Análise Arkade: Samurai Shodown é o retorno triunfal de um clássico
Já se vão mais de 10 anos desde que um Samurai Shodown inédito foi lançado. Ok, tivemos alguns bons relançamentos e até umas máquinas pachinko aleatórias, mas um jogo realmente novo da série estava demorando. Felizmente, a espera dos fãs foi recompensada: Samurai Shodown é um pseudo-reboot que revitaliza a série, sem perder sua essência.
Um retorno muito esperado
Samurai Shodown nasceu lá em 1993, em um jogo antológico que se destacou por ter um ritmo bem diferente dos demais fighting games da época. Com um rol de personagens que ia de samurais cabeludos e donzelas esgrimistas até criaturas feiosas com garras (#sdds Genan), o jogo tinha um ritmo muito próprio, um timing que tornava seu gameplay único e diferenciado.
O tempo passou, a franquia evoluiu, ganhou spin offs, seus personagens participaram de crossovers e (como muitos outros) não se adaptaram aos ambientes tridimensionais. Aí a SNK faliu e a série foi para o limbo de vez.
Felizmente, nos últimos anos a SNK vem se reerguendo das cinzas: a empresa reinventou a consagrada série The King of Fighters, apresentou novas franquias e, agora, ressuscita Haohmaru, Nakoruru, Galford e muitos outros, em um game que sem dúvida é novo, mas mantém o espírito único e cadenciado que fez da série um clássico.
Jogando o novo Samurai Shodown
Samurai Shodown V Special — relançado em 2017 para PS4 — foi o último jogo da série que joguei. Enquanto o donwload do novo jogo era feito, eu resolvi (re)jogá-lo um pouco para desenferrujar. Ao migrar para o novo game, me surpreendeu como o gameplay se manteve essencialmente similar.
Claro que o novo Samurai Shodown traz um punhado de novidades interessantes — já falaremos sobre elas –, mas o core do gameplay permaneceu praticamente intacto: com 16 lutadores (boa parte veteranos da franquia) e 4 botões de ataque (espada leve, média, pesada e chute), temos aqui um jogo mais lento, comedido, que preza por controle de espaço, defesa e contra-ataque muito mais do que por combos mirabolantes e golpes especiais complicados.
Samurai Shodown é muito mais estratégico do que outros jogos de luta. O novato que resolver sair “martelando” os botões a esmo provavelmente acabará frustrado e confuso: aqui uma luta pode ser definida em 2 ou 3 golpes certeiros — a questão é justamente encontrar o momento certo para aplicá-los sem se colocar em risco.
Ou seja, não interessa quão rápido você aperta os botões, o que vale é apertá-los na hora certa. Estudar o alcance da arma adversária, dominar as nuances dos diferentes tipos de bloqueios, aprender a recuar, contra-atacar, quebrar a postura do inimigo são estratégias muito mais efetivas do que decorar comandos.
Confira abaixo meu gamelay com Haohmaru no modo Survival:
Claro que o jogo tem seu quinhão de magias e golpes especiais bacanas — muitos deles releituras do que vemos na série desde 1993 –, mas eles valem mais pelo espetáculo de “jogar bonito” do que para efetivamente definir quem ganha ou perde. Um golpe forte bem colocado do Haohmaru (que consiste em apertar apenas um botão) pode ser bem mais eficaz que o extravagante ataque especial do Yoshitora, que soma mais de 20 hits.
Com tudo isso, quero deixar claro que Samurai Shodown é um jogo que tem um timing todo próprio, cadenciado, estratégico. Cada embate é quase como um exercício de risco e recompensa: você até pode definir uma luta em 3 ou 4 ataques, mas eles são lentos e pesados, podendo deixá-lo exposto e vulnerável por milissegundos onde tudo pode mudar.
Quem vem acompanhando a série desde os anos 90 certamente já está acostumado com isso — e provavelmente vai ficar feliz em saber que o ritmo não mudou –, mas um jogo novo em pleno 2019 tem potencial de alcançar toda uma nova geração de players que não cresceu com a franquia. A galera que tem em Injustice, BlazBlue e Mortal Kombat suas referências no que diz respeito à fighting games sem dúvida vai estranhar o compasso do jogo, que é muito mais visceral do que técnico.
