Análise Arkade – O esforçado mas esquecível The Texas Chain Saw Massacre
A onda de jogos multiplayer assimétricos que vivemos atualmente é tema promissor para estudos das mais diversas áreas acadêmicas e jornalísticas e renderia, por si, uma discussão bem longa.
Aquilo que falhou miseravelmente em Evolve, um dos primeiros exemplares modernos (e infames) do gênero, evoluiu exponencialmente nos últimos e anos e conta com uma lista que traz fracassos anunciados como o recente Predator: Hunting Grounds e sucessos improváveis como Dead By Daylight, ambos avaliados aqui no Arkade por este que vos fala.
Infelizmente, ainda que tenha sido surpreendentemente bem recebido por parte da crítica, The Texas Chain Saw Massacre, da Sumo Digital e da Gun Interactive, parece estar na mesma prateleira do primeiro, não do segundo exemplo.
Eu poderia debater vários aspectos que me incomodaram em minhas experiências com o jogo, seja ao lado dos amigos aqui do site Rodrigo Pscheidt e Renan do Prado, que me acompanharam em algumas boas partidas, seja jogando de peito aberto com desconhecidos mundo afora.
Contudo, aquilo que me pareceu a receita do desastre logo nos primeiros segundos, algo que já tinha sido prenunciado antes do lançamento mas que fica latente quando ligamos o game, é a obrigação de precisar fechar a partida com sete pessoas. Se com o Predador a coisa era complicada, imagina aqui. O receio de ter em mãos um novo Friday the 13th: The Game, que está se arrastando desde o seu lançamento e que está encerrando sua melancólica carreira, era enorme.
É totalmente compreensível que os desenvolvedores, que sempre se orgulharam de ter a tão sonhada liberdade criativa, sejam fiéis a uma visão na qual eles acreditavam, e o fato do jogo ter chegado no dia do lançamento a muitas mãos sem custo graças ao Gamepass também oferecia expectativas interessantes para a investida.
Mas eu realmente esperava que insucessos anteriores no gênero, mesmo que utilizassem marcas consagradas no mercado, pudesse gerar soluções possíveis para que as pessoas pudessem experenciar tudo o que o jogo tem a oferecer sem necessariamente depender de outras tantas no matchmaking. O uso de bots é só uma das soluções possíveis, mas poderia haver outras, como as opções (quase) single player de Evil Dead: The Game, por exemplo.
Sem nada para contar
Dito isso, só o tempo, sempre ele, soberano, poderá nos dizer se tais escolhas foram acertadas. O fato é que o jogo The Texas Chain Saw Massacre, baseado na franquia de terror que fez muito sucesso décadas atrás e que vem colecionando bons e maus momentos desde então, se apoia na iconografia do seu principal rosto – trocadilho intencional – para lhe dar algum destaque para o nicho ao qual se destina. Leatherface é, obviamente, a estrela do jogo, carregando nas costas outras figuras que somente fãs de longa data da franquia terão qualquer memória afetiva ou envolvimento.
No final das contas, essa família disfuncional formada por Hitchhiker, Johnny, Sissy e Cook, que remetem diretamente às produções mais recentes (e menos clássicas) da cinessérie, é muito mais uma coleção de perfis arquetípicos do que necessariamente personagens relacionáveis, mas o seu apelo está no potencial de suas especificidades.
Pessoalmente, depois de testar todos eles em algumas partidas, posso garantir que o “herói” da coisa toda é o personagem que eu menos gosto dentre todos os assassinos disponíveis, e isso é bastante significativo para um jogo onde ele é a estrela.
Em resumo, as partidas não tem qualquer tipo de justificativa narrativa, nem uma parca tentativa de localizar um fiapo de trama dentro do cânone cinematográfico. São enfrentamentos de três vilões – com a obrigação de um deles ser o próprio Leatherface – contra quatro pobres coitados que precisam escapar da morte e fugir antes de serem retalhados.
Fugindo do padrão conhecido de todos contra um, ambos os lados são compostos por times que precisam se comunicar e colaborar, seja qual for o objetivo estabelecido. Aqui, quem estiver em diálogo tem a óbvia vantagem, conseguindo organizar um plano de ação, desde que todos conheçam o mapa e as possibilidades de interação com o local onde a treta acontece.
