim, consegue ser cansativo.
A cara do desenho animado
Se há um aspecto bastante honesto neste jogo cheio de equívocos é a sua composição visual, muito fiel à obra original. A versão em alta definição do jogo traz personagens grandes na tela, todos muito bem desenhados, com animações fluidas o suficiente e bastante expressividade. É um daqueles casos, tal qual os jogos de South Park, em que parece que estamos jogando um episódio da animação.
Também existe uma opção de trocar o formato para uma versão 8 bits, que é bem-vinda e sabe exatamente para onde quer nos levar. É como um demake do jogo, que passa a (falsa) sensação de que estamos jogando um remake 1:1 de algo antigo — quando, na verdade, o jogo é novo, e a versão 8-bit é apenas um adendo em prol da nostalgia. Jogar em tela cheia para aproveitar o widescreen, porém, nos tira a visão mais ampla do ambiente, sobretudo em sua verticalidade, então muitas vezes é mais agradável jogar no velho (e não tão bom assim) padrão 4×3 com bordas.
Nem mesmo na sua parte mais interessante, porém, o jogo consegue ser irrepreensível. Há uma série de adultos da série animada aqui representados, mas estranhamente eles só aparecem em uma tela cada, em loopings de animação fraquíssimos e insignificantes contextualmente. As cenas de corte que introduzem e finalizam a campanha são paupérrimas, com ilustrações estáticas desajeitadas e mal acabadas.
Para completar, todas as melhores qualidades visuais dos personagens são invertidas em cenários vazios e pouco inspirados, alguns até com um background bem desenhado, mas pouco significativo, e quase incoerentes com a arte completa, fazendo com que muitas passagens pareçam uma coleção de recortes onde cada elemento parece nem fazer parte do mesmo universo que o outro. Se cada introdução é mais reconhecível ao explorar um canto da casa de Tommy, que sempre pareceu um mundo vasto e complexo na visão de um bebê, as projeções fantásticas na fantasia infantil são sem graça, sem profundidade e sem mesmo o encantamento que poderiam ter.
Por sua vez, a trilha musical original está presente em toda a sua identidade e aqui, confesso, é tão pegajosa, seja em sua versão principal, seja sua redução para áudio 8 bits, que fica por horas na cabeça e mesmo agora, escrevendo a análise longe do jogo, ela continua martelando a minha mente, algo que mostra o quão marcante ela é, mesmo depois de tanto tempo.
E se considerarmos que tanto a música tema quanto os personagens são uma herança importada da produção original, é um tanto quanto preocupante entender que tudo o que melhor funciona do jogo não é original dele, mas sim um sentimento emprestado da animação que lhe dá origem. Claro que se espera que um jogo licenciado faça jus ao material base, mas quando só isso funciona, há um sinal claro de que há uma potência disponível e pouco aproveitada.
Conclusão
Rugrats: Adventures in Gameland é uma coleção de equívocos mal justificáveis. A ideia de trazer personagens tão icônicos para um jogo apoiado na nostalgia temática e técnica, algo que toda a campanha de marketing faz questão de destacar, não é ruim por si, mas a execução em si é lamentavelmente pobre.
Há algo no game que pode sim divertir algumas pessoas por um período curto de tempo, mas é difícil até determinar o seu público-alvo, visto que aqueles que tem idade para reconhecer personagens de quando estavam no auge podem achá-lo meio bobo e genérico. Quem tem ligações pessoais com o estilo de plataforma do início dos anos 1980 idem. E aqueles que teriam idade indicativa para o produto em si talvez nunca sequer tenham visto um segundo do desenho — e sem dúvida já viram jogos de plataforma 2D mais bonitos e bem acabados.
Seria ainda uma boa desculpa para unir gerações, já que o jogo permite o multiplayer de sofá local para duas pessoas, mas na experiência que tive, minha filha pequena não se engajou, nem esteve motivada por 20 minutos para jogar ao meu lado por uma fase completa sequer, mesmo na dificuldade mais leve. E não posso culpá-la. O jogo em si é sem graça, não empolga.
Deste modo, é muito difícil se importar com algo, se conectar à jornada ou se divertir solucionando os impasses do trajeto. Tudo isso, em resumo, faz de Rugrats: Adventures in Gameland, ao menos, coerente conceitualmente: ele parece um desses bebês irritantes que fica esperneando por atenção, e quando finalmente consegue, não tem ideia do que fazer depois.
Rugrats: Adventures in Gameland está disponível para Xbox Series X/S, PlayStation 5 (versão analisada), Nintendo Switch, PC, Xbox One e PlayStation 4. O jogo não recebeu localização para o nosso idioma, estando disponível somente no idioma original (inglês) para textos, legendas e menus.