Análise Arkade: Stellar Blade, uma ótima surpresa para o Playstation 5
Rodeado de expectativas — e polêmicas sobre sexismo –, Stellar Blade chega meio de mansinho… e é uma grata surpresa para a biblioteca do PS5! Confira nossa análise completa!
Stellar Blade é o primeiro grande jogo exclusivo para consoles da Shift Up, estúdio sul coreano que tem no currículo alguns jogos mobile que fizeram sucesso no oriente.
Essa falta de experiência do estúdio, somado ao apelo exageradamente sensual da protagonista, Eve, fizeram Stellar Blade — que até algum tempo atrás se chamava apenas Project Eve — virar notícia pelos motivos errados.
De início, todo mundo estava de olho no jogo, mais pelas curvas da protagonista (e as polêmicas associadas a isso) do que pelo jogo em si. Aí saiu uma demo, todo mundo experimentou… e, a maior parte do pessoal saiu com uma impressão. Será que, por baixo daquelas roupas coladas, teríamos um bom jogo, afinal?
Pós-apocalipse e seus clichês
Stellar Blade se passa em um futuro pós-apocalíptico em que a humanidade perdeu a guerra para uma raça de mutantes — os Naytiba. Enquanto as criaturas rondam o que sobrou da civilização, a raça humana buscou abrigo em uma colônia orbital. Quem não conseguiu fugir ou foi morto ou buscou abrigo em Xion, uma das últimas cidades humanas, que vive à mercê de uma invasão.
Eve, nossa protagonista, faz parte de um esquadrão de guerreiras que foi enviada à Terra para tentar reconquistar o planeta para os humanos. Obviamente as coisas dão errado, e ela acaba sendo a única sobrevivente.
Depois de confrontar alguns Naytiba, ela acaba conhecendo Adam, sobrevivente que utiliza um drone para se comunicar com ela. Com a ajuda dele, Eve vai parar em Xion, e decide auxiliar na luta pela resistência da cidade.
Esse é, resumidamente, o plot principal de Stellar Blade. O roteiro e si não é lá das mais originais, e acaba caindo em alguns clichês bem óbvios que envolvem histórias desse tipo. Não vou entrar em detalhes aqui, mas, ainda que o jogo tenha múltiplos finais, o desenrolar dos acontecimentos que nos levam até o desfecho é bastante previsível em alguns momentos.
Apesar disso, Stellar Blade ganha pontos simplesmente por ter uma história para contar. E ele se esforça para contá-la com estilo, com cutscenes, flashbacks e muitos diálogos totalmente dublados (inclusive em português brasileiro).
Mas afinal, que tipo de jogo é Stellar Blade?
Conforme a Sony divulgava novos trailers de Stellar Blade, eu tinha a impressão de que ele seria uma espécie de mistura de Bayonetta com Souls-like e uma pitada de Nier. E, embora seja possível traçar paralelos com todos esses jogos, Stellar Blade acaba sendo maior do que a soma de todas essas influências.
De Bayonetta ele empresta basicamente o design voluptuoso da protagonista, e o fato de misturar porradaria estilosa com tiro. Dos jogos da From Software, ele herda alguns elementos que eu acho pentelhos, como os acampamentos (que cumprem a função das fogueiras), os itens de cura consumíveis, o combate cadenciado… e o irritante sistema de ressuscitar inimigos quando descansamos. E da fonte de Nier eu diria que ele bebe em certos aspectos audiovisuais, como trilha sonora e a própria estética do mundo.
Na prática, Stellar Blade é um jogo de ação com muita ênfase em combate e exploração — e um pouquinho de RPG em termos de equipamentos e progressão da personagem. Ele é bastante linear, ainda que tenha uma cidade que serve de hub e uma ou duas áreas mais abertas, que abrigam sidemissions e caçadas opcionais.
Ao longo de boa parte da campanha, nossa missão é caçar 4 Naytibas Alfa. Cada um deles está entocado em um lugar do mundo — que pode ser uma cidade abandonada ou uma intrincada rede de túneis de metrô e esgotos –, e esses lugares correspondem às dungeons do jogo. Depois que entramos em uma dessas áreas, vamos explorar tudo até encontrarmos o chefe. Boss abatido, voltamos à Xion, recebemos a localização do próximo Alfa e vamos até lá.