Se ficar o bicho pega, se correr…
De um lado, os sobreviventes tem características próprias e ferramentas específicas, mas no geral tem algumas vantagens importantes na comparação com seus algozes. É possível correr, se esgueirar em passagens estreitas, passar por buracos na parede ou saltar por obstáculos baixos. Também há vários esconderijos possíveis, como latões de lixo, armários e coisas do tipo.
A furtividade é, essencialmente, a melhor aliada das pessoas que precisam escapar, e é necessário equilibrar a ousadia em abrir cadeados, desarmar armadilhas e destravar outras passagens fechadas, com a necessidade de sobreviver até que o perigo esteja distante.
No outro extremo, os vilões tem suas armas, mas também suas peculiaridades com qualidades e fraquezas que os tornam mais falíveis na comparação com figuras sobrenaturais ou ultrapoderosas.
Se o detentor da serra elétrica (impossível não comentar o clichê da tradução brasileira ter ignorado que de elétrica, a arma não tem nada) é desengonçado e tem a mobilidade extremamente reduzida, outros membros podem usar recursos como armadilhas, envenenamento, sentidos aguçados e outras artimanhas para caçar suas vitimas.
Esse lado da história ainda tem uma tarefa extra de alimentar o Avô da família com sangue, seja das pessoas capturadas, seja de bolsas bizarras espalhadas pelo cenário, algo que faz bastante sentido dentro da lore do mundo de Leatherface, mas cansativo pela repetição e pelo tempo que consome de cada run.
Os benefícios são evidentes, porém, e o patriarca atua basicamente como um suporte para a equipe, lhes dando ainda mais poder (como audição aprimorada e poder de localização constante) a cada novo nível de insanidade que ele alcança. Se os sobreviventes forem descuidados e o acordarem rapidamente, a balança pode pender para que nenhum deles chegue a ver a luz do dia novamente.
Esta perseguição, quase que um jogo de gato-e-rato, não teria nenhum tipo de apelo caso acontecesse em ambientes abertos, e o cenário aqui é quase que um personagem a parte. Em uma estrutura labiríntica, com uma série de passagens e caminhos tortuosos multiníveis, há uma boa diversidade dentro do mesmo mapa, com o quintal ensolarado contrastando com um porão sombrio e com outros cômodos de uma casa decrépita.
A localização de alguns pontos de interesse tem contornos de aleatoriedade, mesmo que não demore para que compreendamos padrões a partir de uma boa quantidade de partidas jogadas, então mesmo na repetição, há variedade o suficiente para nos manter atentos, pelo menos nas primeiras horas. Cada rodada é realmente única.
Se eu visse algo, seria bonito
O maior problema é que as passagens escuras pesam a mão, mesmo com algumas fontes criativas de uma luz escassa. Não faltam corredores onde realmente não se vê nada, o que dificulta o entendimento do espaço cênico para ambos os times.
Não foram raras as vezes onde embates intensos terminavam de forma frustrante simplesmente porque ambos – perseguidor e perseguido – se perdiam na escuridão absoluta, e também não são incomuns os casos de alguém ficar preso em um looping muito pequeno de espaço porque corredores, portas e passagens são tão mal iluminados que parecem sempre os mesmos.
A sensação de agonia e claustrofobia é desejável e parte importante da experiência, mas o artifício para tal deveria ser um pouco mais sofisticado do que a falta de noção do ambiente.
Uma pena, porque esteticamente o jogo tem algumas das qualidades mais interessantes do gênero e traz uma sensação de repulsa e aflição como poucos. Para os adeptos do gênero slasher de terror, há uma série de boas referências clássicas, como banheiros sujos, cenários apodrecendo, aquela sensação degradante de um meio oeste norte-americano árido e isolado típico de obras similares.
A podridão está por todas as partes, e qualquer olhar mais atento é um bom motivo para qualquer um sentir náuseas. E sim, tudo isso é parte da qualidade técnica do jogo, daquilo que lhe traz um valor agregado para o nicho ao qual se destina. Pena que, como a imagem abaixo ilustra, nem tudo é apreciável pela falta de luz.
