Análise Arkade: Cyanide & Happiness – Freakpocalypse, um jogo que peca pelo excesso

16 de março de 2021
Análise Arkade: Cyanide & Happiness - Freakpocalypse, um jogo que peca pelo excesso

Quem curte humor controverso e politicamente incorreto talvez já tenha esbarrado com as webcomics Cyanide & Happiness. Produzidas pelo portal Explosm.net, as tiras não pegam leve nas polêmicas e podem até chocar os desavisados.

Confesso que sou um grande fã das tirinhas, e quando soube que elas estavam para virar um game, fiquei realmente empolgado: Cyanide & Happiness – Freakpocalypse é um point and click totalmente old school ambientado no universo das webcomics, cheio de referências divertidas e o humor ácido que fez a fama de seus criadores.

No jogo, controlamos um jovem chamado Coop McCarthy, o típico nerd pouco popular do colégio. O baile de formatura está chegando, e você ainda não tem um par para acompanhá-lo. Assim, embora o “grande objetivo” do jogo seja conseguir companhia para o baile, ele envolve diversos outros objetivos e missões que devem ser completados. Na escola, por exemplo, uma das primeiras coisas que precisamos fazer é conseguir um “passe livre”, que nos permita transitar livremente por todas as áreas, interagindo com outros personagens e recebendo novas missões.

Análise Arkade: Cyanide & Happiness - Freakpocalypse, um jogo que peca pelo excesso

Começamos a história na escola, e embora pareça que o jogo todo vai se passar ali dentro, depois de algum tempo podemos sair e explorar a cidade. Isso até pode parecer bom, mas, sendo bem honesto contigo, Cyanide & Happiness – Freakpocalypse é o tipo de jogo que peca pelo exagero. Logo nos aprofundaremos mais nesta questão.

Old school até demais

O gameplay de Cyanide & Happiness – Freakpocalypse lembra muito o de um dos maiores clássicos da LucasArts: Full Throttle. Lembra como, no jogo do motoqueiro, interagir com algum objeto de interesse abria uma roda de comandos com as ações que você podia fazer (geralmente falar, olhar e chutar)? Aqui, temos essencialmente o mesmo sistema.

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Quando passamos o “cursor do mouse” por um ponto de interesse, um ponto de interrogação aparece. Ao clicarmos sobre ele, abrem-se as possibilidades de interação disponíveis: olhar, pegar e falar.

A questão é que quase nada é realmente útil. Porém, Coop sempre vai ter pelo menos 3 coisas diferentes para dizer sobre CADA objeto clicável presente na tela. Full Throttle amenizava as coisas tendo 4 ou 5 pontos de interesse em cada tela… mas Cyanide & Happiness – Freakpocalypse tem, literalmente, dezenas deles.

Quer um exemplo? Aí vai:

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Praticamente tudo o que está na tela pode ser clicado (3 vezes)

É possível interagir (3 vezes) com praticamente tudo o que está na tela, mas quando há coisas demais para serem clicadas, isso fica cansativo. E, embora eu saiba que parte da graça do jogo esteja nos comentários que Coop faz (há trocadilhos e piadinhas o tempo todo), mesmo isso perde seu apelo pelo excesso.

Na última década, vimos o gênero point and click evoluir e se reinventar através, principalmente, dos jogos da finada Telltale Games. Franquias como The Walking Dead e Batman estabeleceram um novo ritmo para os adventures, que ficaram mais cinematográficos. Outras empresas, como a Dontnod Entertainment, pegaram carona nessa fórmula, lançando jogos incríveis, como Life is Strange.

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Para o bem e para o mal, Cyanide & Happiness – Freakpocalypse ignora totalmente essa evolução. Ele é um point and click que parece saído diretamente dos anos 90, e tem todas as idiossincrasias dos jogos desta época. Pior: ele tem todas elas em escesso.

Excesso de informações

Como eu falei ali em cima, Cyanide & Happiness – Freakpocalypse peca pelo excesso: há muitas coisas com as quais interagir, muitos comentários para ouvir. No começo isso é divertido, mas conforme o tempo passa (e o jogo é relativamente longo), a gente só quer avançar logo com a história. As webcomics são boas justamente por serem curtas, rápidas. No jogo, é como se a piada se alongasse por tempo demais.

