Análise Arkade – Shenmue III, um “game de Dreamcast em Full HD”

27 de novembro de 2019
Análise Arkade - Shenmue III, um "game de Dreamcast em Full HD"

Dezoito anos. Este é o tempo que separa o Shenmue II, lançado para Dreamcast, e o novo game. O terceiro episódio da saga de Ryo Hazuki, que seria lançado para o finado console da Sega, mas que nunca aconteceu, devido a diversos problemas que todos conhecemos muito bem, acabou sendo realizado em forma de Kickstarter.

Yu Suzuki, o idealizador da série, e nome forte na Sega de tempos atrás, com Out Run, Virtua Fighter e Hang On no currículo, foi à publico, na E3 de 2015, iniciar sua campanha de arrecadação, que pedia dois milhões de dólares. O valor foi arrecadado em apenas algumas horas, com o Kickstarter saindo do ar várias vezes durante o início da campanha.

Assim, prometido para 2017, mas entregue em 2019, Shenmue III chega, com a proposta de esclarecer muitas questões em aberto, que os fãs aguardaram por quase duas décadas. Será que o game conseguiu? É o que vamos descobrir agora.

Entendendo Shenmue III

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Antes de qualquer coisa, vamos recapitular alguns fatos, e lembrar da história de Shenmue. Afinal, este game não foi concebido para uma grande gama de jogadores, e sim para fãs da série, que sabem exatamente o que esperar e encontrar no jogo. Novatos, com certeza, irão estranhar com o ritmo do jogo, e suas mecânicas.

Shenmue chegou em 1999. Yu Suzuki, a princípio, queria levar o jogo ao Saturn, mas com as maiores possibilidades, tanto de processamento, quanto comerciais do novo console da Sega, o projeto foi levado ao Dreamcast. O game foi um dos primeiros a ser tratado como um AAA, com seus 47 milhões de dólares de investimento, o que era muito para a época. Apenas Final Fantasy VII, com 45 milhões de dólares, rivalizava neste sentido.

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O jogo apresentava Ryo Hazuki, em sua jornada por respostas, e vingança por seu pai assassinado. O gameplay é basicamente de investigação, com algum toque de luta. Você precisa perguntar quase tudo para as pessoas, enquanto segue cumprindo pequenos objetivos, que vão guiando o jogador até o final do jogo.

O game foi aclamado por crítica e público, e chegou a garantir uma sequência. Em 2001, saiu a segunda parte, mas os dias da Sega eram mais obscuros. O game não vendeu bem e o console não andava bem das pernas. Por isso, tanto série quanto videogames acabariam por ser cancelados, interrompendo uma história programada para ter muitos episódios.

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Mas Yu Suzuki sempre quis fazer esta “parte 3”, embora declarou que o problema não era a Sega, e sim grana para fazê-lo. Porém a série, que apesar de elogiada já era considerada “de nicho”, precisaria de um bom incentivo para continuar. A Sega registrou “Shenmue III” em 2013, mas no ano seguinte, perdeu, por desinteresse, a marca nos Estados Unidos.

2015 veio, e Suzuki, já fora da Sega e com seu próprio estúdio, o Ys Net, conseguiu verba para fazer seu terceiro capítulo, enquanto a Sega até faria um remake, mas acabou relançando os dois primeiros games da série, em 2018, como um simples port. E, dois anos depois do prometido, eis que, finalmente, o game foi lançado, para Playstation 4, e PC. É neste contexto que precisamos entender o jogo, para poder falar melhor sobre ele nesta análise.

Um game de Dreamcast, hoje

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A primeira impressão, ao se jogar Shenmue III, é a de que voltamos no tempo. O game tem cara daqueles “jogos feitos por fã” usando a Unreal Engine. Sim, o jogo usa a Unreal Engine 3, mas no geral, usa o mesmo estilo visual de seus antecessores de duas décadas atrás. Os cenários são coloridos, e há muitos detalhes, porém, não há nenhum elemento que não nos faça imaginar que este jogo é um game lançado em 2019.

Cenários parados, personagens que “aparecem” do nada, diálogos muitas vezes sem noção nenhuma e tudo aquilo que não envelheceu muito bem com os clássicos, segue aqui. Há, em menos proporção, algumas QTEs, e as lutas ganharam um maior destaque, com templos e locais de briga que fazem o seu personagem brigar um pouco mais do que no passado.

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Há algumas pequenas evoluções no gameplay. É possível, por exemplo, treinar seu personagem. A energia, aqui, é uma mistura da energia gasta pelo personagem durante o dia, trabalhando, treinando e caminhando, com as lutas propriamente ditas. Então, os treinos ajudam a aumentar a resistência de Ryo, ajudando-o a encarar um dia inteiro com mais disposição. Mas também dá pra recuperar esta energia comendo uma variedade de itens.