Por outro lado, recentemente tivemos Sekiro: Shadows Die Twice. Em uma primeira olhada, o título da From Software não tem nada a ver com o reboot da SNK, certo? Sem dúvida, mas ele demonstra com muita competência a importância de analisar o alcance do inimigo, manter distância, recuar, quebrar a postura, realizar um parry, atacar no momento certo. Estes conhecimentos sem dúvida virão a calhar em Samurai Shodown.
As novidades
Ainda que o core de mecânicas do jogo não tenha mudado muito, houve espaço para melhorias e novidades interessantes. Há golpes específicos para quebrar a defesa, e um bloqueio realizado no instante preciso vira o chamado Just Guard, espécie de parry que pode ser conectado a um rápido empurrão que desestabiliza o oponente, abrindo sua guarda.
Realizar essa defesa no timing perfeito demanda prática, mas tem outras vantagens: o dano infligido é completamente ignorado, e você ainda enche um pouquinho sua barra de Fúria — que em circunstâncias normais só seria preenchida por um golpe de fato recebido. Ou seja, ficar segurando a defesa não adianta, o segredo é defender no momento exato.
Com a barra de Fúria cheia, você tem algumas opções interessantes: você pode realizar uma Explosão de Fúria e “queimá-la” para aumentar temporariamente o dano dos seus ataques. Também pode realizar um poderoso ataque especial de desarmamento. Ou poder aplicar uma Lâmina-Relâmpago, técnica que leva cerca de 80% da barra de vida do inimigo — e de quebra brinda o jogador com uma tela de finalização pra lá de estilosa, saca só:
Novamente, o risco e recompensa se faz presente: a Lâmina-Relâmpago quase com certeza vai matar um inimigo, mas você só pode utilizá-la uma vez por luta. Além disso, acertando o golpe ou não, seu medidor de Fúria desaparece, e você fica sem ele pelo resto do combate — mesmo que tenha usado no primeiro round.
Os famosos duelos de espada estão de volta aqui, mas são bem mais raros por dependerem de uma série bem específica de fatores para acontecerem. Ficar desarmado não é o fim do mundo: em Samurai Shodown, há uma técnica especial que só pode ser realizada sem armas, na qual o personagem literalmente segura a lâmina com as mãos (como já vimos em filmes e animes), e arranca a arma do inimigo, deixando ambos em pé de igualdade. É algo bem difícil de se fazer no calor do combate, mas imensamente recompensador.
Por fim, temos a técnica suprema de cada personagem, batizada de forma nada de criativa de Movimento Super Especial. Este é aquele especial “estilo Street Fighter“, com ângulos de câmera dramáticos, muitos closes, rodopios e pirotecnias. Causa um dano tremendo e pode ser aplicado independente da quantidade de vida ou medidor de Fúria — porém, você só pode utilizá-lo uma vez por luta.
Confira abaixo um pouco de gameplay da novata Shiki:
É interessante como os comandos são simples: a Lâmina-Relâmpago demanda o pressionar de apenas um botão (L2 no PS4, com a Explosão de Fúriva ativada), e as combinações de botões para aplicar os golpes de desarmamento e o Movimento Super Especial são exatamente iguais para todos os lutadores. A SNK não quis complicar as coisas, tornando o jogo acessível sem apelar para atalhos modernos irritantes como easy combos — algo que até The King of Fighters XIV faz.
Isso reforça — mais uma vez — a ideia de que Samurai Shodown é um jogo de luta muito diferente: ele não quer que você perca tempo decorando intermináveis sequências de botões. O vencedor aqui não vai ser quem decora mais combos ou apeta os botões mais coordenadamente, mas o jogador que tem mais noção de espaço, e melhor sabe criar oportunidades para desferir seus golpes, sejam eles acrobáticos golpes especiais, ou um simples (mas certeiro) ataque forte de espada.
Conteúdo enxuto (até demais)
Samurai Shodown acerta em cheio ao atualizar seu gameplay na medida certa, mas escorrega ao trazer bem menos conteúdo do que se tornou o “padrão” nos últimos anos. O jogo nem tenta oferecer um “modo história cinematográfico” como os demais fighting games contemporâneos, e seu modo história é uma releitura bastante preguiçosa do bom e velho Arcade Mode de antigamente: há um fiapo de narrativa inicial e uma ceninha de encerramento, mas fora isso, nada de muito empolgante.
