Análise Arkade – Kirby’s Dream Buffet é bem doce, mas pode enjoar rápido
Kirby é definitivamente um caso curioso dentre os chamados mascotes. Ele tem as melhores características para tal, como um design icônico, muita fofura e um carisma quase que automático. Curiosamente, ele jamais chegou perto da representatividade e da popularidade de Sonic, Crash ou de seu concorrente dentro de casa, Mario. É como se ele estivesse ali, na periferia das preferências.
Ainda assim, por todo o cuidado que a Nintendo demonstra em todos os seus principais produtos first party, a bolinha rosa sempre estrelou produções muito elogiadas, leves e divertidas, e alguns meses depois do encantador Kirby and the Forgotten Land (cuja análise você pode conferir aqui), chega ao mercado um party game que mais uma vez o coloca no centro das atenções. Basta saber se a altíssima qualidade do título anterior foi mantida, ou ao menos respeitada, nesse spin-off.
Um mundo doce… mas nem tanto
Kirby’s Dream Buffet, desde que fora anunciado, sempre carregou uma espécie de rótulo de ser um “Fall Guys com Kirby“ e a comparação se tornou tão óbvia quanto se poderia imaginar dado o destaque para corridas multiplayer um tanto quanto caóticas por caminhos tortuosos e cheios de armadilhas que os trailers promoviam. O resultado final, no entanto, acaba se provando um pouco distinto desta primeira impressão, ainda que as similaridades óbvias estejam sim presentes em um aspecto ou outro.
O primeiro deles salta aos olhos desde o instante inicial, com a construção inebriante de um mundo colorido e cheio de vida baseado em comida. Passamos por terrenos pantanosos de chantilly, caminhos estreitos e pontes feitas com crocantes fatias de bacon e há sempre o risco de cair em uma bela poça de chocolate derretido. Escalar panquecas pelo melado e quebrar biscoitos açucarados são apenas alguns dos deliciosos obstáculos que encontramos pelo caminho. Dica: não jogue (nem escreva análises desse jogo) com fome, sob o risco de atacar a geladeira ou furar a dieta.
Não há uma história sendo contada nem nada disso, e o jogo se furta de quaisquer artifícios narrativos para ir logo ao ponto que interessa, que é a competição livre e totalmente desordenada sem nenhum compromisso mais sério, seja contra a CPU, seja em um modelo multiplayer local ou on-line… e é aí que os problemas começam, já que enquanto jogar sozinho é interessante só por alguns minutos, quiçá poucas horas, jogar acompanhado pode não ser tão catártico como poderia.
Primeiro porque em tela dividida, mesmo com uma competição entre quatro personagens (além de alguns minions que estão lá só para causar o caos) o jogo só permite duas pessoas competindo contra dois bots, o que é incompreensível para esse tipo de jogo. Com a possibilidade de se jogar com só uma parte do joycon (o que já permite que se jogue em dois com o controle padrão do Switch) é uma pena não poder usar um controle extra para ter mais uma ou duas pessoas jogando juntas, como em tantos outros games mais complexos da plataforma.
A possibilidade de quatro competidores de verdade se dá de duas formas: online (lembrando que é necessário ter um plano de assinatura para aproveitar o modo), que tal como outros jogos da Nintendo traz um problema crônico de fluidez dependendo da conexão dos envolvidos, o que acaba atrapalhando muito das partidas e arruinando runs inteiras; e o jogo em rede com até quatro consoles, o que não pude testar já que depende de cada pessoa ter um Switch e uma cópia do jogo instalada, o que dificulta bastante as coisas. É muito pouco para um produto que deveria ter em sua essência a jogatina compartilhada.
Ganha quem comer mais
Superadas as limitaç˜ões do jogo compartilhado, há os modos de jogo que são variados, mas no final acabam se mostrando bastante parecidos entre si. O primeiro e mais imponente é um modo de corrida — este que pode se parecer com Fall Guys, para os desavisados — mas que é muito mais leve e simplificado tanto em termos de competitividade, já que se corre com pouco adversários e, principalmente, traz traçados muito mais rasos e menos punitivos, como seria de se esperar de algo da linha Kirby.
Cada cenário contra com um caminho linear bem definido com poucas variações de rotas alternativas bem pontuais, como por exemplo uma ponte elevada aqui, um corredor mais estreito ali, uma área mais larga acolá, mas na maioria do tempo passaremos pelo mesmo trajeto. A meta não é ser o primeiro a cruzar a linha de chegada, mas sim acumular mais morangos, estes que são coletados pelo caminho. A maior vantagem de chegar antes é poder abocanhar um bolo maior que os demais, que na prática é um bônus com alguns morangos a serem somados à pontuação final.