Também dá pra, finalmente, “pular o tempo”, mesmo que em momentos chave. Quem jogou Shenmue sabe da chatice que era ter que gastar tempo ocioso no jogo, apenas pela razão de que a sua próxima tarefa estava marcada para as sete da noite. Aqui, você pode avançar o tempo, quando algo neste sentido acontecer. Mas, o game também oferece uma variedade melhor de atividades, para você ser mais produtivo.

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Existem várias missões secundárias, ervas que podem ser coletadas, locais de pesca, e locais de luta para evoluir o seu personagem. A exigência de melhorar seu personagem, ou de ganhar dinheiro (e conselho: levante dinheiro sempre que puder) o fará, em algumas vezes, aproveitar o tempo livre que o game oferece. Mas, no geral, é isso: praticamente tudo aquilo que você já jogou no Dreamcast, jogará aqui, com pequenas novidades.

Anda, anda, anda. Fala, fala, fala – de novo

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Shenmue III segue sendo um game de investigação. Não há setas nem marcadores para os locais que você precisa ir. Suas missões vão sendo marcadas no caderninho de Ryo, que deverá perguntar para todos do local em que está informações sobre sua tarefa. Não sabe onde ir? Pergunte a alguém. Precisa encontrar alguém? Pergunte também.

Esta mecânica segue sendo bem legal, embora não vejamos nenhum sinal de evolução. Há uma riqueza de personagens, todos com dublagem e personalidade próprias, mas com alguns diálogos que ficam completamente sem noção. Por exemplo: você passa o dia todo fazendo determinada tarefa, e no fim do dia, um personagem diz que “seria bom você fazer a tal tarefa”. O jogo não tem um meio de entender o que você está fazendo, gerando estas mensagens sem muito nexo.

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A história, por sua vez, segue exatamente o ponto final de Shenmue II. Você viverá uma aventura ao lado de Shenhua, a misteriosa garota dos sonhos do Ryo, no primeiro game. Você terá a distante e humilde vila de Bailu, e a grande e vibrante Niaowu, com suas lojas, centros de apostas, e restaurantes, além das muitas barracas, templos, e áreas de pesca. Para quem não se lembra dos eventos passados, ou para novatos, tem um filme explicativo no menu inicial que faz um resumo de tudo o que aconteceu nos dois primeiros games.

Entretanto, um dos elementos mais aguardados em Shenmue III, que era a sua história, desaponta, e muito. Suzuki poderia ter criado o game para ser o retorno triunfal da série, mas preferiu tratá-lo “apenas” como mais um episódio. Respostas não são oferecidas de maneira adequada, situações não tem sentido nenhum, há questões totalmente sem nexo, muita repetição em alguns momentos, e o final do game, é um dos mais frustrantes já vistos, nos últimos tempos.

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Outro problema no desenrolar da história é a “obrigação” de apostar. Há momentos que você precisa de uma grande quantia de dinheiro, por isso a dica de acumular dinheiro sempre que puder. Você pode vender mix de ervas, e trabalhar. Mas o jogo quase te manda apostar, para ganhar mais dinheiro. Videntes dão cores e números úteis para aposta, que, mediante fichas, geram mais fichas, que podem ser trocados por prêmios, que podem ser vendidos em casas de penhores. É esquisito ver um personagem com um “forte moral”, recorrendo quase que obrigatoriamente a casas de apostas, já que os trabalhos pagam muito pouco.

É uma pena ver isso. O game começa até bem, explicando algumas questões e ligando o game a seus antecessores. Mas, depois, temos a impressão de que o storyboard foi terminado às pressas, por atropelar todas as questões principais do jogo. Personagens novos surgem, e todos “sem sal”, e os anteriores, não expressam nem um pouco da sua magnitude. Apenas Ryo, que segue “a mesma coisa”, e Shenhua, que o acompanha em grande parte do jogo, que sustentam alguma coisa.

Um elo com o passado

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Apesar de diversos problemas, no enredo e no gameplay, uma coisa não se pode negar em Shenmue III. O game tem muito conteúdo. Assim como no passado, há muita coisa pra se fazer, estimulado ainda mais pelas conquistas e troféus. As missões secundárias o fazem andar ainda mais pelas ruas dos locais, explorando melhor cada canto. E também é possível ligar para seus amigos dos games anteriores, em uma conversa bem nostálgica.

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O “museu” de Shenmue: fãs por todo lugar

Há vários locais de treino, para aprimorar sua resistência, força e kung fu. E também há vários golpes novos, que podem ser aprendidos e somados à força de ataque de Ryo. Os fliperamas voltaram, com os games clássicos, como o de boxe, disponíveis. Não há games da Sega aqui, embora existam muitas referências, como um Saturn escondido, e pôsteres de games da empresa. E Yu Suzuki, apesar de não ter os direitos sobre os games, prestou homenagens, como este “Virtua Fighter Chobu” aqui:

Ainda ligando o passado, existem as QTEs. Em menor proporção do que os games antigos, aqui as QTEs sofrem de um grave problema. Independente da dificuldade escolhida, elas são absurdamente rápidas, exigindo do jogador reflexos de atleta de 100 metros rasos para cumprir adequadamente. É claro que, decorando a sequência, você conseguirá fazer, mas é frustrante ter que decorar, perdendo várias vezes a mesma sequência. Que piora, quando envolve uma sequência de botões, já que eles são exibidos de maneira confusa e exigem um tempo absurdamente rápido.