A história de todos os personagens segue por um mesmo fio condutor: há uma escuridão pairando sobre o Japão e cada personagem terá seus próprios motivos para enfrentá-la. Haohmaru é tipo o Ryu, e quer provar que é o melhor lutador. Já Charlote acha que a origem desta sombra maléfica é a mesma de sua terra natal e decide investigá-la. Ukyo, por sua vez, adentra a escuridão em busca de uma flor rara para sua amada (?!). Pois é, nada muito elaborado.
Além deste pseudo-modo história, o jogo tem tutoriais e áreas de treinamento, bem como partidas offline para 2 jogadores e desafios derivativos do modo Sobrevivência para um jogador. No online, temos partidas casuais e ranqueadas, além de um interessante modo de jogo assíncrono, que coloca “sombras” de outros jogadores — que são criadas pela IA com base no comportamento deles — para duelarem com você. Lembra um pouco os Drivatars da série Forza, e no geral funciona bem.
Na prática, Samurai Shodown traz o mínimo que se espera de um jogo de luta. A questão é que o mínimo hoje em dia parece pouco, pois jogos como Injustice e Mortal Kombat nos deixaram “mal acostumados” com suas narrativas elaboradas, seus muitos modos de jogo dinâmicos e suas toneladas de conteúdo desbloqueável. A própria SNK já entregou produtos com mais recheio, melhor alinhados com o cenário atual.
Audiovisual
Mais um acerto do jogo! As principais séries de luta da atualidade tomaram caminhos bem distintos nos últimos anos: enquanto Mortal Kombat foi para um lado mais realista na construção de seus personagens, Street Fighter abraçou o exagero, com personagens mega musculosos de pés e mãos grandes. A SNK não se saiu tão bem assim ao modernizar o visual de The King of Fighters, mas fez um trabalho muito melhor aqui.
Samurai Shodown não é um mais jogo de luta puramente 2D, mas se comporta como um — e principalmente, se parece com um. A Unreal Engine foi utilizada para criar versões tridimensionais dos personagens, mas eles receberam um tratamento cel shading que demarca bem seus contornos, com hachuras que complementam o visual.
Fugindo do realismo ou do exagero dos games supracitados, aqui temos basicamente uma releitura do visual já conhecido dos personagens. Nada foi drasticamente alterado, e os traços de todos são imediatamente reconhecíveis, do topetão do Haohmaru à postura curvada de Ukyo. E é legal como boa parte de suas animações — e até mesmo poses de vitória — também são releituras dos jogos de outrora.
O resultado disso é um jogo que parece atual sem abrir mão de sua identidade. É um jogo que roda bem no PS4 Pro (versão analisada), mas que tem uma “cara” de jogo de fliperama, com cores vibrantes e arenas com personagens torcendo e vibrando ao ao fundo.
O departamento sonoro segue a mesma linha, modernizando alguns temas clássicos da série sem descaracterizá-los. As vozes dos personagens lembram bastante a dos jogos antigos, e jargões como o Ougi Senpuu Retsu Zan de Haohmaru soam imediatamente familiares aos ouvidos. O jogo manteve seu áudio original em japonês, mas chega ao Brasil totalmente legendando em PT-BR.
Conclusão
É um grande prazer constatar que Samurai Shodown manteve-se fiel à sua essência. O jogo de forma nenhuma parece “velho” ou “datado”, mas foi atualizado sem perder as características que fazem dele único, especial e diferente.
Ainda que eu prefira jogos de luta mais acelerados e técnicos (Skullgirls <3), sempre gostei muito da cadência diferenciada de Samurai Shodown, e ver que ela foi mantida faz a espera por um novo jogo ter valido a pena.
Eu realmente acho que a SNK poderia ter dado um pouquinho mais de atenção ao modo História para entregar algo mais denso, interessante. A falta de conteúdo é sentida, mas quando as espadas se cruzam, o jogo mostra à que veio, e entrega duelos tão emocionantes como nos primórdios da saga. Vida longa ao novo Samurai Shodown!
Samurai Shodown foi lançado digitalmente em 25 de junho, e chega nesta sexta (28/06) em cópias físicas, com versões para Playstation 4 (versão analisada, rodando no PS4 Pro) e Xbox One. A SNK prometeu que vai levar o jogo também aos PCs e ao Nintendo Switch, mas estas versões ainda não tem previsão de lançamento.