Análise Arkade: Streets of Red é pancadaria retrô cheia de humor e referências
Provavelmente, você já deve ter lido por aqui sobre o quanto o mercado de games — dos games AAA aos independentes — está saturando tudo o que envolve zumbis e suas variantes, tal como a TV, o cinema e tantas outras mídias da cultura pop. Parece mesmo que os desmortos são uma fonte infinita de ideias para os desenvolvedores e roteiristas e, nesse sentido, Streets of Red – Devil’s Dare Deluxe não parece nada inovador. E, nesse caso, talvez isso não seja um defeito. Deixe-me explicar melhor.
Esse game, produzido pela desenvolvedora indie de Cingapura Secret Base, foi criado como uma verdadeira ode à cultura pop e, desta forma, é basicamente uma coleção voluntária de diversos clichês. Tal como o recente filme Jogador Nº 1, encontrar e identificar as diversas referências e easter eggs espalhados pela sua intensa, porém curta campanha faz parte da diversão. E o jogo leva isso ao limite.
Vamos por partes…
Sem rodeios, Streets of Red – Devil’s Dare Deluxe é um bom e velho beat ‘n up de progressão lateral com estilo retrô, onde os protagonistas se encontram no meio a uma invasão zumbi e, pior, eles estão sem dinheiro. O plot narrativo entrega pouco, tal como nos tempos dos 16 bits, com uma entidade estranha guiando os improváveis heróis pelos caminhos infestados de perigos até o grande final, que pode ser bom ou ruim, dependendo das escolhas do jogador.
Fica claro, portanto, que o primeiro apelo do game está na nostalgia do próprio modelo de jogo, que não só aposta no visual e na jogabilidade dos anos 1990 como também tenta resgatar a sensação da morte permanente — ou para os íntimos, permadeath — das empoeiradas máquinas de arcade dos botecos onde muitos de nós nos formamos como jogadores, usando aquele suado troco do pão para uma única e valiosa ficha.
Mas não é só de zumbis e mortes permanentes que se faz easter eggs, certo? Então tome referências paródicas mais ou menos explícitas (as vezes, até demais) de Exterminador do Futuro, A Mosca, Mortal Kombat, Streets of Rage, Final Fight, Rick and Morty, Street Fighter, Alien e muito mais em um único produto que não tem nenhuma pretensão de se levar a sério em termos narrativos ou de ambientação. E se a proposta é ser uma verdadeira metralhadora giratória de referências, então o game é muito bem-sucedido.
Coloque aí um tempero extra de multiplayer de sofá, modos extras de pura carnificina, arquétipos dentre os heróis e também nos inimigos, e o jogo consegue ser uma diversão descompromissada que deve dialogar muito intensamente com o seu público, sem parecer pretensioso ou sofisticado demais para os mais jovens. O grande trunfo de Streets of Red – Devil’s Dare Deluxe é, contudo, não se limitar à nostalgia, entregando um produto com ótimo ritmo, dificuldade na medida certa e um humor um tanto quanto sádico.
Saca só a primeira fase:
Bata em tudo o que se mover… e em outras coisas também!
Em termos de jogabilidade, não há muito segredo. Há decisões um pouco questionáveis no mapeamento de comandos, mas é fácil se adaptar a elas. Basicamente, o sistema é o mesmo visto em tantos clássicos do gênero: ande, bata em todos os inimigos, derrote-os, colete comida para recuperar energia e dinheiro para se manter vivo, continue andando, enfrente o chefe. Tirando o fato de não ter um botão de pulo, qualquer um que tenha jogado 15 minutinhos de qualquer beat ‘n up vai se sentir confortável em pular o tutorial.
Com a possibilidade de se escolher entre 6 personagens — 4 logo de início e mais 2 liberados conforme se joga — é necessário que se tenha um tempo de adaptação, pois cada um deles tem um set de movimentos particular. Mesmo o ataque básico varia em termos de dano, alcance e ritmo, o mesmo valendo para todos os demais movimentos.
Além disso, há algumas fases que variam de um para outro, o que aumenta significativamente o fator de replay no jogo, algo necessário, já que sua campanha é curtinha e dura, em média, uma hora e pouquinho.