“Passar correndo” nem sempre é fácil, simplesmente porque, como um bom point and click, esse jogo tem alguns puzzles um tanto obtusos. Você vai precisar encontrar itens (muitas vezes minúsculos, como um lápis, ou um chaveiro), combiná-los, e descobrir onde/como utilizá-los. No momento já devem ter guias e tutoriais pela internet, mas como recebi o jogo alguns dias antes do lançamento, sofri um bocado em algumas partes.

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Esse problema fica ainda mais evidente pelo já mencionado excesso de informações na tela. Há muitos objetos, muitos pontos de interesse. Encontrar o que você procura no meio da bagunça pode ser um desafio por si só. Então o que sobra? Ir clicando em tudo, na esperança de não deixar passar nada. A repetição desse modus operandi em cada tela logo torna-se um exercício de paciência.

Audiovisual

Cyanide & Happiness – Freakpocalypse traz exatamente o mesmo visual das tirinhas para o mundo dos games, o que é ótimo. O visual 2D é muito bem desenhado, e quem acompanha as tirinhas sem dúvida vai “sentir-se em casa”. Os personagens têm traços simples, mas os cenários são muito detalhados (até demais, eu diria). No geral, tudo é muito bonito, mas também muito estático.

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Algo que enriquece muito a experiência do jogo é a dublagem: todos os diálogos são dublados, e os dubladores realmente conseguiram injetar as doses certas de carisma e sarcasmo nos personagens. Como eu já disse, Coop tem pelo menos 3 falas para cada objeto aleatório clicável do cenário: só isso já seria coisa pra caramba (em termos de trabalho de dublagem), mas ele também conversa com outros personagens, com direito a opções de diálogo, e muito mais.

A trilha sonora não se destaca muito, no geral, mas temos que falar do trabalho de localização, que é competente, ainda que um pouco inconstante: traduzir e adaptar um jogo com tantos trocadilhos e piadas deve ser um desafio e tanto, especialmente porque muitas do conteúdo foi adaptado para fazer sentido em nosso idioma.

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Exemplo: aqui, o jogo faz alusão ao programa “Casos de Família“, do SBT

É um esforço louvável, que infelizmente, abre espaço para algumas falhas: os nomes de diversos personagens têm trocadilhos “embutidos”, e ao serem adaptados, vemos um nome na legenda, mas outro diferente no menu, por exemplo.

Tipo assim, ó:

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Na legenda, este personagem se chama “Greg
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Mas quando ele fala, seu nome aparece como “Ramón El Bellezón“. WTF?!

Caso você precise conversar com um personagem específico, talvez se atrapalhe um pouco, pois, como vimos aí em cima, o nome dele pode aparecer de formas completamente diferentes, em contextos diferentes. A melhor maneira de evitar isso é jogar em inglês, mas aí você precisa de um nível avançado no idioma para não ficar perdido.

Conclusão

Como fã das webcomics do Cyanide & Happiness, eu esperava gostar mais de Freakpocalypse… mas a verdade é que saio cansado pelo excesso de conteúdo que ele entrega, e o andamento lento de um típico point and click é multiplicado aqui, o que não ajuda.

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Mesmo o humor, que é sempre certeiro nas tirinhas, perde seu impacto, simplesmente porque há uma overdose de piadas. Depois de um tempo, boa parte delas simplesmente não surte mais o efeito esperado, pois já estamos “amortecidos” pelas centenas que vieram antes.

Curiosamente, esse jogo é “apenas” a parte um de uma suposta trilogia. Desde já, realmente espero que, para os próximos capítulos, os produtores dosem um pouco a mão, e percebam que, em se tratando de point and clicks, menos pode ser mais.

Cyanide & Happiness – Freakpocalypse foi lançado em 11 de março, e está disponível para PC e Nintendo Switch. O game possui menus e legendas em português brasileiro.

Rodrigo Pscheidt

Jornalista, baterista, gamer, trilheiro e fotógrafo digital (não necessariamente nesta ordem). Apaixonado por videogames desde os tempos do Atari 2600.

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