É um loop de gameplay que, em termos de estrutura, me lembrou o primeiro Darksiders — mais uma ótima referência, diga-se de passagem. E, tal qual o jogo dos Cavaleiros do Apocalipse, é uma estrutura que funciona, muito por conta do excelente sistema de combate do jogo.
A pancadaria de Stellar Blade
Ainda que não seja realmente um Souls-like, Stellar Blade traz na cadência de seus combates um pouco do espírito dos jogos da From Software. Martelar o botão, como em um hack ‘n slash, só vai nos levar a uma morte rápida e brutal, mesmo diante dos inimigos mais ordinários.
A dinâmica do combate funciona como uma dança: vamos estudar os padrões de movimentação dos inimigos e esperar uma brecha para atacar. Tanto Eve quanto os inimigos possuem escudos, que podem ser quebrados para deixar o oponente indefeso — mais ou menos como o status stagger dos Final Fantasy mais recentes. Parry e esquiva são fundamentais para a vitória, uma vez que Eve é relativamente frágil e os monstros batem forte. Aliás, o parry de Stellar Blade é realmente delicioso, com efeitos sonoros saindo do controle e tudo.
Para essa “dança” da batalha funcionar, o jogador precisa entender os sinais e comportamentos dos inimigos. Felizmente, o jogo faz um ótimo trabalho em indicar, por meio de cores, os tipos de ataques devem ser esquivados ou rechaçados. Os golpes têm muito impacto, o que conta muito em uma campanha que se apoia tanto em combate — por saber que ele é bom.
Confira um pouco de combate com um chefe de uma das primeiras áreas do jogo no vídeo abaixo:
Além dos combos básicos feitos com combinações de quadrado e triângulo, também temos golpes e habilidades beta atrelados ao gatilho L1 que consomem um medidor específico (energia beta). Depois de umas 10 horas de jogo, um novo tipo de habilidade surge, as habilidades explosivas, com novos ataques atrelados ao gatilho R1. No total, Eve possui nada menos que 6 árvores de habilidade diferentes, o que só comprova que o sistema de combate é bastante denso.
Mesmo que não seja frenético como o Bayonetta, Stellar Blade traz um pouco do estilo character action (como são chamados jogos de ação com armas melee ou lâminas) à sua salada de referências. Digo isso especialmente pela plasticidade da movimentação: Eve é muito acrobática, cheia de piruetas e poses estilosas em seus golpes, o que aumenta o apelo estético das lutas.
Exploração, puzzles e… terror?
Quando não estivermos fatiando monstros usando a espada de Eve — que é a única arma melee e nosso principal recurso de combate ao longo do jogo –, vamos passar um bom tempo explorando cenários decadentes em busca de itens ou formas de progredir.
O jogo abusa de um tipo de estrutura que remete aos primórdios de Resident Evil: quando dermos de cara com uma porta trancada, teremos que explorar os arredores e enfrentar monstros em busca de uma chave. A “chave” em geral é um núcleo de fusão, usado para alimentar máquinas e equipamentos. Esses núcleos podem estar bem escondidos, ou mesmo dropar de algum sub-chefe. Aí é só seguirmos em frente até a próxima porta trancada.
Não é uma estrutura particularmente criativa, mas funciona. O jogo também se repete nas trancas de certos baús, que podem envolver senhas ou combinações de botões para serem destrancados. Em determinado momento, rola até o manjado “posicionar espelhos para levar um feixe de laser do ponto A ao ponto B”, um tipo de environmental puzzle que todo mundo já cansou de ver em videogames.
Aliás, esse é um trecho bastante peculiar de Stellar Blade: ele se passa em uma espécie de laboratório abandonado, onde claramente algo deu muito errado. O clima sombrio, o sangue pelas paredes e os novos tipos de inimigos (que surgem em legítimos momentos jump scare) que possuem os corpos de humanos mortos fazem desta dungeon um momento em que o jogo flerta — ainda que de leve — com o terror.
No breve vídeo abaixo, repare na ambientação, na forma como os inimigos aparecem, e me diga se isso não tem uma pitadinha de terror:
O mais interessante é que, justamente nessa parte, o game desativa nossa espada de energia e nos obriga a usar somente tiros. Considerando que o combate é o ponto alto do jogo, achei bastante ousado da parte dos produtores deixar isso de lado, transformando temporariamente Stellar Blade em um third person shooter com vibe de terror. E, olha, gostei dessa ousadia!