A economia é algo bastante presente no jogo e não há atalhos. Todos os melhores movimentos – de mortes massivas a execuções – geram dinheiro, que funciona como a pontuação do jogo. No final de cada fase, é possível comprar alguns benefícios com o dinheiro recolhido, como upgrades de armas e movimentos, ou vidas extras. O que sobra no final da campanha é sua pontuação, que pode ir para o ranking mundial. Ou seja, há o fator competitivo indireto: quanto mais se melhora o personagem, menos sobra no final. Custo e benefício simples, mas eficaz.
O tal do permadeath pode trazer aquela sensação inicial de uma dificuldade desmedida, daquelas já quase inerentes a esses jogos retrô. Felizmente não é bem assim. O jogo tem níveis de dificuldade para qualquer tipo de jogador e mesmo no nível médio é possível jogar sem querer arremessar o controle na tela o tempo todo. Não é molezinha, mas está longe de ser punitivo. Na dificuldade mais elevada pode haver momentos mais tensos, sobretudo se o jogador quiser fazer o final bom, mas nada que dedicação não supere.
Pixel art raiz
Já se tornou até um clichê a decisão de apostar na nostalgia do pixel art clássico das primeiras gerações de jogos em 2D para garantir a simpatia de jogadores mais veteranos e a aura em torno dos velhos tempos, mas muitos dos que fazem isso trapaceiam um pouco. Streets of Red – Devil’s Dare Deluxe também o faz, mas faz menos. Um bom exemplo disso é a limitação no uso de cores, sobretudo nos cenários, limitação também presente nas velhas máquinas. Não é só o pixel evidente que limitava a criação artística na época. Havia muitas outras amarras.
Temos aqui então um jogo realmente pautado por limites. Uma campanha rápida, inimigos repetitivos, chefes ou sub-chefes das primeiras fases reaproveitados como inimigos comuns nas seguintes, texturas simplificadas, iluminação migué, movimentos truncados e animações quase em stop motion fazem parte do pacote. A questão é que estas escolhas podem dividir opiniões, mas o fato é que foram feitas exatamente por um motivo claro de resgate ao clássico, para o bem ou para o mal.
Mas nem tudo é purista demais. A produção se permite uma música sintetizada, mas um pouco mais sofisticada do que era no passado, com instrumentos e mixagem bem trabalhadas para as TVs de hoje. Essas exceções também estão presentes em uma violência um pouco mais gráfica e ácida do que era aceitável há 20 ou 30 anos atrás. Afinal, jogos da época exibiam corpos decepados ou grávidas arremessando fetos zumbis no herói.
Com uma mixagem de som limpa e refinada e um estilo artístico retrô e um tanto quanto ácido, Streets of Red – Devil’s Dare Deluxe aposta em uma paleta de cores que abusa dos cinzas encardidos e dos sombreamentos clássicos para apresentar uma experiência audiovisual intensa, mas sem muitas invencionices. Tudo é simples como deveria ser, mas com concessões pontuais necessárias que servem melhor ao game.
Conclusão
Streets of Red – Devil’s Dare Deluxe oferece uma experiência bastante divertida e desafiadora sem ser demasiada punitiva, convidando o jogador a continuar zerando mais e mais vezes a campanha principal e se aventurar no modo Survivor. Consegue assim ser uma grande homenagem à cultura pop sem ficar limitado a somente isso, ainda que algumas escolhas técnicas possam ter consequências que podem desagradar um pouco, como uma campanha curta demais e uma jogabilidade, por vezes, travada.
Se visualmente o jogo consegue resgatar os anos 1990, sua jogabilidade permite que o jogador se divirta, mesmo com a ameaça constante da morte permanente (com direito a save deletado e tudo), trazendo os bons e velhos dilemas dos fliperamas antigos. Sua variedade de personagens e de ataques ajuda em termos de replay, mas não há como negar que, no final, fica um gosto de “quero mais”. Se isso é um copo meio cheio ou meio vazio, vai depender do jogador.
Streets of Red está chegando HOJE para Nintendo Switch e Playstation 4, com textos somente em inglês, o que não deve chegar a incomodar ou atrapalhar quem não domina o idioma.