Análise Arkade: Carangos, destruição e muita lata amassada em Wreckfest

29 de agosto de 2019
Análise Arkade: Carangos, destruição e muita lata amassada em Wreckfest

De tempos em tempos, chegam ao mercado jogos que são alardeados como “o novo…” ou “o sucessor espiritual de…”, remetendo a algum título de sucesso no passado que, de alguma forma, acabou não encontrando similares nas atuais gerações. Wreckfest, game da Bugbear Entertainment, é um desses casos, alçado ao status de “novo Destruction Derby.

E essa fama prévia faz todo sentido. Desde o lançamento do lendário game da geração do primeiro Playstation que não temos um título de respeito e com apelo para um público mais amplo que aborde a disputa com carros e outros veículos malucos, onde a demolição destas máquinas é um ponto central. Agora, resta dizer se o jogo cumpre essa premissa, atinge as expectativas ou se é alguma outra coisa. Ligue os motores dessa lata velha, que a gente conta tudo pra você.

Análise Arkade: Carangos, destruição e muita lata amassada em Wreckfest

Deixa o brilho pros outros

Logo na apresentação do jogo, fãs mais antigos ou jogadores mais novos vão ter uma garantia: esse não é um jogo de corrida com máquinas possantes, lataria impecável e rendimento no estilo Velozes e Furiosos. E, do modo mais curioso, trata de desmistificar qualquer expectativa equivocada: a primeira corrida do game é com um carrinho de cortar grama. Glamour zerado, hora de conhecer o jogo de verdade.

Wreckfest parte de uma proposta bastante similar ao de seu antecessor espiritual mais famoso: em provas disputadas em terrenos nada convencionais, o importante é sobreviver e, de preferência, chegar entre os primeiros. Há dois tipos básicos de disputa: corrida e disputas de demolição. Explico melhor.

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As corridas não são lá nada muito inovadoras para qualquer um que já tenha jogado um game do gênero uma vez na vida. A diferença básica, que dá personalidade ao jogo, é que aqui jogar limpo, além de não ter muita graça, geralmente não dará muito resultado prático. Se quiser vencer, se quiser chegar na frente, não adianta só ser mais rápido que seu adversário. É preciso caçá-lo, destruí-lo, humilhá-lo. Porque ele vai tentar fazer o mesmo contigo.

Já as disputas de demolição, são exatamente aquilo que parecem ser: em uma arena, o último carro que se mantiver funcionando é quem ganha. E aí vale tudo: acertar sem dó nem piedade um pobre coitado dando bobeira bem no meio da porta, jogar um desavisado no muro ou ainda ficar na periferia esperando a hora certa de atacar e esperando que os adversários se digladiem… os fins justificam os meios.

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Claro que há regras, mas elas só estão lá para garantir o quebra-quebra: na demolição, por exemplo, há um tempo máximo para não acertar alguém – seja atacando, seja como vítima. Nas corridas, há bônus e premiações generosas por cumprir objetivos secundários, como destruir um certo adversário, ou rodar 3 deles durante a disputa. Mas não se apegue demais aos limites: essas regras servem muito mais para forçar o quebra-pau generalizado do que para garantir o fair play.

Como um conjunto, o jogo é direto e reto naquilo que pretende: seja em circuitos, seja em arenas, o que importa é ver lata retorcida no final. E quando o jogador entende essa premissa, a vitória se torna muito mais um detalhe do que um objetivo final.

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Se é pra quebrar, que quebre bonito

Ainda que não seja alçado dentro da indústria com um lançamento de grande orçamento, um famigerado AAA, Wreckfest é tecnicamente surpreendente. O visual das máquinas – ao todo, são 24 possantes – é muito bem trabalhado, com detalhes e amassados que parecem de fato contar uma história, dando personalidade a cada uma delas, algo bastante raro nos dias atuais, onde tudo quer ser polido, brilhante e reluzente demais. A customização visual é bastante básica se comparada a outros títulos, mas eficiente.

O mesmo cuidado também transparece nas pistas e nos ambientes do game, que se não são recheados de elementos externos ou efeitos climáticos deslumbrantes, são muito coerentes com a estética adotada para o game: muita poeira e muita bagunça onde realmente importa: dentro da pista. Portanto, não espere os belos cenários de um Forza ou de um Gran Turismo da vida, que no final das contas não fazem muita falta aqui.

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O maior trunfo está, sobretudo, na destruição propriamente dita. Não será raro terminar algumas corridas com uma versão irreconhecível do veículo que largou, e ao longo da campanha, chegar ao fim já será um vitória em si, sobretudo quando o jogador começa a tomar coragem para desligar as assistências e ousar nas dificuldades mais elevadas.

Tudo isso é ainda mais valorizado com a excelente representação audiovisual de cada pancada, cada curva errada e cada choque, independentemente de quem tenha provocado o embate. Peças vão voar, portas ficarão soltas, motores e suspensões serão comprometidos, e aquele carro que você ficou um bom tempo customizando pode ser só um pedaço de ferro-velho sobre rodas em menos uma volta. E isso é incrível!

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Isso era um belo Plymouth Barracuda ou o Chevette velho do meu tio?

Como um todo, ainda que o jogo esteja em um nível de realismo muito elevado, mesmo não sendo o game de corrida mais polido da geração, há um estilo estético que valoriza a textura do sujo, do amassado, do fosco. Traz consigo uma questão de valorização de uma cultura tradicional das arenas de demolição norte-americanas, algo ainda mais forte se considerarmos os modelos de carro presentes no jogo, sempre com aquele feeling de muscle cars.