Entretanto, a qualidade gráfica não é inquestionável. Há uma série de limitações que se tornam evidentes, como a modelagem humana que está muito longe de transmitir o realismo esperado desse tipo de produção, mesmo quando representa o mais caricato dos inimigos.
Leatherface, até por usar uma máscara de pele morta evidentemente sem expressividade, mais uma vez se destaca principalmente quando comparado às pessoas comuns e genéricas às quais temos que fazer um esforço enorme para nos apegarmos, porque carisma ou profundidade passam longe de qualquer uma delas.
A movimentação é bastante estranha, com ciclos de animação robóticos, sem variedade e pouco convincentes, e o sistema de colisão não é dos mais naturais. Efeitos de luz e sombras, por sua vez, são convincentes até o ponto onde o contraste acaba se perdendo pela escuridão excessiva da qual falei anteriormente, algo que desvaloriza a boa cenografia.
Muitas das vezes, é a ambientação sonora que, ao resgatar alguns dos aspectos originais do cinema, valoriza a jornada e nos localiza nesse universo, com efeitos e ruídos bem construídos e com uma ótima mixagem, sobretudo no uso de um bom headset para aproveitar toda a tridimensionalidade do pavor.
Com um robusto sistema de níveis de experiência e customização independente para cada personagem, com direito a árvores (no plural mesmo porque cada personagem tem a sua) de habilidades bem interessantes que parecem complexas inicialmente mas que logo nos acostumamos a extrair dela as melhores características para o nosso estilo de gameplay, o jogo é um grande convite para os aficionados pela franquia ou mesmo pelo sub-gênero, inclusive com uma vasta sessão de galeria com material histórico amplo sobre a marca, mas em sua essência oferece muito pouco conteúdo na comparação com exemplos já bem estabelecidos no mercado.
Sem ter muito para onde crescer, a repetitividade das ações, as rotas pré-definidas e as tarefas redundantes de um lado e do outro, este é um game que tende a se esgotar rapidamente para quem não é um adepto fanático.
Conclusão
Ainda que não apresente nada especialmente novo, há muitos méritos em The Texas Chain Saw Massacre, a versão para videogames do conhecido universo de O Massacre da Serra Elétrica que traz como grande estrela o maníaco Leatherface, que já fez outras aparições especiais em jogos como em Mortal Kombat X e no já citado Dead By Daylight, mas que agora tem um jogo inteiro para chamar de seu.
O modelo assimétrico é bem equilibrado, mesmo que seja muito mais divertido jogar do lado do mal, as possibilidades tanto de um lado quanto do outro são variadas a princípio, e alguns detalhes certamente farão fãs de longa data darem aquele sorriso macabro de canto de boca.
Só que tudo o que o jogo tem a oferecer funciona por algumas rodadas, por duas ou três runs por vez, e jamais incentiva o jogador a continuar investindo tempo, sobretudo para desenvolver cada personagem, ou ao menos dois dos seus favoritos, porque antes disso, tudo se torna um inevitável mais-do-mesmo. Jogar com amigos potencializa a experiência, claro, mas a dependência de todos estarem disponíveis parece limitar demais a liberdade do jogador.
Soma-se a isso a decisão frustrante de não haver nem mesmo um modo de treinamento solo, ou ainda a possibilidade de completar times com bots, ou até jogar PvE quando não quer enfrentar outras pessoas, e o game terá muitas dificuldades de se sustentar vivo por muito tempo.
A vantagem, para assinantes do serviço da Microsoft, é que ninguém precisa desembolsar nada a mais para experimentar, e assim muitos grupos poderão levar o jogo adiante se os responsáveis souberem mantê-lo vivo na mente do seu público. Se isso será o suficiente, veremos nos próximos meses.
Disponível para PC, Playstation 5, Playstation 4, Xbox One e Xbox Series X/S com possibilidade de cross-play entre as diferentes plataformas, The Texas Chain Saw Massacre foi lançado em 18 de agosto de 2023, infelizmente sem legendas ou localização por vozes em português brasileiro.