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QTE agora é “fliperama” também

Os fãs também tiveram vez no game. Eles, que queriam muito ver o jogo, estão presente em vários locais. Decorando locais de apostas, em um caderno no hotel, com suas mensagens (e sim, um brasileiro colocou um “Palmeiras não tem mundial” no game), o check-in do mesmo hotel, e até um templo “tributo”, com nomes e fotos dos colaboradores. As opções de trabalho seguem presentes, com cortes de lenha, e até bom e velho transporte de carga no porto.

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Olha só quem voltou!

E por fim, o sistema de combate também é “nostálgico”. Você aprende sequências de golpes, luta contra várias pessoas, com o game transformando o cenário em um “ringue”. Nas dificuldades mais baixas, dá pra atacar automaticamente, selecionando um golpe com L1 e R1, e executando-o com R2. Já nas mais difíceis, você terá que usar tudo o que sabe pra vencer. Mas, independente da dificuldade, o que vale é a atenção e o “estudar o adversário”, pois, mesmo na dificuldade “história”, a mais fácil, jogadores desavisados poderão sofrer um pouco.

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Você já está ouvindo a musiquinha do Mercado Tomato, certo?

De novidade por aqui, apenas o uso de remédios, que você pode comprar nas farmácias. Mas é complicado ver a limitação destes elementos, sendo que Yakuza, e digo dos games originais, de Playstation 2, já ofereciam muito mais recursos em relação a alimentos, como energéticos que aumentam temporariamente a força, por exemplo. Em Shenmue III, estes elementos são muito simples, se observarmos as possibilidades atuais.

Shenmue III: Feito apenas para fãs

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Uma coisa é certa: Yu Suzuki fez Shenmue III como o já conhecido “carta de amor para os fãs”. Mas, apesar de alguns gamers aceitarem o gameplay travado, tal como era antigamente, com pouquíssimas mudanças, o grande problema para este público, está em sua história. Pobre e, repito, com um final apressado e extremamente decepcionante, oferece muito menos do que os fãs aguardavam por tanto tempo.

O game tem bom conteúdo. E permite que o jogador avance nas tarefas, em busca de platina, por exemplo, no final, permitindo a locomoção entre cenários, e a manutenção do que você acumulou durante o jogo. Mas ainda assim, é muito pouco, para quem esperou por quase duas décadas pelo retorno da franquia.

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Questões simples do game até tiveram algumas melhorias, mas mínimas. Enquanto outras, como as QTEs, pioraram. A trilha sonora também se mostrou bem limitada, digna de games dos anos 90, repetitivas. E, apesar de ter um visual bonito, na prática, o game se mostra mesmo, em todos os momentos, muito datado. Até questões práticas, como o pause no botão Options do PS4, não funciona. Você precisa pausar no R1. E não encontraram nenhuma funcionalidade para a touch screen, que poderia facilmente ser somada em algum minigame.

Entretanto, temos que observar um detalhe: Yu Suzuki chamou para si a responsabilidade e, praticamente sozinho, fez acontecer um projeto que ninguém mais queria tocar. A Sega, feliz com Yakuza, se contentou em apenas fazer um port dos games originais, mas não se impôs contra o game. E a Sony, embora tenha oferecido algum apoio, não deu ao game o mesmo suporte, especialmente no marketing, do que fez com Death Stranding. Por fim, a Deep Silver acreditou no projeto, e publicou o game.

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Referências à Sega é o que não falta em Shenmue III

Dito isso, eu posso ser bem sincero em dizer que Shenmue III pode até agradar os fãs mais fieis da série. Sua mecânica é “old-school demais” para os dias de hoje e, embora eu goste de avançar no game na base da pergunta e da investigação, entendo que não é esse o tipo de gameplay que está disponível nos dias atuais.

Gostei de várias coisas no game, apesar de ter ficado frustrado com algumas outras. Mas não tem como recomendá-lo facilmente. Você tem apenas que entender muito bem que este é um “jogo de 20 anos atrás, com atualizações pontuais”. Se você não se importar com isso, poderá gostar bastante do jogo. Ainda que com algumas ressalvas.

Shenmue III já está disponível, para Playstation 4 (compre aqui) e para PC, em exclusividade temporária na Epic Store.

Junior Candido

Conto a história dos videogames e da velocidade de ontem e de hoje por aqui! Siga-me em instagram.com/juniorcandido ou x.com/junior_candido

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