Audiovisual e roupas curtas
Produzido na sempre versátil Unreal Engine 4, Stellar Blade é um jogo que escolheu com muito cuidado onde gastar e onde economizar custo de produção. O character design — de Eve, dos monstros, dos NPCs — é um departamento que claramente recebeu mais carinho (e verba). Apesar de ser um tanto derivativo — com visuais que remetem à Bayonetta, Death Stranding e outros jogos –, os personagens, em geral, são muito estilosos.
Os cenários, por sua vez, dificilmente empolgam, uma vez que envolvem locais bastante manjados, como túneis de metrô, desertos, esgotos (como tem esgoto nesse jogo!) e instalações futuristas desativadas. Ainda que o mundo do jogo seja interessante, a maioria dos lugares pelos quais passamos são bastante genéricos.
O level design em si também acaba sendo um pouco confuso em alguns pontos, e a falta de um mapa — só disponível em áreas mais abertas — demonstra, talvez, a falta de experiência dos produtores. Mas isso nem é uma queixa: no geral, o sonar do drone ajuda a não ficar perdido, e, para um primeiro jogo de console, a Shift Up merece aplausos pela qualidade do jogo que entregou.
Essa qualidade se estende por toda a apresentação do jogo: ainda que não seja um legítimo Triple A da Sony, Stellar Blade é um produto muito polido e bem acabado. Mesmo jogando vários dias antes de seu lançamento comercial, me deparei com pouquíssimos bugs, e nenhum deles era grave ou quebrava o jogo.
Com diferentes modos de exibição, eu optei por jogar a 60 fps, uma vez que o combate do jogo pede por essa fluidez. E o resultado foi pra lá de satisfatório, com uma performance sólida que sabe aproveitar o hardware do PS5. Até o DualSense recebeu uma atenção especial no feedback háptico e na sensação de impacto dos golpes — eu já mencionei que o parry desse jogo é uma delícia?
Curiosamente, a sexualização da personagem Eve nem é tão escancarada. Quer dizer, as roupas dela não fazem nenhum sentido — especialmente os trajes desbloqueáveis que parecem saídos de um sex shop –, mas não é isso que define a personagem.
Explicando: apesar de seus trajes, ela nunca assume a postura de “heroína boazuda”. Ela é sim, questionadora, curiosa, até um pouco ingênua. Mesmo em cutscenes, o jogo não força a barra, nem esfrega os peitos da protagonista na cara do jogador. O que faltou foi, basicamente, um mínimo de bom senso na concepção do guarda-roupas da personagem, que traz roupas sexys em um contexto que não pedia por isso. Faria bem mais sentido Eve usar um traje na linha dos que vemos em Mass Effect.
A trilha sonora é um ponto… controverso. Com muitas músicas cantadas e viajando por diversos estilos (até bossa nova), eu vi muita gente elogiando as músicas. Mas, na maior parte do tempo, achei que a trilha não combinava com o jogo. Questão de gosto, não há certo ou errado. As dublagens, por sua vez, estão excelentes, ainda que a localização peque pelo excesso de expressões coloquiais (sério, por que usar “cê” ao invés de “você”?)
Conclusão
Stellar Blade chega como uma grata surpresa em um ano que o PS5 não tem lá grandes lançamentos para oferecer aos fãs. Mesmo sendo um mar de referências, o jogo encontra sua própria identidade e brilha especialmente por sua polidez e por um sistema de combate excelente.
Não venha esperando um Souls-like, nem um Bayonetta espacial. O que temos aqui é um título que, embora passeie por diversos estilos e beba de diversas fontes, consegue entregar uma experiência muito coesa e divertida.
O que falta em originalidade, sobra em qualidade. Stellar Blade é ambicioso, mira alto e na maior parte do tempo, acerta o alvo. É um jogo seguro e bem acabado, feito por um estúdio até então desconhecido mas que, sem dúvida, vai passar a ficar no radar dos jogadores.
Que Eve seja bem-vinda ao panteão dos grandes heróis de ação do mundo dos games. A questão é: será que ela tem um traje adequado para o baile? ?
Stellar Blade será lançado amanhã (26/04) exclusivamente para Playstation 5. O jogo está 100% localizado para o nosso idioma. Esta análise foi feita com base em uma cópia de review antecipada que recebemos da Sony Playstation Brasil.