Via de regra, fazer o traçado mais direto complica a comilança de morangos e dificulta a vitória, mesmo com o bônus. Chegar por último e ficar sem bolo também é um péssimo negócio já que em uma corrida com média de 50, 60 morangos coletados, 10 ou 20 de premiação pelos primeiros lugares fazem bastante diferença. O ideal está sempre no equilíbrio entre ser rápido, mas procurando os desvios com melhor custo-benefício.
Os outros dois modos são bem parecidos entre si e colocam os jogadores em arenas menores para batalhar entre si e, uma vez mais, comer mais morangos que os outros. Em um deles, a coleta é direta, e é necessário tomar cuidado para empurrar, mas não ser empurrado para fora dos limites do cenário. Cair das beiradas traz um belo prejuízo na contagem final de morangos. No outro, com menos tempo que o anterior, é necessário quebrar caixas comestíveis para aí sim pegar o que tem dentro.
De todas as opções, o Battle Mode se mostra o mais interessante porque é basicamente um campeonato com quatro partidas acumulativas que engloba todos os modos disponíveis, e é o mais perto de um torneio que o jogo oferece. Não é super elaborado, afinal, só encadeia os tipos de competição disponíveis, mas ao menos é mais completo e traz diversidade ao intercalar situações e objetivos automaticamente.
A área inicial conta ainda com o acesso a um cenário aberto e livre de competição que serve tanto como tutorial para as diversas funcionalidades do jogo como espaço de recreação, onde nada é necessário e tudo é permitido. Outro elemento que está disponível logo na entrada é um grande bolo que serve como suporte para que o jogador acesse colecionáveis e outras coisinhas que vai coletando, das quais falarei mais adiante no texto. Nada muito sofisticado ou coisa do tipo, é tudo muito simples e bem fácil de entender.
Em cada um dos modos, há um mesmo padrão de movimentação, e nosso estiloso avatar rola como uma bola pelos caminhos gastronômicos. Subidas, portanto, são mais lentas, as vezes saltos são necessários para vencer barreiras ou evitar quedas, e quanto mais se come, mais difícil é o controle dessa movimentação. Há ainda power ups pelo caminho, semelhantes a qualquer jogo de kart, que oferecem habilidades especiais que vão desde o poder destrutivo da pimenta picante até a maleabilidade gelatinosa que atravessa paredes e outros obstáculos. Os controles funcionam bem, são responsivos e também seguem o mantra do menos é mais para simplificar as coisas.
No final, quem come mais engorda mais, e o resultado de cada partida se dá pelo simbólico ato de pesar todos os competidores. O mais pesado vence, e se estiver pesado o suficiente, pode até quebrar a balança. E tudo isso é muito direto e sem muitos meandros ou firulas, é de rápida compreensão e facilita muito que qualquer pessoa, independentemente da habilidade com os controles, possa participar e se divertir. Uma das maiores qualidades de Kirby’s Dream Buffet é a acessibilidade para diferentes públicos, o que o torna uma experiência casual ideal para aqueles dias preguiçosos ou uma brincadeira mais leve com filhos e avós.
50 tons de rosa
Para surpresa de zero pessoas, Kirby’s Dream Buffet é um desfile de cores e tonalidades intensas, de saturação gritante, mas com obviamente uma predileção para o rosa e todas as suas variações. Afinal, essa é a cor tradicional do nosso amiguinho rechonchudo, mas também é o tom de doces feitos do principal ingrediente presente no jogo. Em diferentes texturas — cremes, bolos, biscoitos, balas e tudo mais que lembram o mundo da Corrida Doce, jogo ficcional visto no filme Detona Ralph — os cenários e ambientes estão lotados de guloseimas.
Claro que não é só de rosa ou de doces que o jogo é feito, e como bem citamos no começo do texto, há pistas inteiras baseadas em fast food da melhor (ou seria pior?) qualidade, como hambúrgueres, batatas fritas e bacon na chapa, possibilitando o uso de uma paleta de cores mais variada. De constante, está uma estética lúdica da comida, com tendências a um olhar mais infantil e de deslumbramento sobre aqueles alimentos que são o terror de qualquer nutricionista, tudo com uma qualidade gráfica e uma coesão visual digna de Forgotten Land.