Soma-se a tudo isso uma trilha musical pautada no bom e velho rock ‘n roll comendo solto, algo que se mistura perfeitamente bem a um trabalho excelente de sonorização das corridas. Além do ronco dos motores compor sua identidade, aqueles rangidos de peças soltas, vidros quebrando, lata se contorcendo, tudo numa composição muito coesa e que faz todo sentido no escopo do jogo.

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Com recursos de customização visual que funcionam muito bem, ainda que muito mais simples do que um Need For Speed da vida, o conjunto da obra é incrível. Efeitos de destruição de veículos e de cenários, partículas e composição sonora estão em um nível elevadíssimo, valorizando a sensação e o prazer em debulhar seus adversários até o último parafuso.

Um legado sobre carcaças

Toda essa bagunça é divertida ao extremo, mas não valeria de nada se a experiência do jogo não fosse tão satisfatória. E, nesse aspecto, mesmo com alguns deslizes e detalhes, há muito mais acertos do que equívocos. A começar pela física da coisa toda.

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A sensação de peso e de densidade dos veículos parece bem equilibrada. O impacto das colisões é tão sentido quanto os efeitos da dirigibilidade em si. Ainda que não seja um simulador, cheio de nuances e detalhes vistos em outros games, o jogo passa longe de ser um arcade desconectado com o mundo. E esse equilíbrio funciona bem.

Deste modo, mesmo nos terrenos mais inóspitos, não há o risco dos carros saírem voando a cada tufo de grama ou desnível (sim, Trackmania, estou falando de você) como se fossem balões de gás na Lua. Ao mesmo tempo, não adianta estacionar o dedo no comando do freio de mão achando que vai fazer um drift cinematográfico nas curvas fechadas.

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A jogabilidade, deste modo, favorece uma atenção constante à pista e ao traçado, evitando o conforto (e o tédio) de quem está na liderança. Também favorece os embates, já que na maioria das vezes, fazer curva por dentro, apoiando no adversário enquanto o joga no poste, é muito melhor do que fazer sozinho, buscando a tangente perfeita. Liderar, na maioria das vezes, é mais difícil do que andar atrás o tempo todo.

O traçado das pistas, em sua maioria, também é muito inteligente para favorecer esse aspecto do conflito. Em várias ocasiões, os traçados oferecem cruzamentos e faixas espelhadas, possibilitando que primeiros e últimos colocados se encontrem várias e várias vezes ao longo da corrida. Então, se você está em último e precisa que o líder não vença… já sabe. É só se lembrar da cena de Mais Velozes e Mais Furiosos onde os protagonistas ganham seus muscle cars, e tudo fica mais claro.

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Jogando com estranhos e estragando amizades

Sabe a carta +4 do Uno ou uma invasão impiedosa à Oceania em War? As formas conhecidas mais efetivas de se destruir uma relação com outras pessoas? Pois é… Wreckfest tem suas formas de causar o mesmo efeito, sobretudo, jogando os modos multiplayer, que se não são lá muito variados, cumprem bem o seu papel de oferecer o que de melhor o jogo tem.

Isso porque, como dito, o vale-tudo é parte essencial da proposta e ações, digamos, pouco amistosas, são muito bem-vindas como parte de uma estratégia vencedora. Isso significa que jogar o adversário para fora da pista, encher a traseira dele no ponto de frenagem das curvas mais cabulosas, ou acertá-lo em cheio naquele segundo antes da vitória é algo comum e, obviamente, parte da diversão.

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Isso tudo já é esperado de adversários online, sobretudo aquele bando de desconhecidos que se encontra em uma partida regular. Mas receba um golpe baixo assim de um amigo e sinta a sensação de ódio tomando seu coração. Faça algo parecido na corrida seguinte e descubra um tipo de prazer sádico. Pronto. Receita certa duas coisas: boas risadas e altos palavrões.

Claro, tudo isso é parte da experiência multiplayer de qualquer jogo e é a grande brincadeira. A melhor forma de se aproveitar Wreckfest é entender aquilo que ele se propõe e que está escancarado no título: é uma grande festa de destruição. Não é o lugar onde se deve buscar obsessivamente pela vitória para se divertir. A graça, está mesmo, no processo, e não no resultado final.

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Claro que é impossível ignorar o resultado. Ele está lá, faz parte do jogo e faz parte também de nós, jogadores. Mas aqui, certamente, isso é só um pedaço da coisa toda. Não a toa, é o jogo que quanto mais o jogador domina, evitando a confusão e abrindo espaço, mais tedioso pode ficar, uma vez que a diversidade de pistas, máquinas e desafios não é lá das maiores. As vezes, o jogo é melhor quando se perde em grande estilo do que quando se ganha sem um arranhão. Causar essa sensação é, provavelmente, a melhor qualidade do game.

Conclusão

Wreckfest muito provavelmente não vai conseguir escapar da alcunha de ser, ou tentar ser, o novo Destruction Derby. É, afinal, um jogo com corridas e arenas de demolição, onde carros e outros veículos malucos – olá sofás envenenados – que já viram dias melhores vivem se contorcendo em ferrugem e óleo vazando. E provavelmente ele irá se aproveitar desse marketing.

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A vantagem disso é que, como produto final, ainda que com algumas limitações – como uma campanha com missões as vezes repetitivas, cenários pouco inspirados e modos reduzidos – ele consegue não só abastecer um nicho de mercado bastante carente pela falta de produtos de boa qualidade que se dediquem a ele, como também mostrar personalidade suficiente para se fazer notar, mesmo para quem não tem a referência do seu “parente” mais distante, ou mesmo da esquecida e subestimada franquia Flatout, da mesma desenvolvedora.

Com um ótimo trabalho audiovisual, corridas intensas do começo ao fim e muito ferro retorcido, Wreckfest está disponível para PC, Playstation 4 e XBox One, totalmente localizado para o português brasileiro.

Paulo Roberto Montanaro

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