Contudo, este é um jogo de escopo muito menor, um recorte bastante específico, e não vamos encontrar as mesmas paisagens belíssimas, a mesma construção de universo do primo mais rico da franquia, e muitas passagens, por mais fofas que possam ser, ainda se mostram um pouco econômicas em detalhes e variedade cenográfica. E mesmo com as pistas e arenas que vão sendo disponibilizadas conforme se sobe de nível, a diversidade de situações ainda é bem limitada, o que pode acarretar em um esgotamento bem rápido do interesse do jogador.
Já a trilha musical não traz nenhuma surpresa e se mantém em um patamar bem elevado para o gênero, com canções que se não são memoráveis — confesso, algumas delas ficam na cabeça por horas — são alegres e empolgantes, sempre mantendo um tom mais infantil da produção. Por sua vez, a faixa de efeitos não tem lá grandes destaques para além dos suspiros e de expressões daquele bando de Kirbys rolando como se não houvesse amanhã. Não espere nada diferente, para o bem ou para o mal, do que a Nintendo entrega nesse tipo de jogo.
Aliás, falei de rosa ser a cor original do protagonista, mas neste caso está longe de ser a única. Um dos maiores atrativos para continuar jogando é que há um nível geral do jogador que se enche acumulando os morangos de todas as partidas e que vai liberando uma série de extras, incluindo cores e apetrechos para customização do personagem principal (porque infelizmente o convidado sempre joga com uma composição aleatória), além de biscoitinhos para enfeitar o bolo na área de menu do qual falei antes, sempre trazendo uma ilustração que remete e reverencia jogos anteriores estrelados pelo Kirby, o que, na prática, acaba se tornando uma galeria de artes tematizada. Muito legal esse respeito pela história que recursos relativamente bobos prestam.
Não poderia deixar de citar que o jogo vem localizado para o nosso português brasileiro, o que poderia ser uma futilidade óbvia, mas em se tratando de produtos originais Nintendo, não é. Felizmente, há uma tendência sendo traçada pela empresa, e esse ano já tivemos algumas ótimas surpresas nesse quesito. Tomara que esse ensaio seja só o começo do investimento maior nesse campo. Tomara.
Conclusão
Kirby’s Dream Buffet é bastante divertido dentro daquilo que oferece, mas infelizmente oferece pouco. Os cenários são, de sua forma, encantadores, mas bastam algumas poucas horas para que já os conheçamos, e no final todos acabam sendo muito parecidos entre si tanto no design simplificado quanto na aparência adocicada. A tendência é que o jogo se torne repetitivo, salvo para aqueles que encontrarem uma diversão genuína em não se importar tanto assim com as possibilidades um tanto limitadas do game.
Ao oferecer pouca profundidade, as corridas se tornam um misto entre repetir a mesma coisa sem necessitar de tanta competência e a aleatoriedade de poderes e eventos. A perícia nos controles é importante, mas não demora tanto para que aprendamos a rolar nosso simpático avatar, porque como dito, a velocidade não é um elemento tão primordial assim e mesmo quando o é, não exige habilidades ou prática constante. As motivações para o replay são a possibilidade de se divertir com alguém ao lado (já que online dá muito trabalho conseguir estabilidade) e coletar infindáveis colecionáveis e coisinhas para deixar seu Kirby diferentão.
A se lamentar, está principalmente o fato de o game não permitir uma tela dividida para mais de duas pessoas, o que é um pecado para um jogo com tanto potencial de borbulhar uma bagunça na sala de casa naquele momento pós-almoço de domingo. Percebe-se que o desempenho técnico pode sofrer um pouquinho no multiplayer, mas o jogo se mostra bem mais leve que, por exemplo, Mario Kart, e a limitação técnica do console não parece (ou não deveria parecer) ser um problema. Somando-se um online enroscado e um jogo em rede improvável para a maioria das pessoas, perde-se muito do que ele poderia oferecer.
Ao mesmo tempo, é ideal para se experenciar com uma criança, ou alguém com menos intimidade com videogames porque ao exigir pouco, ele entrega bastante diversão sem fazer questão que sejamos realmente bons, e mesmo em dificuldades mais elevadas, o jogo parece ser bem generoso com jogadores mais casuais, por mais que alguns bots podem parecer arranjar um impulso sabe-se lá de onde de vez em quando. É um jogo descompromissado, daqueles para deixar instalado para uma ou duas partidas à toa, amigáveis e sem causar estresse. E é sempre bom ter um jogo assim à mão.
Lançado em 17 de agosto de 2022 exclusivamente para o Nintendo Switch, Kirby’s Dream Buffet está, como adiantado mais acima, localizado para o português brasileiro em menus e caixas de texto.